Dr. Donald, Mr. Trump e um elefante na sala chamado Rússia
Esta noite, o Presidente Donald Trump vai ao Congresso dizer aos eleitores e aos seus representantes que o Estado da União é bom — bolsas a subir, desemprego a descer e impostos a cair aos trambolhões. Mas uma taxa de aprovação historicamente baixa e a investigação sobre a Rússia apontam noutro sentido.
Poucos dias depois de ter espantado os comentadores políticos com um discurso no Fórum Económico Mundial sóbrio, focado e livre daqueles à partes que deixam meio mundo furioso, o Presidente norte-americano, Donald Trump, vai esta noite ao Congresso ler o seu primeiro discurso sobre o Estado da Nação.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Poucos dias depois de ter espantado os comentadores políticos com um discurso no Fórum Económico Mundial sóbrio, focado e livre daqueles à partes que deixam meio mundo furioso, o Presidente norte-americano, Donald Trump, vai esta noite ao Congresso ler o seu primeiro discurso sobre o Estado da Nação.
Esperam-se poucas surpresas, mas há pelo menos duas incógnitas: o Presidente que vai falar hoje aos congressistas e a milhões de telespectadores nos EUA é o mesmo que se apresentou em Davos na semana passada, ou o que fez arrepiar a pele dos seus opositores no ano passado, na tomada de posse, ao dizer que "a carnificina americana termina aqui e agora"? E haverá espaço no teleponto — ou em algum momento de improviso — para se ouvirem queixas sobre uma suposta "caça às bruxas" na investigação do procurador especial Robert Mueller às ligações entre a campanha de Trump e a Rússia?
Ontem, durante a tomada de posse do novo secretário da Saúde, Alex Azar, Trump avançou que vai falar sobre a sua proposta de reforma das leis de imigração, e que vai pedir o apoio do Partido Democrata — um apoio necessário porque a maioria do Partido Republicano no Congresso não é suficiente para aprovar uma alteração tão ambiciosa.
A questão da imigração é, por estes dias, a mais importante em Washington — foi por causa do falhanço nas negociações para a reforma das leis de imigração entre os dois partidos e a Casa Branca que o país teve de suportar mais um shutdown dos serviços do Governo federal. Essa suspensão do financiamento só durou três dias, mas se não houver um acordo sobre imigração até 8 de Fevereiro, o mais provável é que haja um novo shutdown — também por isso, para evitar que a sua historicamente baixa taxa de aprovação desça ainda mais ao ser responsabilizado por uma nova crise orçamental, Donald Trump está pressionado a chegar a acordo com os seus opositores — ou a fechar um negócio, como ele próprio diria.
Para além da questão da imigração, há outros temas com lugar garantido no discurso do Estado da União: a reclamação de louros pelo bom comportamento da economia norte-americana (que começara a melhorar na era Obama), pela descida da taxa de desemprego (que já vinha a descer de forma sustentada desde a era Obama) e pela subida do índice de confiança de consumidores e empresários (não estava baixo antes de Trump ter chegado à Casa Branca, mas a tremenda descida de impostos aprovada em Dezembro ajudou a melhorar ainda mais o cenário positivo). E haverá também tempo para informar o Congresso — e todos os eleitores — sobre as prioridades da Casa Branca para o ano que agora começa, como é tradição nos discursos do Estado da União. Depois de ter conseguido que o Congresso aprovasse o seu plano de reforma fiscal e de ter falhado na promessa de desmantelar peça por peça o Obamacare, as grandes prioridades para os próximos meses são a reforma das leis de imigração e o plano de revitalização de estradas, pontes, aeroportos e outros equipamentos do género.
Com ou sem Rússia?
Apesar do sucesso económico que o Presidente norte-americano diz ser fruto da sua mão de empresário excepcional, e da avalancha de tweets com a ideia de que a América está "a ganhar outra vez", a verdade é que Donald Trump é o Presidente menos popular dos últimos 70 anos — no final do primeiro ano de mandato, nenhum outro Presidente tinha uma taxa de popularidade tão baixa como a de Trump, a rondar os 39%. Nem Richard Nixon, o único Presidente a apresentar a demissão para não ser destituído; nem Gerald Ford, o Presidente que amnistiou Richard Nixon apenas um mês depois de ter chegado à Casa Branca.
Parte do problema da falta de popularidade de Trump não é nenhum mistério: nunca foi um candidato conhecido por querer unir a América, e nada do que possa fazer como Presidente aproximará as pessoas que o vêem como um facilitador do racismo e um normalizador da mentira. Apresentou-se como um candidato de ruptura e tem sido um Presidente de ruptura — se fosse muito popular é que seria estranho.
É por isso que ninguém consegue antecipar que Presidente Donald Trump vai estar no discurso desta noite, na sala da Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano: o Presidente que se vai limitar a reclamar os louros pelo que há de bom e culpar os opositores pelo que há de mau (como todos os outros), ou o outsider que não vai resistir à tentação de martelar congressistas e eleitores com queixas sobre "fake news" e uma "caça às bruxas" na investigação sobre a ingerência russa nas eleições presidenciais de 2016?
Desde a década de 1970, houve dois Presidentes que tiveram de fazer discursos do Estado da União em momentos muito sensíveis da sua estadia na Casa Branca. Usaram estratégia diferentes e tiveram resultados diferentes.
Em 1999, o Presidente Bill Clinton foi ao Congresso enquanto estava a ser alvo de um processo de impeachment e decidiu evitar o elefante na sala: não disse uma palavra sobre o caso e o Senado acabou por absolvê-lo 24 dias depois. Um quarto de século antes, em Janeiro de 1974, o Presidente Richard Nixon decidiu tocar na sua ferida aberta chamada Watergate e não só apontou para o elefante na sala como o arrastou para a primeira fila dos congressistas e dos milhões de telespectadores que o viam em casa: "É hora de essa investigação chegar ao fim. Um ano de Watergate é suficiente." Sete meses depois, Nixon saía da Casa Branca.