Reitor de universidade privada julgado por desvio de três milhões em benefício próprio

Salvato Trigo responde pelo crime de infidelidade. Dinheiro da Universidade Fernando Pessoa seria canalizado para uma empresa, cujos sócios são o próprio reitor, a mulher e os dois filhos.

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O reitor da Universidade Fernando Pessoa, Salvato Trigo, está a ser julgado no Tribunal Judicial da Comarca do Porto por ter alegadamente desviado “pelo menos” três milhões de euros daquela instituição de ensino privado em benefício próprio e da sua família. O julgamento arrancou em Outubro e está a decorrer à porta fechada, na sequência de uma decisão do juiz do processo a pedido do único arguido no caso.

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O reitor da Universidade Fernando Pessoa, Salvato Trigo, está a ser julgado no Tribunal Judicial da Comarca do Porto por ter alegadamente desviado “pelo menos” três milhões de euros daquela instituição de ensino privado em benefício próprio e da sua família. O julgamento arrancou em Outubro e está a decorrer à porta fechada, na sequência de uma decisão do juiz do processo a pedido do único arguido no caso.

Em causa, segundo a acusação a que o PÚBLICO teve acesso, estão diversos esquemas que o reitor da Fernando Pessoa terá montado para fazer sair avultadas quantias das contas da fundação que detém a universidade. O dinheiro seria canalizado para uma empresa, cujos sócios são o próprio Salvato Trigo, a mulher e os dois filhos. Acabaria nos bolsos da família Trigo através da distribuição de lucros, uma operação que está vedada à fundação, devido ao seu estatuto.  

Contactado pelo PÚBLICO, Salvato Trigo afirmou que a “acusação é completamente falsa” e insiste na presunção de inocência. “Isto é uma vingança de um antigo técnico oficial de contas da instituição”, garante o reitor da Fernando Pessoa, que interpôs um recurso judicial para impedir o PÚBLICO de consultar o processo em causa.

Esta não é a primeira vez que Salvato Trigo responde criminalmente em tribunal, tendo, no final dos anos 90, sido condenado a dez meses de prisão, suspensos, num processo relacionado com o desvio de subsídios do Fundo Social Europeu, quando era director da Escola Superior de Jornalismo do Porto.

O caso da Fernando Pessoa já passou pelo crivo de um juiz de instrução, que decidiu que face aos elementos de prova existentes (a grande maioria documentos) era mais provável a condenação do reitor que decidiu levar a julgamento. A denúncia do caso partiu da Ordem dos Contabilistas Certificados, tendo a Polícia Judiciária feito perícias financeiras que suportam a acusação.

Salvato Trigo está a ser julgado pelo crime de infidelidade, um ilícito punido “com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. Incorre nele quem, tendo “o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante”.

O Ministério Público pede que a vantagem patrimonial que Salvato Trigo obteve com o crime, estimada em pelo menos 3.033.056 euros, seja declarada perdida a favor do Estado, já que foi obtida “através da prática de um facto ilícito”.

Dinheiros cruzados

O negócio mais prejudicial para a fundação descrito na acusação é a compra, em final de 2006, de uma casa, contígua à reitoria da universidade, que alberga actualmente a Escola de Pós-Graduações da instituição. O imóvel, localizado na Praça 9 de Abril, no Porto (um local conhecido como Jardim de Arca d´Água), foi comprado formalmente pela tal empresa da família Trigo, a Erasmo, que, no entanto, como não tinha dinheiro disponível para pagar os 1,4 milhões de euros que os vendedores pediam, acabou por pedir um empréstimo de 1,2 milhões à própria universidade.

Insólito é que apesar de, num primeiro momento, ter adiantado a esmagadora maioria do dinheiro, a universidade acabou a fazer um contrato de arrendamento pelo prazo de dez anos com a Erasmo, que lhe cobrava 40 mil euros mensais para esta poder usar o imóvel. Isto “apesar da Fundação Ensino e Cultura Fernando Pessoa ter liquidez financeira”, naquela altura quase oito milhões de euros disponíveis, nota-se na acusação.

Apesar de ter sido a Erasmo a comprar a casa, foi a fundação que desembolsou os 584 mil de euros em obras que permitiram reparar a antiga moradia e adaptá-la para receber a Escola de Pós-Graduações. E mesmo durante as obras, apesar de “o imóvel não estar apto a ser utilizado”, a fundação pagou os 40 mil euros mensais de renda à empresa da família Trigo.

Só em 2007, calcula o Ministério Público, a Erasmo teve um rendimento de mais de um milhão de euros com a casa — nas obras e nas rendas —, o que representa “uma taxa de rentabilidade de cerca de 71% no primeiro ano”. Mas o contrato foi feito por dez anos e, na data da acusação, em Junho de 2016, a universidade já tinha pago em rendas 4,6 milhões de euros, por um imóvel que custara 1,4 milhões.

Depois de retirar algumas despesas pagas pela Erasmo, o Ministério Público estimava, na altura da acusação, um prejuízo de 2,4 milhões de euros para a fundação que detém a universidade.

Exemplo da promiscuidade que existiria entre as duas entidades é um outro negócio descrito na acusação: a exploração de dois bares/cantinas da universidade. “Apesar desses serviços serem prestados nas instalações da Universidade Fernando Pessoa, quem procedia ao recebimento das rendas resultantes do aluguer desses espaços seria a sociedade Erasmo”, escreve o Ministério Público. As entidades que exploravam estes espaços entregaram à empresa da família Trigo mais de 50 mil euros por ano, num valor global de quase 290 mil euros entre 2006 e 2010.

As despesas de gás, electricidade, limpeza e telefone dos bares eram pagas pela universidade, mas o reembolso feito pelos empresários era entregue à Erasmo e não à fundação. Entre Janeiro de 2006 e Julho de 2010, a fundação pagou mais de 56 mil euros em despesas, mas a devolução destas verbas foi entregue à Erasmo.

Salas sem uso

Também ruinoso para a Fernando Pessoa, considera o Ministério Público, terá sido o trespasse de um instituto de línguas detido pela Erasmo, que custou à fundação, em 2006, 300 mil euros. Isto numa altura em que o instituto “já não funcionava há vários anos e não tinha clientela, pelo que a sua marca tinha perdido valor”, sustenta a procuradora do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto que assina a acusação. Nem o valor da renda era convidativo. Isto porque a lei já tinha sido alterada e a renda actualizada. Depois de trespassar o instituto, a Fernando Pessoa, que gastara 300 mil euros no negócio, nunca fez uso do mesmo. A fundação “não tinha qualquer interesse na aquisição do instituto”, conclui o MP, “não tendo procedido à sua exploração e não tendo este trespasse gerado qualquer proveito para ela”. 

A família Trigo já não pode dizer o mesmo, já que conseguiu trespassar o instituto pelo dobro do valor que tinha pago por ele década e meia antes. A Erasmo conseguiu ainda arrendar à fundação duas salas, localizadas na sede da empresa, na Foz, por quase 800 euros mensais. Diz o Ministério Público que a Fernando Pessoa “não necessitava destas salas, não lhes dando uso, uma vez que, nos últimos anos, construiu e comprou vários edifícios, dispondo de amplas instalações”. Nota ainda que estas instalações estão localizadas a mais de dez quilómetros da sede da universidade.

Outro negócio considerado criminoso pelo Ministério Público está relacionado com uma residência com quartos arrendados a estudantes, propriedade da empresa da família Trigo. A Fernando Pessoa é que pagava por factura mensal global as verbas à Erasmo e depois tinha o trabalho de cobrar o preço do quarto directamente aos alunos. Apesar de arranjar clientes e cobrar as verbas, a fundação ainda pagava à empresa da família Trigo uma comissão de 30%. Por isso, entre 2006 e Julho de 2010, a Fernando Pessoa pagou 304 mil euros à Erasmo e só cobrou 222 mil aos alunos, sofrendo um prejuízo superior a 81 mil euros. “Sucede que, de acordo com as regras de mercado, deveria ser a sociedade Erasmo a efectuar o pagamento de uma comissão à fundação, uma vez que foi esta que procedeu à angariação de clientes para aquela”, defende a procuradora.