Varsóvia quer proibir que se fale em campos de extermínio polacos e Israel é contra

Uma proposta de lei abriu uma crise diplomática entre os dois países. Governo polaco quer que os crimes nazis sejam atribuídos apenas aos nazis. Benjamin Netanyahu diz que não se pode reescrever a História.

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Sobreviventes de Auschwitz na cerimónia que assinalou, sábado, o 73.º aniversário da libertação do campo Kacper Pempel/Reuters

O primeiro-ministro de Israel e sobreviventes do Holocausto condenaram uma proposta de lei polaca que proibe que se atribua qualquer responsabilidade à Polónia pelas atrocidades cometidas pelos nazis no seu território.

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O primeiro-ministro de Israel e sobreviventes do Holocausto condenaram uma proposta de lei polaca que proibe que se atribua qualquer responsabilidade à Polónia pelas atrocidades cometidas pelos nazis no seu território.

O ministro dos Negócios Estrangeiros israelita chamou o encarregado de negócios da embaixada polaca em Telavive — o embaixador estava ausente — para protestar pela lei que está no processo de aprovação no Parlamento de Varsóvia.

"Não aceitaremos, em nenhuma circunstância, reescrever a História", disse o primeiro-ministrom Benjamin Netanyahu.

Antes da II Guerra Mundial, a Polónia era o país da maior comunidade de judeus da Europa, com 3,2 milhões de pessoas. A Alemanha nazi atacou e ocupou a Polónia em 1939 e ali construiu campos de concentração como Auschwitz e Treblinka. A maior parte dos judeus que viviam na Polónia foi morta pelos ocupantes.

Num comunicado, o governo polaco disse que a proposta de lei se destina a fazer com que as pessoas párem de atribuir aos polacos a responsabilidade pelos campos nazis.

A lei já foi aprovada na câmara baixa do Parlamento polaco, na sexta-feira. Proibirá, por exemplo, o uso de frases como "campos de extermínio polacos", crime que passa a ser punido com três anos de prisão.

Para entrar em vigor, a proposta de lei tem que ser aprovada pelo Senado e ratificada pelo Presidente Andrzej Duda.

"Não aceitaremos limitações à procura da verdade pela investigação histórica", disse Netanyahu. "A nossa embaixadora em Varsóvia, por instrução minha, falou com o primeiro-ministro polaco na noite das cerimónias do Holocausto e de Auschwitz [no sábado assinalou-se o 73.º aniversário da libertação deste campo] e enfatizou estas posições". 

Varsóvia diz que a lei não vai limitar a investigação ou impedir que se fale no Holocausto.

"Judeus, polacos e todas as vítimas devem ser os guardiães da memória de todos os que foram assassinados pelos nazis alemães. Auschwitz-Birkenau não é um nome polaco e 'Arbeit Macht Frei' não é uma frase polaca", escreveu no Twitter no sábado o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawieckiy.

A frase alemã, que se traduz por "o trabalho liberta", estava escrita sobre os portões de ferro de Auschwitz e de outros campos de concentração.

O Instituto Polaco para a Memória disse que, no passado, a Polónia foi muitas vezes apresentada como um aliado de Hitler e que, por isso, é preciso defender a sua reputação.

A Polónia perdeu três milhões de cidadãos não judeus, incluindo muitos dos seus intelectuais e membros da elite durante a II Guerra Mundial. A capital, Varsóvia, foi literalmente reduzida a escombros em 1944, depois de um levantamento falhado contra os nazis — 200 mil civis morreram.

Segundo o Yad Vashem, o centro da memória do Holocausto israelita, a frase "campos de morte polacos" pode levar a uma má interpretação da História, mas diz que com este projecto de lei "corre-se o risco de tapar a verdade histórica sobre a ajuda que os alemães receberam da população polaca".

A pedido de Israel, os principais conselheiros do Presidente Duda vão reunir, esta segunda-feira, com o embaixador de Israel em Varsóvia para falarem sobre a proposta legislativa.

Sobreviventes do Holocausto entrevistados em Israel pelo diário Yedioth Ahronoth contaram que os polacos lhes recusaram ajuda e os entregaram às autoridades alemãs. 

"Havia polacos que eram boas pessoas, mas também havia polacos que eram muito cruéis", disse Esther Lieber, de 81 anos. "Quando eles vieram reunir-nos e nos levaram para o Gueto, o meu pai disse-me para correr muito depressa. Estávamos com muito medo e fugimos para o bosque. Os polacos atiraram-nos pedras e rogaram-nos pragas".

O Yad Vashem diz que entre 30 mil e 35 mil judeus — cerca de 1% dos judeus polacos — foram salvos por polacos. Mais de 6700 polacos — o maior número de salvadores de um só país — foram homenageados pelo Yad Vashem com o título honorífico de "Justos entre as Nações", atribuído aos que arriscaram a vida para salvar judeus durante o Holocausto.