Teresa Villaverde: “Há mil maneiras de fazer cinema. Esta é uma delas”
Teresa Villaverde estreia em Roterdão O Termómetro de Galileu, documentário sobre o cineasta italiano underground Tonino de Bernardi. Filme de transmissão de valores feito pela realizadora em absoluta liberdade, sem equipa.
Teresa Villaverde (n. 1966) não é conhecida por ser uma realizadora regular. Em pouco mais de 25 anos de carreira, tem apenas sete longas de ficção, realizadas a intervalos razoavelmente longos. Mas, exactamente um ano depois da última longa, Colo, ter tido estreia mundial no concurso de Berlim, eis que a autora de A Idade Maior ou Os Mutantes, reconhecida internacionalmente como um dos nomes mais singulares da produção portuguesa, apresenta um novo filme.
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Teresa Villaverde (n. 1966) não é conhecida por ser uma realizadora regular. Em pouco mais de 25 anos de carreira, tem apenas sete longas de ficção, realizadas a intervalos razoavelmente longos. Mas, exactamente um ano depois da última longa, Colo, ter tido estreia mundial no concurso de Berlim, eis que a autora de A Idade Maior ou Os Mutantes, reconhecida internacionalmente como um dos nomes mais singulares da produção portuguesa, apresenta um novo filme.
Não é só pela rapidez com que foi feito que O Termómetro de Galileu, terceira longa portuguesa em estreia mundial no festival de Roterdão (este domingo, dia 28 de Janeiro), é um filme atípico para o percurso da realizadora. É atípico por ser um documentário de longa-metragem (o seu primeiro nesta duração), que acompanha algumas semanas da vida do casal formado por Tonino de Bernardi, cineasta italiano que trabalha em absoluta liberdade, “fora do sistema”, e pela sua esposa, Mariella Navale. E é atípico, sobretudo, porque é um “solo absoluto” — um filme que Teresa Villaverde filmou e montou inteiramente sozinha, sem equipa, sem produção, sem plano.
“Cheguei com a minha câmara, o meu microfone, e anos de uma grande amizade”, como a cineasta diz por e-mail ao PÚBLICO, poucas horas antes de partir para o festival holandês. “A rodagem foi curta, sem preparação, sem conversas prévias, sem nada. Eu nunca tinha trabalhado assim, não sabia se seria capaz. Mas este filme ou era assim ou não era nada. Há um grau de intimidade que nunca poderia existir se eu estivesse lá com uma equipa.”
Rodado nas casas que Mariella e Tonino mantêm em Turim e na aldeia de Casalborgone, na província do Piemonte, o filme arranca com imagens da Electra de Sófocles que De Bernardi filmou na região em 1987 com actores não-profissionais, e parte à descoberta de um quotidiano onde o cinema está sempre presente, mesmo quando não há filmes em rodagem ou em previsão. “Para o Tonino não existe começar a arte, a criação, e acabar a vida, ou o contrário,” explica Teresa Villaverde, amiga de longa data e também actriz em alguns dos seus filmes.
“Está sempre tudo ligado, e a amizade também, e a família. Não há fronteiras nem limites. Como para ele não há fronteiras, ele não vê as que existem, e passa por elas como se não estivessem lá. Se gosta de uma pessoa, quer filmá-la para ter a certeza de que não lhe foge. Ele diz que quer fazer um filme com a Isabelle Huppert, e uma pessoa diz-lhe, «ah, sabes, a Huppert e tal...» e passado uns meses já está a filmar com ela!” (Filmou mesmo: foi em 2007, uma releitura de Medeia intitulada Médée miracle.)
Apesar de ser um documentário, há uma dimensão de núcleo familiar na qual O Termómetro de Galileu se inscreve na linhagem das ficções da realizadora. Mas onde os outros filmes falam muitas vezes de famílias ou relações em crise, aqui filma-se a possibilidade de uma família feliz. “Queria fazer um filme sobre uma família que funciona, onde as várias gerações se respeitam e entendem, se adoram,” confirma Teresa Villaverde. “E não é tão fácil encontrar uma família assim. Filmar foi fácil, foi só estar ali. Eu dormia e comia em casa deles, ia com eles de um lado para o outro.”
Essa felicidade transfere-se intacta para um filme que a realizadora procurou “mais livre, mais como os filmes do próprio Tonino, que começou nos anos 60 a fazer o cinema underground. Foi quando ele conheceu o cinema e os cineastas do underground americano que percebeu que o cinema também podia ser uma câmara e um grupo de amigos. Há mil maneiras de fazer cinema, e essa é uma delas, e preciosa. Senti-me a respirar a plenos pulmões, e acho que isso se nota no filme”.
Filme sobre a transmissão — “de valores, de memórias, de conhecimento, de amizades” — O Termómetro de Galileu estreia em Roterdão poucas semanas antes da chegada (finalmente) às salas portuguesas de Colo, a última ficção da realizadora. Por e-mail, perguntámos se a rapidez da produção deste documentário e as suas especificidades sugeriam um intervalo, um descanso, entre a exigência formal e prática de uma ficção filmada com guião e uma equipa alargada. “Não sei se é um intervalo,” respondeu Teresa Villaverde. “Uma respiração e uma aprendizagem, isso sim, sem dúvida. Talvez eu tenha pensado primeiro que os queria dar a conhecer às pessoas que não os conheciam, mas cedo percebi que não era isso, que no fundo estava a fazer uma coisa para lhes dar a eles. Para lhes agradecer o muito que me deram só por serem quem são.”