A verdade está lá fora

Um dos grandes documentaristas americanos, Errol Morris, estreia-se no Netflix com um projecto fora de gavetas: Wormwood

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Em 1953, Frank Olson, um cientista militar americano envolvido em projectos secretos sobre armamentos químicos e bacteriológicos, morreu ao cair da janela de um hotel nova-iorquino. A sua morte foi então explicada como um suicídio. Em 1975, na sequência da revelação de relatórios secretos da CIA, passou a ser um “acidente” — Olson teria sido secretamente drogado com LSD e as perturbações resultantes levaram-no a atirar-se da janela. Em 1994, o corpo é exumado e a investigação forense encontra marcas que sugerem que o cientista teria sido assassinado. Mas, até hoje, a verdade sobre o que aconteceu a Frank Olson não é oficialmente conhecida.

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Em 1953, Frank Olson, um cientista militar americano envolvido em projectos secretos sobre armamentos químicos e bacteriológicos, morreu ao cair da janela de um hotel nova-iorquino. A sua morte foi então explicada como um suicídio. Em 1975, na sequência da revelação de relatórios secretos da CIA, passou a ser um “acidente” — Olson teria sido secretamente drogado com LSD e as perturbações resultantes levaram-no a atirar-se da janela. Em 1994, o corpo é exumado e a investigação forense encontra marcas que sugerem que o cientista teria sido assassinado. Mas, até hoje, a verdade sobre o que aconteceu a Frank Olson não é oficialmente conhecida.

Eric, um dos três filhos, dedicou a sua vida à busca da verdade. Mas, até hoje, não está mais perto de uma admissão de culpa, ou sequer de uma resposta, das autoridades americanas. À loucura do pai, que teria sido levado à morte pela ingestão de LSD, sucede a loucura de Eric, resultante de não saber em quem acreditar nem o que realmente aconteceu.

Errol Morris, um dos nomes grandes do documentário americano pós-Frederick Wiseman, encontrou nesta história verídica algo que ressoa com a sua obra permanentemente inquisitiva. De um lado, o meticuloso trabalho de investigação e pesquisa que o ajudou a denunciar uma injustiça judicial em The Thin Blue Line (1988). Do outro, o seu interesse pelas figuras “na sombra” da história política americana como Robert McNamara ou Donald Rumsfeld, que entrevistou respectivamente em The Fog of War (2003) e The Unknown Known (2013).

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Wormwood, que vai buscar o seu nome à designação inglesa da Artemisia absinthum (a erva que está na base do infame absinto) mas também à estrela que envenena as águas no livro bíblico do Apocalipse, é Morris a experimentar fora da sua zona de conforto. É um documentário onde traça o florescer da obsessão de um Eric que descobre a sua vida tornada numa dúvida metódica onde tudo está sempre a ser recolocado em causa. E uma “não ficção” que reencena os últimos dias de vida de Frank Olson; uma exploração das várias possibilidades da sua morte. Um filme de quatro horas, que teve exibição em sala nos EUA; uma “minissérie” em seis doses de 40 minutos, disponibilizada em simultâneo em todo o mundo no serviço de streaming Netflix. Um ficheiro secreto que navega nas mesmas águas da paranóia e da teoria da conspiração, mas também uma história quase shakespeariana que faz perguntas sobre a confiança e a justiça, sobre a integridade e a política.

Wormwood é um bicho estranho, uma quimera que desafia lógicas, um híbrido que procura outras maneiras de encenar narrativas que não encaixam nas gavetas tradicionais — uma colagem densa de imagens e sons com algo de perversamente alucinogénico e perturbante. Wormwood é Errol Morris a fazer perguntas, sabendo que a verdade está lá fora. Só que não dá respostas. Quem quiser que se aventure.