Um misterioso videojogo regressa 14 anos depois
O PÚBLICO experimentou chegar ao final de Yume Nikki – um videojogo japonês sem instruções em que o único objectivo é ajudar uma jovem a navegar no seu subconsciente.
Depois de andar a pé na neve durante o que parecem horas, sem direcções ou mapas à vista, a jovem encontra outra porta. Desta vez, leva-a para um salão escuro cheio de velas onde vê uma senhora de cabelo encarnado e nariz comprido. Madotsuki aproxima-se para pedir ajuda, mas é uma armadilha. É transportada para uma floresta rodeada por árvores tão densas que não consegue sair. Aperta as bochechas para acordar e volta ao início. Ainda não é desta. Yume Nikki é um sonho de que não se consegue acordar sem ajuda.
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Depois de andar a pé na neve durante o que parecem horas, sem direcções ou mapas à vista, a jovem encontra outra porta. Desta vez, leva-a para um salão escuro cheio de velas onde vê uma senhora de cabelo encarnado e nariz comprido. Madotsuki aproxima-se para pedir ajuda, mas é uma armadilha. É transportada para uma floresta rodeada por árvores tão densas que não consegue sair. Aperta as bochechas para acordar e volta ao início. Ainda não é desta. Yume Nikki é um sonho de que não se consegue acordar sem ajuda.
Há mais de dez anos que o jogo de culto japonês – um conjunto de universos construídos em pixéis ligados por portas misteriosas que foi partilhado num fórum online – motiva pessoas a perder horas a navegá-lo para ajudar a personagem principal, uma fã de videojogos chamada Madotsuki, a chegar ao final do seu sonho antes de acordar. Há sempre mais uma porta, e o criador do jogo original desapareceu em 2011.
A 24 de Janeiro de 2018, a notícia repentina de que uma continuação oficial de Yume Nikki, desta vez em 3D, chegará em Fevereiro reacendeu o interesse dos antigos fãs pelo jogo original. Partilham teorias e truques em fóruns online: por exemplo, a bicicleta escondida no universo da tempestade de neve ajuda a jovem a mover-se mais depressa, e há um guarda-chuva a norte do “mundo das poças”. Não serve de nada. Os fantasmas não respondem e o rapaz escondido no iglu nunca vai acordar. Na floresta chuvosa, porém, há um ferido no meio de uma das estradas que esconde algo importante.
O estilo surrealista aliado à falta de regras é parte do charme do jogo. A outra, é o mistério. Lançado em 2004, Yume Nikki – expressão japonesa para Diário de Sonhos – é a única criação de Kikiyama, um programador japonês de quem não se sabe muito. Publicou um link do jogo no 2channel (o equivalente japonês ao fórum 4chan), descreveu-o como "um jogo sem história num universo sombrio, de sonhos" e pouco mais disse sobre o tema. Entre os muitos tutoriais no fórum Reddit, há também dezenas de investigações em aberto de fãs que procuram o “verdadeiro Kikiyama”. A última mensagem que enviou a um fã, via email, data de 2011, três anos depois de ter parado de actualizar o jogo. Desde então que desapareceu sem rasto. Em 2016, alguns utilizadores no Reddit questionavam que talvez tivesse sido afectado pelo sismo de Tohoku, que atingiu o Japão cinco anos antes, e nunca se ia saber o propósito de Yume Nikki.
Estavam errados: o mistério e o pesadelo de Madotsuki está de volta, e Kikiyama faz parte do projecto. “Começámos a trabalhar nisto em Junho de 2017”, revela ao PÚBLICO Meghan Bridges, a responsável de comunicação da Active Gaming Media, que vai distribuir o novo jogo. “A participação de Kikiyama está relacionada com a estética do ambiente e das personagens”. É difícil arrancar muitas respostas de Bridges, mas desde Janeiro pode-se instalar a versão original, gratuitamente, na plataforma de videojogos Steam. Era o único requisito de Kikiyama à Active Gaming Media. A nova versão chega dia 23 de Fevereiro ao Steam.
O PÚBLICO tentou chegar ao fim do original. No começo, sem um objectivo claro definido, o jogo parece inútil: uma jovem a sonhar que navega por diferentes mundos a partir de um círculo de doze portas diferentes, chamado Nexus. O visual é interessante (um enorme labirinto vermelho, um mundo dividido com código binário, o local de um crime, filas de lâmpadas apagadas), mas parece que o único objectivo é andar. Até que se percebe – como sugerido pelos antigos fãs – que há peças e personagens escondidas no meio de cada universo que dão poderes especiais a Madotsuki. Os mais úteis, sem dúvida, são a bicicleta para se acelerar o passo e uma mão com um olho que permite à personagem voltar ao Nexus em vez de acordar e ter de recomeçar o jogo quando é apanhada pelas “bruxas”. Também se pode fugir das únicas vilãs do jogo ao roubar o semáforo vermelho escondido ao pé do homem ferido na floresta (o sinal luminoso manda às bruxas "parar" com o vermelho). As combinações peculiares lembram que o jogo se passa num sonho (ou pesadelo) sem fim.
O fascínio do jogo após uma década é perceptível: quer-se chegar ao fim, mas há sempre mais uma porta para abrir, ou umas escadas para descer. Os temas nos vários mundos vão desde a isolação (Madotsuki nunca fala com ninguém durante o jogo), à violência e à arte. A banda sonora sinistra contrasta com o humor ligeiro. Por exemplo, navegar num labirinto enorme para encontrar uma boca gigante monstruosa – com ar de quem pode ter uma pista relevante sobre o objectivo do jogo – para só se receber uma peruca loira que não serve de nada além de mudar a cor do cabelo de Matodsuki. Como o jogo não diz a história (apenas a mostra), cada jogador inventa a sua própria narrativa.
“O jogo é prova que gráficos simples podem ser tão eficazes como outros mais complexos”, diz ao PÚBLICO Ádám Pajor, 27 anos, um criador de videojogos da Hungria que se apaixonou pelos videojogos graças a Yume Nikki. “Como alguém que adorou o original e é fascinado por sonhos no geral, estou muito entusiasmado pela nova versão. Com o novo jogo quero ver locais novos e alguns dos originais. Um universo maior. Mais mundos surreais e abstractos. Espero mesmo que satisfaça o frenesim em torno do novo lançamento.”
Os fãs partilham quaisquer novidades que descobrem sobre o novo jogo no Twitter. Alguns, criam podcasts a falar dos muitos mistérios, outros partilham arte dos personagens, ou vídeos de como chegaram ao final do original (se o final for de facto o que mostram é uma desilusão).
“Posso dizer que a nova versão não é um cópia do original”, diz Meghan Bridges, da Active Gaming Media, ao PÚBLICO. Ao insistir um pouco mais, revela que “alguns novos universos foram recuperados do jogo original, por isso os antigos fãs podem saber o que têm de fazer nesses locais” e que “não vai ser possível encontrar instruções ou tutoriais no jogo”. Como no jogo original, a nova versão “é para cada jogador descobrir”.