Presidenciais checas terão ressonância em toda a Europa

Ao contrário de Budapeste e Varsóvia, Praga não foi atingida pelo populismo contra o Estado de direito.

Aguardemos, logo à noite, o resultado da segunda volta das eleições presidenciais checas. Não é habitual ser um tema de relevo internacional. Mas, desta vez, há quem compare a disputa entre o actual Presidente, o populista e eurocéptico Milos Zeman, e o liberal e pró-europeu Jiri Drahos aos duelos entre Trump-Clinton ou Macron-Le Pen. O resultado terá um forte impacto na Europa Central e Oriental e, a partir daí, no futuro da política europeia.

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Aguardemos, logo à noite, o resultado da segunda volta das eleições presidenciais checas. Não é habitual ser um tema de relevo internacional. Mas, desta vez, há quem compare a disputa entre o actual Presidente, o populista e eurocéptico Milos Zeman, e o liberal e pró-europeu Jiri Drahos aos duelos entre Trump-Clinton ou Macron-Le Pen. O resultado terá um forte impacto na Europa Central e Oriental e, a partir daí, no futuro da política europeia.

A República Checa tem neste momento um primeiro-ministro populista, Andrej Babis, que não consegue obter a confiança do Parlamento. É aliado de Zeman, que promete reinvesti-lo no cargo antes do fim do mandato, em Março. Multimilionário, Babis venceu tangencialmente as legislativas de Outubro, mas tem um ponto fraco: os outros partidos recusam apoiá-lo por estar acusado de desvio de fundos europeus.

“Se Babis se tornar primeiro-ministro e Zeman for reeleito, Bruxelas terá pela frente uma formidável parelha [na sua disputa com Praga sobre a imigração e o reforço da União Europeia]”, escreve o Politico.eu. Tal reforçaria as posições do húngaro Viktor Orbán e do polaco Jaroslaw Kaczynski. Consolidaria o Grupo de Visegrado (República Checa, Polónia, Hungria e Eslováquia) como núcleo de oposição a Bruzelas. Varsóvia e Budapeste pretendem ainda atrair para o seu bloco a Roménia e a Áustria.

Inversamente, uma vitória de Drahos constituiria um obstáculo a este desígnio e tenderia a normalizar as relações com Bruxelas. Ele é partidário do aprofundamento da integração da UE, defendido por Macron e Merkel. Como pode isto acontecer, se o Presidente checo tem poderes limitados? Graças à dinâmica da política interna checa.

Babis

Babis, magnata do agro-alimentar, da química e dos media, não é um populista à Marine le Pen. Como a generalidade dos eurocépticos checos, centra a oposição a Bruxelas nas razões de “soberania nacional”. Mas com uma particularidade, frisa Jacques Rupnik, politólogo e historiador da Europa Central: “Babis propõe uma forma particular de populismo, um populismo empresarial e antipolítico, menos estridente do que o dos seus vizinhos [Orbán e Kaczynski], que são ideólogos. Ele é um pragmático.” Não é propriamente hostil à UE e muito menos partidário de um “Chexit”. O seu programa resume-se a “gerir o Estado como uma empresa, isto é, com eficácia e uma cadeia de comando clara”.

O seu partido, União dos Cidadãos Descontentes (ANO 2011), impôs-se denunciando a “ineficácia dos partidos corrompidos” e um parlamento definido como “câmara de paleio”. Politicamente inconstante, deve o sucesso aos descrédito dos partidos tradicionais.

A crise política foi aberta em Maio, quando o antigo primeiro-ministro social-democrata Bohislav Sobotka demitiu Babis de ministro das Finanças por ser acusado de uso fraudulento de fundos públicos. A revanche de Babis chegou em Outubro, quando ganhou tangencialmente as legislativas. Mas os outros partidos uniram-se, em nome da “moral pública”, e recusaram o voto de confiança no seu Governo. Zeman promete reconduzi-lo mesmo que num executivo minoritário.

Zeman e Drahos

Zeman é um veterano político e antigo líder do Partido Social-Democrata, que mais tarde abandonou. Durante a sua presidência radicalizou o seu populismo. A crise da imigração fê-lo adoptar os slogans anti-islâmicos num país onde não há muçulmanos. Defende, contra Bruxelas e ao contrário da Polónia, uma aproximação à Rússia e o levantamento das sanções contra Moscovo. Privilegia as relações com Pequim. Dizem os analistas que a sua campanha consiste em dizer “o que as pessoas querem ouvir”. Como por exemplo: o país só pode permanecer na UE, se a Grécia for expulsa. Gosta de ser comparado com Trump, cujos excessos de linguagem partilha.

Drahos é o homem diametralmente oposto. Químico de grande prestígio, antigo presidente da Academia das Ciências, só entrou na política em Março passado para se candidatar à presidência. É um liberal centrista e pró-europeu. Defende os projectos de Macron e Merkel, quer uma UE mais forte, mas só aceita um colhimento de imigrantes muito mitigado. O seu resultado na primeira volta surpreendeu, ao eliminar os candidatos dos principais partidos. Era considerado uma “personalidade fraca” para o efeito. Zeman teve 39%, Drahos 27%. Mas conta agora com os votos dos outros candidatos, que procurou unir numa plataforma europeísta.

As sondagens colocam os dois a par. Zeman tem a base eleitoral nas cidades periféricas e nos campos. Drahos em Praga e grandes cidades.

Praga

O eurocepticismo checo assenta sobretudo num forte soberanismo e na rejeição do multiculturalismo. Uma parte da população considera que Bruxelas prejudica Praga, menos beneficiada do que, por exemplo, a Polónia. É um país profundamente laico em que o tema “Europa cristã” não funciona como elemento mobilizador à imagem do que acontece em países vizinhos. Há movimentos xenófobos e racistas, mas ainda marginais, como o Partido Liberdade e Democracia Directa, de Tomio Okamura.

Por outro lado, a República Checa não foi atingida pela vaga nacionalista-populista que põe em causa o Estado de direito — casos da Polónia e, sobretudo, da Hungria.

O politólogo Georges Mink, outro especialista da Europa Central, afirma que os dirigentes húngaros e polacos tentam desesperadamente travar “o rolo compressor do presidente Macron, que tem um projecto europeu muito ambicioso” para reforçar a Europa. Nos últimos meses, o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, atenuou o seu eurocepticismo, aproximando-se de Paris e Berlim.

Resume Mink: “O grupo de Visegrado não pode tornar-se um bloco constante e permanente, desenvolvido como o Benelux. Há demasiados interesses contraditórios em jogo. Podem ter interesses conjunturais comuns, como a imigração, mas quando se fala mais em ideologia e menos em pragmatismo surgem as fissuras.”

Uma conjuntura excepcional vai reforçar o papel do Presidente checo. O facto de a campanha ter sido dominada pelas opções europeias teve um manifesto significado e terá grande ressonância. É um teste para a Europa Central e para a UE.

Hoje à noite haverá previsivelmente quatro espectadores nervosos com as eleições checas. De um lado, Orbán e Kaczynski; do outro, Merkel e Macron.