A SuperNanny mostrou aquilo que os professores há muito dizem
A SIC tem o mérito de ter exposto o que há muito é conhecido pelos professores, mas infelizmente as suas queixas nunca foram ouvidas, verdadeiramente ouvidas.
Já lá vamos à forma, mas para já o conteúdo.
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Já lá vamos à forma, mas para já o conteúdo.
O programa SuperNanny expõe claramente a falência de algumas famílias. Há anos que os professores se queixam da incapacidade de alguns pais em educar os seus filhos, da sua negligência, da sua cegueira em constatar o óbvio. E o óbvio é que são pais incompetentes, mal preparados para a paternidade e que precisam de ajuda.
Ser pai ou mãe não é uma capacidade inata como muitos dizem, é preciso aprender a parentalidade e alguns não têm perfil para aprender, nunca tiveram e não é por serem pais que passaram a ter.
Quando assisto a pais que acusam os professores de incompetência, que os seus filhos são os titulares absolutos da verdade, quando recusam os conselhos dos professores/psicólogos, chegando ao ponto de prejudicarem o sucesso educativo dos seus filhos, estamos perante uma derrota educativa dos filhos, mas também dos pais…
A SIC tem o mérito de ter exposto o que há muito é conhecido pelos professores, mas infelizmente as suas queixas nunca foram ouvidas, verdadeiramente ouvidas. É preciso trabalhar as famílias, a indisciplina que reina nas escolas é uma manifestação evidente da dificuldade dos pais em educar os seus filhos, uma educação que se baseia em muitos direitos e poucos deveres, em poucos 'nãos' e muitos 'sins', uma educação que é comprada pelos objetos e escasseia em responsabilidade e autonomia.
Faltam meios no terreno para ajudar os pais, falta uma responsabilização efetiva dos pais, falta uma educação parental a tempo e horas, antes do mal se tornar maior e impossível de alterar.
Quanto à forma que a SIC escolheu para “ajudar” os pais, bem…
Será que os responsáveis da SIC aceitariam que entrassem cinco a dez pessoas casa adentro, filmando os seus filhos, as discussões que têm com estes, as suas lágrimas em grandes planos, expondo-os a milhões de espectadores?
Será que os responsáveis da SIC aceitariam fazê-lo gratuitamente ou vendiam esses momentos privados por cerca de mil euros? As discussões têm preço? A privacidade tem preço? Quanto valem as lágrimas de uma criança???
Que acompanhamento é que a SIC e a sua SuperNanny irá dar às crianças/jovens que foram violadas na sua privacidade, atiradas aos olhares e comentários de colegas em idade perfeita para fenómenos como o bullying, a exclusão social e afins, durante as próximas semanas/meses?
Que acompanhamento é que a SIC e a sua SuperNanny vão dar, às milhares de crianças que vão tentar reproduzir aquilo que viram na televisão, pois como apareceu na televisão é fixe, é válido, é importante?
O que a SIC fez, e o que os pais que já eram incompetentes provaram mais uma vez que o são, foi vender um produto, foi ganhar dinheiro com um produto, um produto que é uma criança/jovem que não tem voto na matéria e que também ela foi comprada pelos seus 15 minutos de fama.
Os danos foram feitos, as marcas vão ficar e apesar das estratégias de sucesso que são transmitidas aos pais terem valor, nada, nada pode ultrapassar o direito à privacidade e o dever dos pais em protegerem os seus filhos. Onde estarão as SuperNanny e os pais quando o Zé, a Maria ou o Manel gozarem com as novas “estrelas” televisivas? Onde estarão quando forem vítimas da inveja de terceiros, da arrogância própria de quem de repente passou a ser famoso e que por isso julga-se mais importante que os outros?
Hoje em dia, os professores não podem tirar uma fotografia aos alunos…
Hoje em dia os professores não podem filmar os alunos por motivos pedagógicos (correções de gestos técnicos por exemplo), mesmo que os pais autorizem, existem orientações das “Europas” que o impedem…
Hoje em dia questionamos se as notas devem ser afixadas…
Hoje em dia não é permitido passar uma simples circular com o nome dos alunos castigados para servirem de exemplo aos restantes, tudo em nome da privacidade dos prevaricadores…
Mas em pleno horário nobre, tudo é esquecido, tudo vale e damos de caras com este belo espetáculo mediático, ignorando todos os princípios éticos e de elementar bom senso.
E para todos aqueles que apontam o dedo à exposição mediática das crianças, quantos de vós é que não publicam fotografias e vídeos dos vossos filhos, dia sim dia sim nas redes sociais?
Vivemos numa sociedade com duas faces e com muitos telhados de vidro…
Professor, pai e autor do blogue ComRegras, onde o texto foi inicialmente publicado.