PJ chamada ao inquérito do “apagão” das transferências para offshores
Averiguações internas do próprio fisco foram suspensas até terminar inquérito judicial. Depois do silêncio, o Governo garante que o caso não está esquecido.
A Polícia Judiciária (PJ) foi envolvida na investigação liderada pelo Ministério Público ao caso do “apagão” de dados recebidos pela autoridade tribuária e aduaneira sobre transferências para offshores realizadas de 2011 a 2014 num total de 10.000 milhões de euros.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Polícia Judiciária (PJ) foi envolvida na investigação liderada pelo Ministério Público ao caso do “apagão” de dados recebidos pela autoridade tribuária e aduaneira sobre transferências para offshores realizadas de 2011 a 2014 num total de 10.000 milhões de euros.
O inquérito criminal foi aberto em Agosto no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa e até Dezembro não tinha arguidos constituídos. Para já, e enquanto decorrem as investigações judiciais, o fisco não vai avançar com autos para apurar as eventuais responsabilidades dos serviços.
Depois de meses sem esclarecer publicamente se, e em que termos, o fisco estaria a dar andamento a averiguações internas, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, veio na quarta-feira garantir que o caso não está esquecido, confirmando que foi decidido suspender alguns procedimentos lançados em 2016 até terminar o inquérito-crime.
A justificação do governante surge em reacção a uma notícia do PÚBLICO, dando conta de que o Governo, depois de em Junho ter pedido explicações à AT, nada mais disse publicamente sobre o que está em curso internamente para “esclarecer aspectos relevantes para a descoberta da verdade”, como determinara por despacho de Fernando Rocha Andrade, antecessor de Mendonça Mendes na equipa de Centeno.
“O processo de inquérito da autoridade tributária encontra-se suspenso enquanto decorrer esse mesmo processo [do DIAP], o que não invalida a possibilidade de acção da AT relativamente a diversos campos uma vez terminado o processo de inquérito-crime”, referiu Mendonça Mendes ao PÚBLICO. A decisão foi tomada por despacho na semana passada, a 18 de Janeiro, na prática significa que o fisco vai interromper procedimentos que possam já ter sido lançados, nomeadamente para começar a avaliar em que termos podem ser aplicados processos disciplinares.
Aos deputados da Assembleia, onde durante a manhã estiveve a prestar esclarecimentos sobre outra questão distinta, Mendonça Mendes dissera que o fisco agirá, neste momento, até ao limite em que “não seja condicionado pela actuação” da investigação judicial. Sem o dizer, fica subentendido que a administração fiscal pode ir até onde não obstaculize o campo de acção do Ministério Público, ao mesmo tempo em que é o âmbito desse inquérito-crime que baliza a fronteira até onde o fisco pode chegar.
O secretário de Estado evitou explicitar ao PÚBLICO que tipo de acções pode o fisco fazer neste momento – e aquelas que já desenvolveu nos últimos meses antes de ser tomada esta decisão de interromper procedimentos internos. Isto porque o despacho do secretário de Estado anterior, de 27 de Junho, não se cingia a determinar que a AT verificasse as eventuais responsabilidades internas e das empresas fornecedoras de serviços informáticos.
Além de ordenar que tentasse ser confirmado se alguém poderá ter alterado “por dolo ou negligência” a parametrização da tecnologia usada para processar os dados das declarações das transferências para offshore, o despacho ordenava outras matérias. Há três situações: que fossem melhorados procedimentos internos para evitar erros do mesmo tipo; que fossem avaliadas as recomendações do relatório da Inspecção-geral de Finanças (IGF) ao “apagão”; e que fosse realizada uma auditoria ao tratamento de dados que também tinham usado a mesma tecnologia sobre a qual foi desenvolvida a aplicação de suporte ao registo das declarações dos offshore.
Prazo incerto
Mendonça Mendes diz apenas que, sem prejuízo da suspensão das avaliações do fisco, “o Governo determinou à autoridade tributária, concordando com essa suspensão (porque tem fundamento na lei), que deve avançar todo o objecto do despacho [de Rocha Andrade] que possa ser cumprido sem afectar os pressupostos que levaram à suspensão”.
No caso do “apagão” estão em causa os problemas identificados no controlo das transferências de capital realizadas a partir de instituições financeiras e de crédito sediadas em Portugal. Foi no final de Outubro e princípios de Novembro de 2016 que se descobriu no fisco que os dados de 20 declarações enviadas às Finanças pelos bancos tinham sido processados parcelarmente, deixando de fora da base central linhas de informação relativamente a 10.000 milhões de euros. A larga maioria (80%), num total de 7917 milhões, são fluxos enviados a partir de contas sediadas no BES.
Até se pronunciar na quarta-feira sobre o “apagão”, o Ministério das Finanças não deu qualquer resposta às perguntas colocadas pelo PÚBLICO em Junho, Julho, Setembro e Dezembro passados.
Agora, e depois de críticas dos representantes sindicais dos trabalhadores do fisco, Mendonça Mendes veio garantir que o caso não está esquecido e que “todas as acções que forem possíveis tomar que não colidam com o inquérito-crime serão tomadas”. Admite, no entanto, que não é possível antecipar quando é que a AT terá as conclusões finais do seu próprio inquérito.
Rocha Andrade emitiu o despacho a 27 de Junho de 2017, ainda antes de o DIAP de Lisboa abrir o inquérito, mas quando o Ministério Público já estava a recolher elementos sobre a situação e os remetera ao DCIAP (o departamento dedicado aos crimes de maior complexidade) e a IGF já concluíra a sua auditoria.
Sobre os contornos do “apagão”, no documento do então secretário de Estado constava-se, por exemplo, que a auditoria não reproduzira “informaticamente as circunstâncias em que o problema informático surgiu” e não explicara o facto de o erro afectar “especialmente algumas instituições” financeiras e manifestar-se “de forma diversa” ao longo do tempo.