A esquizofrenia sai “mais cara à sociedade do que ao sistema de saúde”
A inactividade da maioria dos doentes com esquizofrenia e os custos laborais para os seus cuidadores explicam por que razão a doença sai "muito mais cara à sociedade do que ao sistema de saúde”.
Miguel Gouveia é economista no Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica, especialista em economia da saúde, autor de vários artigos sobre os impactos económicos de doenças e um dos que assinam o estudo O custo e a carga da esquizofrenia em Portugal.
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Miguel Gouveia é economista no Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica, especialista em economia da saúde, autor de vários artigos sobre os impactos económicos de doenças e um dos que assinam o estudo O custo e a carga da esquizofrenia em Portugal.
Como se explica que os custos indirectos da esquizofrenia representem 78% dos custos totais, quando noutras doenças esse valor é minoritário?
Isto é genérico na área da saúde mental, mas podemos detalhar o caso da esquizofrenia. Se olhar para outra doença, como o AVC ou a doença isquémica do coração, estas têm internamentos muito caros, tratamentos e operações. Na esquizofrenia pode haver internamentos muito prolongados, mas que afectam um número muito pequeno de doentes. Por isso, no fundo, os custos para o sistema de saúde não são a parte principal dos custos da doença.
O que acontece é que 48 mil pessoas têm níveis de funcionamento, em termos sociais e, sobretudo, em termos laborais, baixos. Muitas pessoas, se não tivessem a doença, estariam a trabalhar. E depois há os custos adicionais, porque aquela fracção que está a trabalhar e que é minoritária tem mais absentismo que a população em geral.
Além disso, muitas pessoas com esquizofrenia precisam de ter um cuidador. Ou seja, há pessoas que precisam de gastar muito tempo e energia cuidando e acabam por ter dificuldades no mercado de trabalho. Faltam mais, deixam de trabalhar, e os que trabalham fazem-no durante menos tempo.
Portanto, esta é uma doença que sob esse ponto de vista é muito mais cara à sociedade do que ao sistema de saúde.
De que forma é que este conhecimento pode ser importante para a gestão dos sistemas de saúde?
Acho que Portugal tem feito algum esforço nesta área. Temos agora um plano nacional de saúde mental. Mas a verdade é que, quando começamos o estudo, havia muito pouca informação e a que havia estava muito dispersa. Grande parte do nosso trabalho foi pegar nessa informação fragmentada e tentar colar todos estes fragmentos para ter um todo coerente. Agora é um pouco mais simples, pegando no trabalho, ter uma ideia geral da situação e isso claramente pode ajudar no planeamento e na melhor utilização dos recursos nos tempos que se seguem.
Na prática, que políticas de saúde podem ser implementadas?
O nosso trabalho é um trabalho de retrato. O que posso dizer agora são reflexões pessoais enquanto economista. A ideia que me dá é que é uma área com uma série de oportunidades se forem reformuladas pequenas questões. Com um pequeno aumento dos custos directos do sistema de saúde, e sobretudo com melhor gestão dos recursos, poderíamos ter ganhos muito substanciais na produtividade. Isso significa ter unidades a funcionar melhor, significa mais acesso a vários tipos de tratamento, incluindo medicamentos.
Significa também a existência de uma organização em que a monitorização dos doentes é mais apertada para não termos, como apontam as nossas estimativas, quase oito mil pessoas que não estão a ser seguidas regularmente.
Diria que fiquei ligeiramente surpreendido ao ver que os custos directos não são assim tão elevados quanto isso, não chegam aos 100 milhões de euros. O que me diz que para uma doença com este impacto e esta prevalência, poderia haver um maior critério na utilização dos recursos.