O PS e os perigos do sucesso
É essencial que o PS retome o seu papel histórico de principal força política reformadora em Portugal.
O Partido Socialista deve discutir no seu interior e com a sociedade civil os sucessos destes dois anos de legislatura, pois, mais do que se imagina, muitos projetos são vítimas dos seus próprios sucessos.
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O Partido Socialista deve discutir no seu interior e com a sociedade civil os sucessos destes dois anos de legislatura, pois, mais do que se imagina, muitos projetos são vítimas dos seus próprios sucessos.
Os perigos que espreitam o PS têm, a meu ver, três dimensões: a de a legislatura ficar com a marca de não ter produzido qualquer reforma estrutural; a de o PS falhar o seu papel central na democracia portuguesa de produzir visões de futuro para os setores dinâmicos da sociedade (designadamente os ligados à produção de conhecimento e ao tecido empresarial); e — ao suspender o seu ADN reformista por força da solução parlamentar que suporta o Governo — a de o PS se afastar de sectores sociais posicionados ao centro que são decisivos na escolha de quem governa.
Quero deixar claro que, ao elencar estes perigos, não retiro quaisquer méritos à atual solução política, e menos ainda, à forma inovadora e inspirada como nestas circunstâncias o primeiro-ministro e o Governo têm conseguido melhorar inquestionavelmente o país. Ninguém pode contestar que a devolução de rendimentos é justa e produziu os efeitos prometidos e desejados. A economia voltou a funcionar, liberta das medidas recessivas de Passos Coelho. E a difícil alquimia chamada “confiança” foi produzida e os seus efeitos estão à vista. Os compromissos internacionais foram cumpridos e a reputação de Portugal melhorou em todos os domínios.
Produziu-se, também, uma alteração profunda no sistema político. O Bloco de Esquerda e, sobretudo, o Partido Comunista foram introduzidos no realismo e na pragmática da governação e nunca descolaram nos momentos chave, incluindo quando estavam em causa compromissos internacionais, nomeadamente financeiros, que do ponto de vista teórico e ideológico ambos contestam. Só isto, pelo simples facto de ter acontecido, deixa marcas indeléveis nesses partidos e nos seus eleitorados. É certo que não sabemos até quando durará este apoio a um programa mínimo, mas que ele é sem dúvida uma mudança estrutural no nosso sistema político, é. E, objetivamente, é bom.
Então — perguntar-me-ão — qual é o problema? Na minha opinião existe o risco, que não deve ser ignorado nem relativizado, de que, para alcançar estes inegáveis sucessos, o PS e o Governo fiquem "inibidos" de atuar em diversas frentes estratégicas de que Portugal necessita para não dificultarem a continuidade do apoio parlamentar do BE e do PCP. A questão é que se tratam de desafios cruciais para o futuro do país, sendo essenciais para que o PS retome o seu papel histórico de principal força política reformadora em Portugal. Os problemas a que me refiro são vários, mas destaco os que condicionam mais o nosso futuro e o das próximas gerações.
A perigosa dimensão da dívida pública. Os valores absolutos da dívida pública podem comprometer o nosso futuro coletivo e a própria democracia. O PS tem que encarar de frente este problema estrutural nacional, demonstrando que tem as ideias certas, o talento e a coragem para enfrentar esta ameaça, aproveitando uma conjuntura internacional extremamente favorável.
O acentuado declínio populacional. O inverno demográfico que Portugal vive, conjugado com o extraordinário aumento da esperança de vida, surge como um desafio urgente à sustentabilidade da Segurança Social, do Sistema Nacional de Saúde (que é uma marca do PS) e da própria capacidade nacional para agarrar e revitalizar os territórios, designadamente os mais distantes do litoral.
A fraca qualificação do emprego. O PS tem de ter o mais bem estruturado e ambicioso plano para qualificar o emprego em Portugal, articulando-o com o sistema educativo. O primeiro-ministro mencionou-o na sua mensagem de Natal, pelo que o PS deve transformar esse desígnio numa das principais tarefas do seu trabalho político: uma sociedade só pode funcionar de forma sã se os seus jovens tiverem a expectativa, fundada e razoável, de que o seu nível de vida futuro será melhor do que o dos seus pais. Portugal, sobretudo na comparação com os seus parceiros europeus, ainda tem muito a fazer nesta matéria.
Em resumo e para concluir: o PS tem de discutir, e de trabalhar muito, para continuar a navegar da melhor forma com o sucesso dos dois anos de governação que agora se cumpriram, governando para todos os portugueses como sempre defendeu Mário Soares.
Este é o tempo certo para fazer esta discussão. Daqui a um ano o país todo já estará provavelmente em pré-campanha eleitoral.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico