Donald Trump: e se o ignorássemos?
Chegámos inteiros ao primeiro ano da presidência do multimilionário. Mas apesar das suas derrotas na secretaria, é ele quem continua a ganhar na luta suja das redes sociais. Está na altura de mudar o jogo
O mundo está mais dividido do que há um ano. Se todos acham que o apocalipse não chegou com a criança Donald, basta abrir as redes sociais para perceber que ele não só conseguiu trazê-lo, como fez com que todos nós o ajudássemos nessa tarefa.
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O mundo está mais dividido do que há um ano. Se todos acham que o apocalipse não chegou com a criança Donald, basta abrir as redes sociais para perceber que ele não só conseguiu trazê-lo, como fez com que todos nós o ajudássemos nessa tarefa.
Não há meio termo, não há centro, só dois extremos que se querem derrotar. E nisto coloco os defensores da sua política (?) proteccionista dirigida para os americanos contra os que querem uns Estados Unidos abertos ao mundo. Os que defendem movimentos como o #metoo ou o "Time’s Up" e os que os condenam. Os que vêem a FOX News e os que vêem a CNN. Os politicamente correctos versus os incorrectamente políticos. Se alguém se atrever a manter um diálogo equilibrado com qualquer um dos lados, arrisca-se a ser linchado na praça "facebookiana". E esta raiva, este ruído, é fruto daquilo que Donald trouxe para o mundo: o fogo e a fúria das palavras. E tudo porque continuamos a apontar os holofotes a um ser que aparenta estar apto para o cargo.
Na semana passada, li um artigo na Vice cujo título aponta exatamente neste sentido: “Trump is Turning Us All into Him”. “Se quisesses ser ouvido no meio dos gritos, tinhas de gritar ainda mais alto, (...) na era de Trump há ainda menos espaço para uma verdadeira discussão”, conta o artigo. E aqui podemos tanto colocar supremacistas brancos, como supremacistas da democracia, jornalistas, escritores, actores de Hollywood ou até guionistas irrelevantes como eu — sim, confesso que perco tempo a insultar o "laranjinha" no Twitter (é catártico).
E, por isso, sabendo que ainda falta algum tempo até 2020, se a estratégia que definimos para o combater não está a resultar, eu venho propôr uma alternativa. Que tanto serve para europeus, como para americanos ou para outros povos de “países de merda”: vamos deixar de lhe prestar atenção. Todos os dias somos bombardeados com mais um tweet, com mais uma declaração (ou pior, decisão) do Donald e isso só nos causa mais transtorno — e mais distanciamento daqueles que o apoiam. Imaginem o que era agora, de repente, boicotar a sua presença, fazendo com que milhões de pessoas deixassem de o seguir no Twitter? Ou que pusessem em mute cada vez que ele fala? Ou que, à chegada de uma visita oficial, os representantes do país não aparecessem para o receber?
Sim, eu sei que os jornalistas devem continuar a reportar o que se passa na sua administração. Mas a minha sugestão também pode ajudar nesse sentido: deixavam de ir às conferências de imprensa na Casa Branca. Deixavam de lhe fazer perguntas cada vez que ele recebia uma visita de um ministro estrangeiro — ou só faziam perguntas ao ministro estrangeiro, o que acharem que o irritaria mais. Assim havia mais tempo para esclarecer as pessoas — e menos tempo a tentar ser pseudo heróis de uma demanda contra as fake news (só as vamos derrotar quando fizermos melhor jornalismo, disto já não tenho dúvidas).
E se estás a ler isto e a perguntar-te: “Mas isso não vai dividir ainda mais o mundo?”. A minha resposta é “não”. Com o tempo que vamos poupar em dar atenção ao Donald, poderemos combater os supremacistas brancos (que convenhamos que são poucos, logo não será difícil) e poderemos discutir calmamente com o redneck, com o operário americano ou com qualquer outra pessoa que acha que o Donald é uma pessoa, para ver se lhes metemos juízo na cabeça.
Eu sei que é uma proposta descabida, mas não vejo melhor altura para o fazer. Uma criança só se cala quando é ignorada. Trump é uma criança. Há eleições intercalares em 2018 e o jogo pode mudar a favor dos democratas — que também não é melhor notícia já que Oprah aparenta ser a melhor solução. Por isso, vamos deixar de lhe prestar atenção, voltar a restabelecer alguma paz social nas redes (e nas nossas cabeças) e começar a garantir que a mesma asneira não se volta a repetir. Se os pais proíbem as crianças de verem conteúdo para maiores de 18, eu sugiro “proibir” toda a gente de ver aquele conteúdo. E não é preciso ser a Supernanny para entender isto.