Morreu Naomi Parker Fraley, a mulher que inspirou o icónico cartaz “We Can Do It”
“Rosie” tornou-se um símbolo feminista. Inspirou gerações. Mas durante décadas ninguém soube quem ela era.
Olhar determinado, punho cerrado e manga da camisa arregaçada. A imagem da mulher da bandana vermelha com bolas brancas e do braço flectido ao alto, num gesto de força e coragem, tornou-se num dos mais famosos símbolos do movimento feminista. A mensagem “Nós conseguimos” (“We Can Do It”, no original em inglês) propôs-se a inspirar um grupo de trabalhadores numa fábrica dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e acabou por se tornar um símbolo maior de combate ao patriarcado, ao machismo e à ideia da mulher enquanto sexo frágil. A personagem que representou e inspirou mulheres em todo o mundo tinha uma protagonista. A mulher que ficou para a história como a “Rosie, a rebitadeira” chamava-se Naomi Parker Fraley e tinha 96 anos. Morreu este sábado.
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Olhar determinado, punho cerrado e manga da camisa arregaçada. A imagem da mulher da bandana vermelha com bolas brancas e do braço flectido ao alto, num gesto de força e coragem, tornou-se num dos mais famosos símbolos do movimento feminista. A mensagem “Nós conseguimos” (“We Can Do It”, no original em inglês) propôs-se a inspirar um grupo de trabalhadores numa fábrica dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e acabou por se tornar um símbolo maior de combate ao patriarcado, ao machismo e à ideia da mulher enquanto sexo frágil. A personagem que representou e inspirou mulheres em todo o mundo tinha uma protagonista. A mulher que ficou para a história como a “Rosie, a rebitadeira” chamava-se Naomi Parker Fraley e tinha 96 anos. Morreu este sábado.
O nome atrás da “Rosie”
Natural da cidade de Tulsa, no Oklahoma, Fraley nasceu a 26 de Agosto de 1921. Começou a trabalhar com 20 anos na Base Aeronaval de Alameda, o que a tornou numa das primeiras mulheres operárias norte-americanas a juntar-se ao esforço de guerra dos Estados Unidos e a adoptar um papel até à data representado pelos homens, assumindo funções em estaleiros e fábricas, e responsáveis pela produção de armas, munições e suprimentos. A transformação, consequência da diminuição de homens disponíveis para trabalhar em virtude do seu destacamento para o combate, marcou um período de viragem na sociedade norte-americana.
O fenómeno não era isolado. Durante essa época, muitos governos utilizaram cartazes de propaganda para estimular as mulheres ao trabalho voluntário nas fábricas. Criado em Fevereiro de 1943 pelo artista J. Howard Miller, o cartaz inspirou-se numa fotografia a preto-e-branco de um fotógrafo da United Press International. A imagem captava uma operária norte-americana em exercício de funções, com um fato-macaco, e de sapatos de tacão baixo, com uma bandana a proteger o cabelo.
Inicialmente, a imagem foi desenhada com o objectivo de se tornar um elemento de propaganda interna da empresa Westinghouse e não pretendia ser comparada a uma ferramenta de recrutamento, como a que foi utilizada no cartaz de James Flagg durante a Primeira Guerra Mundial, com o “Tio Sam” a apontar o dedo e, com um olhar assertivo a dar a ordem: “Eu quero-te no Exército dos EUA” (em inglês: “I Want You for U.S. Army"). Do mesmo modo, tão-pouco tinha pretensões de se tornar um símbolo feminista.
De acordo com os registos e testemunho da própria Naomi, o cartaz tinha uma vertente puramente pedagógico e motivacional, para levar as mulheres a adoptarem um vestuário seguro e a terem cuidados como a protecção do seu cabelo, evitando acidentes de trabalho, e também pretendia ser um incentivo para todos os operários trabalharem mais intensamente.
O renascimento
Esquecido durante décadas, foi nos anos 1980 que o cartaz foi recuperado num artigo sobre a colecção dos arquivos nacionais, intitulado Poster Art for Patriotism’s Sake, e que foi publicado na Washington Post Magazine, em 1982. Foi então que a imagem foi adoptada como um símbolo da força de trabalho feminina durante o esforço de guerra, tornando-se uma das representações mais usadas pela luta feminista. Foi só nesta altura que nasceu a personagem “Rosie, a rebitadeira”, que representou uma geração de mulheres e tornou a sua imagem num ícone.
A “Rosie” foi uma geração e todas quiseram ser Naomi
A verdadeira identidade de “Rosie” foi, durante décadas, ora um mistério ora falsamente atribuída. Em 2010, por exemplo, o New York Times noticiava a morte da norte-americana que teria alegadamente inspirado o cartaz. Geraldine Doyle foi erradamente identificada como a mulher representada no cartaz durante anos. No entanto, Doyle não só não era a mulher fotografada que inspirou o cartaz como apenas trabalhou na fábrica durante duas semanas, até descobrir que uma colega se tinha magoado nas mãos com um fixador mecânico. Como era violinista, receava um ferimento que a impedisse de tocar e acabou por se despedir, regressando à vida doméstica pouco tempo depois, contou ao jornal norte-americano a filha da mulher que durante anos adoptou a imagem da heroína feminista. Soube-se depois que, à data em que a fotografia foi captada na fábrica, em Março de 1942, Doyle ainda estava a estudar. Mas Geraldine Doyle não foi a única a usufruir da fama de “Rosie”. Escreve agora o New York Times que Fraley “era quem tinha o testemunho mais legítimo, mas a sua história acabou por ser eclipsada por outras mulheres, o que fez com que fosse ignorada durante mais de 70 anos”.
O erro foi reconhecido pela própria Naomi Parker Fraley, quando em 2009 foi com a sua irmã a uma convenção das operárias norte-americanas homenageadas pelo seu trabalho durante a Segunda Guerra Mundial. Foi então que Naomi Parker Fraley viu a sua fotografia no Memorial Rosie, no Museu Nacional de História em Richmond, na Califórnia, e percebeu que o retrato associado ao cartaz identificava Geraldine Doyle como a mulher fotografada. No regresso a casa, Naomi Parker Fraley e a sua irmã procuraram uma outra fotografia capturada no mesmo dia, pelo mesmo fotógrafo. Na altura, a fotografia foi capa em alguns jornais. Fraley tinha guardado um desses exemplares durante todos estes anos e enviou-o ao Museu Nacional de História para provar a sua identidade. A capa do jornal mostra Fraley, a sua irmã, Ada Wyn Loy, e uma terceira operária a caminharem lado a lado nas imediações da Base Aeronaval de Alameda e foi o início da luta pela recuperação da identidade da verdadeira “Rosie”, mas não é claro que resultados terá conseguido.
Mais ou menos pela mesma data, em 2010, e depois da morte de Doyle, o professor universitário James Kimble, da Seton Hall, decidiu dedicar-se a uma investigação para determinar se a identidade de “Rosie” dedicada nos obituários de Doyle tinha sido alguma vez verificada. Na sua investigação, que durou quase seis anos, acabou por se cruzar com uma das cópias da fotografia que acrescentava a data e localização do momento captado. Consigo, uma legenda: “Parece que o nariz da bonita Naomi Parker pode ser apanhado pelo torno mecânico enquanto está a trabalhar. As mulheres usam vestuário seguro e não roupas femininas. E as raparigas não se importam. Estão a fazer o seu trabalho. O glamour é secundário neste momento”.
Kimble tentou encontrar familiares de Fraley e foi quando a Sociedade Genealógica lhe disse que não podia fornecer informações de pessoas que ainda estivessem vivas. O investigador viajou até à casa de Fraley com um ramo de flores. “Ela ficou maravilhada por alguém querer ouvir a sua versão da história”, contou Kimble ao World-Herald.
Em 2016, a sua ligação ao cartaz tornou-se pública pela primeira vez. À revista People, Fraley explicava que não queria fama ou dinheiro, mas sim reclamar a sua própria identidade. Ao jornal World-Herald, no mesmo ano, quando lhe perguntaram como é que se sentia por ter sido reconhecida como a verdadeira Rosie, Fraley terá declarado “vitória” entre lágrimas.