Nicanor Parra (1914-2018), o poeta para quem “em poesia tudo é permitido”

O livro que fez dele um nome cimeiro das letras hispano-americanas, e um poeta universalmente reconhecido, foi Poemas y antipoemas, de 1954. Morreu esta terça-feira, aos 103 anos, em La Reina, no Chile.

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Nicanor Parra Javier Ignacio Acuña Ditzel

Nicanor Parra morreu esta terça-feira na localidade de La Reina, nas imediações de Santiago do Chile. O poeta chileno, de 103 anos, foi um nome determinante no universo da poesia moderna e contemporânea.

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Nicanor Parra morreu esta terça-feira na localidade de La Reina, nas imediações de Santiago do Chile. O poeta chileno, de 103 anos, foi um nome determinante no universo da poesia moderna e contemporânea.

Parra, que foi Prémio Cervantes em 2011 (galardoado ainda com o Prémio Juan Rulfo, em 1991, e com o Reina Sofía de Poesía Iberoamericana, em 2001), dizia, numa entrevista concedida, há alguns anos, ao espanhol El País: “Nunca fui autor de nada, porque sempre pesquei coisas que andavam no ar”.

O livro que fez dele um nome cimeiro das letras hispano-americanas, e um poeta universalmente reconhecido, foi Poemas y antipoemas, de 1954. A antipoesia caracterizava-se pela recusa do rebuscamento estilístico, da elevação retórica e solenidade de modos na escrita.

Parra descreveu-a como “a síntese dialéctica” entre o que chamou pedanteria e vulgaridade. “Durante meio século/ A poesia foi/ O paraíso do tolo solene./ Até que cheguei eu/E me instalei com a minha montanha-russa.// Subam, se vos apetecer./ Claro que eu não respondo se descerem/A jorrar sangue pelo nariz e pela boca.”(Acho que Vou Morrer de PoesiaAntologia Breve, Língua Morta, 2015, selecção e tradução de Miguel Filipe Mochila).

Nicanor Parra era o último dos grandes poetas chilenos de uma tradição de modernidade que incluiu nomes tão ilustres como os de Gabriela Mistral, Vicente Huidobro, Pablo de Rokha, Pablo Neruda, ou Gonzalo Rojas. Com uma obra vasta, que inclui, além da poesia, ensaio e entrevistas, o poeta publicou até ao fim. Ainda no ano passado foi editada uma vasta antologia da sua obra poética, com o irónico título El último apaga la luz (Lumen, 2017). Admirado em toda a América Latina, Nicanor Parra tinha no seu conterrâneo Roberto Bolaño um admirador indefectível, que a propósito dele escreveu: “Quem seja valente, que siga Parra.”

Nicanor Parra nasceu em 1914, no Sul do Chile, em San Fabián. Era irmão da compositora e artista Violeta Parra (1917-1967). Vivia na localidade costeira de Las Cruces, a mais de 100 quilómetros da capital chilena, mas veio a falecer bem perto de Santiago, em La Reina. Licenciou-se em Matemática e Física, tendo sido professor no ensino secundário e superior. “Considerem, rapazes,/ Esta língua roída pelo cancro:/ Sou professor de um liceu obscuro/Perdi a voz a dar aulas./ (Depois de tudo ou nada/ Faço quarenta horas semanais.) /Que vos parece a minha cara desfeita?/ É verdade que olhar-me causa pena!/ E que dizem deste nariz apodrecido/ Pela cal do giz degradante?" (Acho que Vou Morrer de PoesiaAntologia Breve, Língua Morta, 2015, selecção e tradução de Miguel Filipe Mochila).

Entre nós, Nicanor Parra foi traduzido por Jorge de Sena, em Poesia do Século XX (de Thomas Hardy a C. V. Cattaneo) (Editorial Inova, 1978). Está lá o poema Jovens onde aconselha : "Escrevam o que queiram./ No estilo que lhes pareça melhor./ Passou demasiado sangue sob as pontes/ para continuar-se a crer/que possa seguir-se um só caminho.//  Em poesia tudo é permitido.// Com a condição expressa/ é evidente/ de superar-se o papel em branco.//"

Muito mais recentemente, saiu a antologia Acho Que Vou Morrer de PoesiaAntologia Breve (Língua Morta, 2015, com selecção e tradução de Miguel Filipe Mochila).