Como ver a obra e o artista na era MeToo? Um filme de Jean-Claude Brisseau e um debate em Lisboa

O autor de Os Anjos Exterminadores foi condenado por assédio a duas actrizes em 2005 e protestos adiaram agora um ciclo na Cinemateca Francesa. A Rapariga de Parte Nenhuma passa no Nimas e Cíntia Gil e Vasco Câmara debatem.

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A Rapariga de Parte Nenhuma DR

Como lidar com o objecto artístico na era #MeToo é o tema de um debate precedido pela exibição de um filme de um cineasta maldito no cinema Nimas, em Lisboa, na próxima quarta-feira. A exibição do filme A Rapariga de Parte Nenhuma, de Jean-Claude Brisseau, condenado por assédio sexual a duas actrizes em 2002, vai servir de mote à conversa “A criação e o artista: como separar a obra do seu criador?” entre a directora do festival Doc Lisboa, Cíntia Gil, e Vasco Câmara, crítico de cinema e editor do Ípsilon, suplemento do PÚBLICO.

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Como lidar com o objecto artístico na era #MeToo é o tema de um debate precedido pela exibição de um filme de um cineasta maldito no cinema Nimas, em Lisboa, na próxima quarta-feira. A exibição do filme A Rapariga de Parte Nenhuma, de Jean-Claude Brisseau, condenado por assédio sexual a duas actrizes em 2002, vai servir de mote à conversa “A criação e o artista: como separar a obra do seu criador?” entre a directora do festival Doc Lisboa, Cíntia Gil, e Vasco Câmara, crítico de cinema e editor do Ípsilon, suplemento do PÚBLICO.

A sessão é promovida pela Medeia Filmes e será única – está agendada para as 19h30 de dia 24 de Janeiro e é organizada com o site de informação sobre cinema de autor À Pala de Walsh. A Rapariga de Parte Nenhuma, que data de 2012, é a mais recente longa-metragem do realizador estreada em Portugal, conhecido por Os Anjos Exterminadores (2006) mas também por Coisas Secretas (2002) ou Céline (1992), candidato ao Urso de Ouro no Festival de Berlim.

Brisseau é um dos nomes que mais surge em discussão quando se fala nas consequências de crimes cometidos pelos criadores de produtos culturais sobre a sua obra. Em 2005, foi acusado por duas actrizes de lhes ter proposto que filmassem cenas sexuais em troca de papéis em Coisas Secretas, tendo sido considerado culpado pela justiça francesa. Foi condenado a um ano de pena suspensa e ao pagamento de uma multa. Um ano mais tarde, uma outra actriz acusava Jean-Claude Brisseau de agressão sexual.

Em Novembro, na esteira do caso Harvey Weinstein e do emergente movimento #MeToo e do seu congénere francês #BalanceTonPorc, uma retrospectiva da obra de Roman Polanski na Cinemateca Francesa foi sitiada por manifestantes. O director da instituição, Frédéric Bonnaud, acusou os manifestantes feministas de “choque totalitário”, mas a instituição indicaria depois que a retrospectiva dedicada a Brisseau, prevista para este mês, estava adiada, o que, por seu turno, lhe mereceu críticas da Société des Réalisateurs francesa.

Há dias, Bonnaud anunciou que o ciclo dedicado a Brisseau se manterá, algures na temporada 2018-19 da Cinemateca Francesa. No dia 10, Brisseau estreou o seu mais recente filme, Que le diable nous emporte, no mercado francês.

O debate no cinema Nimas, moderado por Luís Mendonça, visa discutir “no espaço público”, como indica a organização em comunicado, como nos últimos tempos se tem “posto os objectos artísticos fora do jogo” – das manifestações contra os ciclos da Cinemateca Francesa à revisão da forma como são avaliadas obras de autores à luz da moral actual.

“Da justa luta contra a violência sexual”, lê-se na mesma nota, passou-se a uma “espécie de ‘onda de purificação’ censória que se cavalga e nos manipula, mesmo nos mais bem intencionados pretextos ou lutas”. Um dos mais recentes alvos deste novo olhar sobre a obra artística é Woody Allen, acusado há anos de abuso sexual pela filha adoptiva, que no ambiente #MeToo deu a sua primeira entrevista televisiva e desencadeou a promessa de vários actores de não voltarem a trabalhar com o cineasta que sempre negou ter abusado sexualmente de Dylan, algo que chegou a ser investigado pelas autoridades, sem dar azo à formulação de uma acusação.

O filme A Rapariga de Parte Nenhuma, protagonizado pelo próprio Brisseau e por Virginie Legeay, passou já em Julho do ano passado na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, no âmbito do ciclo "Fantasmas ao nosso encontro", e o cineasta será alvo de uma retrospectiva na mesma instituição no futuro. “Quando chegar a altura faremos o ciclo sem qualquer hesitação”, dizia ao Ípsilon o director da Cinemateca, José Manuel Costa, em Dezembro.

A exibidora Medeia Filmes pertence ao produtor e distribuidor Paulo Branco, que também em Novembro último manteve em sala um filme que a América rejeitou – I Love You, Daddy, o primeiro filme realizado pelo comediante Louis C.K., que em Novembro foi acusado de se masturbar em frente a várias mulheres, entre as quais colegas de trabalho, numa investigação do New York Times. O crime fora cometido ao longo dos anos e CK admitiu-o em comunicado, tendo a Orchard Films desistido de estrear, dias depois, o filme com Chloe Grace Moretz. Em Portugal estreou-se no Lisbon & Sintra Film Festival, organizado por Paulo Branco, e teve estreia comercial no dia 30 de Novembro. Segundo dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual, foi mostrado em 35 sessões e teve 321 espectadores.