Carlos Alexandre e Cândida Almeida intimados a testemunhar em tribunal

Julgamento da Operação Fizz começa esta segunda-feira sem o principal suspeito, o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente. Rosário Teixeira e Proença de Carvalho também por lá passarão.

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Carlos Alexandre NUNO FERREIRA SANTOS

O juiz Carlos Alexandre e a procuradora Cândida Almeida, que esteve vários anos à frente do departamento do Ministério Público que combate a criminalidade mais complexa, são duas das figuras da justiça portuguesa intimadas para testemunhar em tribunal no julgamento da Operação Fizz.

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O juiz Carlos Alexandre e a procuradora Cândida Almeida, que esteve vários anos à frente do departamento do Ministério Público que combate a criminalidade mais complexa, são duas das figuras da justiça portuguesa intimadas para testemunhar em tribunal no julgamento da Operação Fizz.

O julgamento começa já esta segunda-feira sem a presença do seu principal suspeito, o antigo governante angolano Manuel Vicente, que as autoridades angolanas se recusam a notificar por entenderem que goza de imunidade. O depoimento da hoje magistrada do Supremo Tribunal de Justiça está agendado já para quarta-feira, e o do juiz mais famoso do país para a segunda-feira seguinte.

Pelo Campus da Justiça, em Lisboa, passarão ainda outros protagonistas dos corredores da justiça, como o sucessor de Cândida Almeida no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Rosário Teixeira, e o advogado Proença de Carvalho. Também jurista de profissão, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi também chamado a depor por escrito, prerrogativa que se estenderá, igualmente pelas funções que exerce, ao procurador-geral da República de Angola.

Mas o que tem esta gente toda a ver com um processo judicial destinado a apurar se o ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente, pagou dinheiro a um procurador do DCIAP, Orlando Figueira, para que este arquivasse processos em que este era suspeito de branqueamento de capitais? Se no caso trabalhou ou trabalha naquele departamento do Ministério Público a resposta é mais ou menos óbvia, o mesmo não sucede com os restantes protagonistas.

Emprestou dinheiro ao juiz

Sucede que Orlando Figueira foi, durante duas décadas e meia, visita frequente da casa de Carlos Alexandre, de quem era amigo. E foi a ele que recorreu quando precisou de dez mil euros para continuar as obras de uma casa que estava a construir em 2015 na sua terra natal, Mação. Havia pedido um empréstimo à Caixa Agrícola, mas como o dinheiro tardava em chegar e via que o amigo, que entretanto tinha saído do DCIAP e começara a trabalhar para o BCP, estava bem na vida acabou por aproveitar a sua disponibilidade para o ajudar.

Só em Março de 2016 lhe devolveria o dinheiro, já o procurador era arguido. Não é a primeira vez que o juiz responde sobre o episódio: quando a Operação Fizz estava na fase de inquérito o magistrado foi interrogado no DCIAP pelas procuradoras que investigaram o seu ex-colega Orlando Figueira. E disse que aquele era o único amigo que frequentava a sua casa. Foi também este amigo quem em 2011, entregou o currículo de um filho de Carlos Alexandre, que andava à procura de emprego, na Sonangol, a petrolífera angolana.

Para os juízes que irão decidir se o procurador foi ou não corrompido pelo alto dirigente angolano, hoje deputado em Luanda, é essencial perceber as relações do arguido com Manuel Vicente. É que este nega conhecê-lo ou ter algum dia falado com ele. Até ao início de 2012, altura em que foi para o Governo, Manuel Vicente era presidente do conselho de administração da Sonangol. De resto, quando o amigo saiu da magistratura, em 2011, Carlos Alexandre lembra-se de o ouvir dizer que ia trabalhar para uma firma ligada à petrolífera angolana. Segundo contou quando foi inquirido no DCIAP, o procurador tornara-se entretanto uma pessoa diferente: parecia deslumbrado com a ostentação que tinha visto numa visita a Angola, quando ainda trabalhava para o Ministério Público.

Muito embora tenha começado por negar todos os crimes de que é acusado, Orlando Figueira admitiu, recentemente, ter praticado fuga ao fisco e branqueamento de capitais, ao ter aberto uma conta bancária em Andorra para receber pagamentos da Primagest que diz serem a retribuição de serviços de consultoria que prestava à empresa - mas que o Ministério Público assegura serem luvas de Manuel Vicente.

“Esquemas mirabolantes”

O ex-procurador não se limita, porém, a incriminar-se: acusa o banqueiro angolano Carlos Silva, seu patrão na Primagest e um dos donos do BCP, de lhe ter proposto aquilo que designa por “esquemas mirabolantes” de pagamentos para fugir aos impostos e de ter sido o advogado Proença de Carvalho quem intermediou alguns dos seus contactos com ele. Numa dessas reuniões, supostamente ocorrida na Primavera de 2015, terá comprado o seu silêncio sobre as suas relações com o banqueiro Carlos Silva – que não é arguido neste caso – com uma promessa de pagamento de 210 mil dólares. “Aquela quantia seria pagável até Maio de 2016 e frisou a palavra ‘até’ piscando-me o olho”, relatou Orlando Figueira. Preso em Fevereiro de 2016, o antigo magistrado diz ter ligado de imediato ao advogado, que terá declinado o seu pedido para o defender, para não aparecer “na ribalta”.

Proença, que já veio negar esta versão dos factos, terá um dia destes de se explicar também em tribunal, na qualidade de testemunha. Já Cândida Almeida liderava o DCIAP numa altura em que as relações da justiça portuguesa com a angolana viviam uma fase de lua-de-mel.

Aquele departamento investigou vários casos em que o Estado angolano se queixava de ter sido burlado por particulares, tendo os poderes de Luanda ficado satisfeitos com o seu desfecho. Muitos destes processos estavam a cargo de Orlando Figueira, que foi também encarregue de verificar a origem dos 3,8 milhões de euros com que Manuel Vicente comprou um apartamento de luxo no Estoril. Alegadamente com a concordância de Cândida Almeida, tratou o caso com especial celeridade, pelo facto de Manuel Vicente estar prestes a tornar-se vice-presidente de Angola, e acabou por o arquivar, retirando do processo os documentos comprovativos da origem lícita do dinheiro e devolvendo-os ao suspeito. Objectivo declarado: proteger o futuro governante angolano do “voyeurismo” dos jornalistas que fossem consultar o inquérito depois de arquivado.