“Mestre das negociações” cumpre um ano de Casa Branca em “shutdown”
Democratas e republicanos passaram o dia a planear os próximos passos. As ordens são ficar por perto, enquanto se procuram soluções alternativas que permitam levantar a paralisação do Governo assim que haja acordo.
Era uma possibilidade forte e a data era bem conhecida. Apesar disso, as descrições que chegam de Washington indicam que o dia de sexta-feira começou “sem urgência”, com alguns dos principais conselheiros do Presidente Donald Trump mais ocupados em falar à imprensa do que preocupados em fazer política e conseguir um acordo que evitasse a paralisação do Governo.
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Era uma possibilidade forte e a data era bem conhecida. Apesar disso, as descrições que chegam de Washington indicam que o dia de sexta-feira começou “sem urgência”, com alguns dos principais conselheiros do Presidente Donald Trump mais ocupados em falar à imprensa do que preocupados em fazer política e conseguir um acordo que evitasse a paralisação do Governo.
A impressão, escrevem os jornalistas da revista Time, é que “apesar da sua previsibilidade, este não era o fim que a Casa Branca tinha antecipado”. Passava da meia-noite e ainda a maioria dos senadores estava dentro do Capitólio. O Governo entrara oficialmente em “shutdown”, algo que não acontecia desde 2013, com Barack Obama, e inédito num contexto em que o partido do Presidente tem maioria nas duas câmaras do Congresso.
“Não é fácil convencer-nos quando [Mitch] McConnell nem sequer tem 50 votos” republicanos, notou um conselheiro dos democratas. “E Trump continua a ser o obstáculo a um acordo bipartidário que poderia resolver tudo isto”, cita a Time.
Trump em suspenso, com um helicóptero à espera para o levar ao seu clube de Mar-a-Lago, em Palm Beach, onde estava marcada uma gala a assinalar o primeiro aniversário da sua tomada de posse (com bilhetes a partir de 100 mil dólares por casal, segundo o Washington Post). A festa aconteceu, o convidado de honra é que nunca chegou.
Era meia-noite e Trump continuava na Casa Branca, onde durante o dia recebera durante 90 minutos o líder da minoria no Senado, Chuck E. Schumer para, segundo o democrata, voltar a recusar um acordo que resolveria tudo, protegendo os “dreamers” e financiando o muro junto à fronteira com o México, contra o qual o partido da oposição esteve sempre. “É quase como se [Trump] estivesse a torcer por uma paralisação”, disse depois no Senado Schumer. Certo é que o resultado foi esse: às 24h, a Administração dos Estados Unidos ficou sem orçamento para assegurar o seu normal funcionamento.
Jogo da culpa
Sábado de manhã, quando a Câmara dos Representes voltou a estar em sessão, horas antes de uma prevista reunião do Senado, continuava o jogo da culpa. Os democratas “deixaram refém o financiamento do Governo”, acusava a republicana Virginia Foxx. “É o confronto de Trump e o caos continua”, retorquia o colega democrata Steny Hoyer.
É verdade que nem todos os republicanos votaram favoravelmente a proposta de Orçamento que teria impedido a paralisação; como é verdade que nem todos os democratas votaram contra. Afinal, a meses das intercalares de Novembro em Washington já se vive em período pré-eleitoral.
Quatro senadores democratas dos dez que vão a votos em estados onde Trump ganhou votaram com os republicanos, enquanto quatro republicanos se puseram ao lado dos democratas. Um quinto, McConnell, também votou “não”, mas só para facilitar que outra proposta possa ser votada. A votação ficou em 50-49, longe dos 60 senadores necessários numa câmara de 100 membros.
Nos últimos dias, para além de Trump ter vetado dois rascunhos de acordo negociados entre as lideranças partidárias, os republicanos ofereceram seis anos de financiamento para o Programa Público de Seguro Pediátrico, que assegura os cuidados de saúde a crianças sem meios. A ideia era pôr atirar para a mesa algo que os democratas não pudessem recusar por ficarem malvistos. Mas a questão era maior: o que os democratas não podiam aceitar era que o DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals), programa a que Trump pôs fim em Setembro, não ficasse inscrito no orçamento para 2018.
É que, ao contrário do que pode parecer, há mesmo urgência, não só em assegurar o financiamento do Governo como em proteger as quase 800 mil pessoas que chegaram de forma ilegal aos EUA quando eram crianças. Algumas passaram os últimos pelo Capitólio, tentando mostrar-se a congressistas republicanos e obrigando os democratas a não ousarem esquecer-se delas. É que apesar de Trump ter dado até Março ao Congresso para encontrar uma solução que substitua o programa, há quem veja os seus documentos obtidos através do DACA expirar todos os dias, ficando assim sem protecção para prosseguir com a sua vida.
Na quinta-feira, o senador do Illinois Dick Durbin, democrata que quer conceder estatuto legal a estes jovens, implorou aos seus colegas que não ignorassem o destino dos 122 “dreamers” que se estima estejam a perder as protecções garantidas pelo DACA a cada dia.
Ilegais e legais
Pouco depois da meia-noite, um comunicado da Casa Branca indicava o que vários republicanos e a Administração passariam o sábado a repetir: “Não vamos negociar o estatuto de imigrantes ilegais enquanto os democratas mantêm reféns os nossos cidadãos legais com exigências irresponsáveis”. Estes “imigrantes ilegais” são os mesmos a que Trump fez juras de amor, quando percebeu que a decisão de pôr fim ao DACA enfrenta oposição de ambos os partidos. “Nós amamos os ‘dreamers’”, proclamou então.
As duas câmaras do Congresso deverão manter-se reunidas todo o fim-de-semana, para tentar evitar que o “shutdown” se prolongue até segunda-feira, altura em que os seus efeitos se farão notar em toda dimensão. Em 2013, ficaram em desemprego técnico 850 mil funcionários públicos, passando 16 dias em casa sem receber (receberam depois com retroactivos). É o que acontece com todo o pessoal considerado “não essencial”. Para além dos militares, do FBI e de outras agências, a maioria das operações quotidianas do Governo federal serão interrompidas ou perturbadas.
Para já, a Estátua da Liberdade e outros monumentos, como o Sino da Liberdade, em Filadélfia, encerram ao público.
Se os democratas mantiveram a sua exigência de incluir os “dreamers” no orçamento, será difícil resolver este impasse. Isto porque os republicanos insistem que não haverá negociações sobre imigração durante a paralisação, uma forma de pintar os democratas como defensores da “imigração ilegal”, mais preocupados “com os ilegais do que com a segurança da fronteira” ou dispostos “a pôr a política à frente das crianças vulneráveis”.
Pouco, muito pouco, para um ano de liderança do homem que convenceu parte da América a elegê-lo para “limpar” ou “pôr Washington a funcionar”. Como: negociando, fazendo acordos. “Vou fazer acordos óptimos”, “O que eu faço é negociar, chegar a acordo”, “Toda a gente quer que eu negoceie, é assim que eu sou conhecido, como negociador”, são apenas algumas que elogiou esta sua capacidade e prometeu “acordos estupendos para os EUA, para o povo”.