Esquerda une-se para denunciar a “fraude” que seria uma eleição sem Lula
Tribunal pode confirmar condenação de ex-Presidente. Afastada durante muito tempo, a esquerda brasileira parece ter encontrado uma causa para se reaproximar do PT.
É na eventual condenação do ex-Presidente Lula da Silva que a esquerda brasileira encontrou espaço para unir esforços, contra aquilo que dizem ser a “judicialização da política” nacional. Até dia 24, o Brasil suspende a respiração enquanto não é revelado o destino de Lula. Depois disso, tudo é mais incerto.
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É na eventual condenação do ex-Presidente Lula da Silva que a esquerda brasileira encontrou espaço para unir esforços, contra aquilo que dizem ser a “judicialização da política” nacional. Até dia 24, o Brasil suspende a respiração enquanto não é revelado o destino de Lula. Depois disso, tudo é mais incerto.
“O ciclo político actual do Brasil será determinado” pela decisão dos três juízes do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região de Porto Alegre, que na quarta-feira se vão pronunciar sobre o caso em que o ex-Presidente é acusado de ter recebido um suborno no âmbito das investigações da Operação Lava-Jato. Quem o afirmou foi o antigo ministro Tarso Genro durante uma sessão pública em Lisboa esta semana.
Ao seu lado estava a candidata às eleições presidenciais pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Manoela D’Ávila, para reforçar o sentimento de solidariedade que envolve a esquerda brasileira em torno de Lula. “Qual é o sentido de o Presidente mais popular da História, que lidera as sondagens, ficar de fora das próximas eleições?”, questiona a deputada estadual do Rio Grande do Sul.
O tribunal de segunda instância vai decidir se confirma ou anula a condenação a nove anos e meio de prisão emitida no Verão do ano passado pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela investigação da Lava-Jato. Uma nova condenação inviabiliza a recandidatura de Lula, que lidera as intenções de voto com larga vantagem, de acordo com as sondagens mais recentes do Ibope. Em causa está a acusação de que Lula terá recebido cerca de 2,2 milhões de reais (quase 600 mil euros) de uma construtora para pagar obras num apartamento de luxo em Guarujá (São Paulo).
A defesa defendeu sempre que a propriedade não pertence ao ex-Presidente e esta semana fez chegar ao tribunal documentos que mostram que o apartamento foi penhorado para pagar dívidas da construtora e, portanto, não pertencia a Lula.
Mas mais do que uma questão jurídica, é na política que o destino de Lula – e do Brasil – se joga. Até porque a sucessão de casos de corrupção a envolver dirigentes políticos nos últimos anos tornou as fronteiras entre os dois campos pouco claras. Genro e Ávila concordam no diagnóstico: o Brasil vive hoje uma “judicialização da política”. “Os juízes de primeira instância participam no debate político, mostram um posicionamento”, observa o ex-ministro da Educação.
As acusações contra Lula, e o provável impedimento de se recandidatar, inserem-se numa ofensiva da direita e do sector financeiro, com apoio dos principais órgãos de comunicação, para liquidar as políticas sociais aplicadas nos últimos anos pelo Partido dos Trabalhadores. E é segundo esta lógica que a esquerda brasileira encontrou margem para se aproximar. Apesar de a generalidade dos partidos perfilar candidatos para as eleições presidenciais de Outubro, todos concordam que “eleição sem Lula é fraude” – o lema de uma série de manifestações de apoio ao ex-Presidente marcadas para os próximos dias e de um manifesto promovido por centenas de intelectuais e políticos brasileiros que já reuniu mais de cem mil subscritores. E é também uma frase do próprio Lula, que numa entrevista esta sexta-feira ao jornal espanhol El País diz que, sem ele, as presidenciais serão uma "fraude".
“A disputa em torno do julgamento de Lula uniu a esquerda pela primeira vez em muito tempo”, admite Tarso Genro, que garante que “esta frente vai ser muito importante no futuro”. E a candidata do PCdoB concorda: “Até às eleições, o que vai orientar a esquerda é o destino de Lula.” Mas em todo o discurso paira uma questão para a qual ninguém parece dar uma resposta satisfatória – e depois?
Genro diz ser necessário uma “regeneração” promovida por esta frente de esquerda que deve ter “um programa de democracia avançada”.
Nesta fase é impossível passar ao lado de uma autocrítica ao papel do PT, a que Genro não se furta. “O PT não tem capacidade para ser hegemónico”, afirma o ex-ministro, acrescentando que a experiência dos anos de Lula, em que diz ter havido uma “conciliação entre o capital e os avanços sociais”, é “irrepetível”.