Clubes arriscam cada vez mais cedo para antecipar o futuro
O Benfica está em vias de fechar mais uma venda milionária de uma das jóias da formação, seguindo a tendência do mercado. É tudo uma questão de avaliar os riscos, as oportunidades e a maturidade dos jogadores.
O investimento em jogadores cada vez mais jovens, por valores estratosféricos, assume-se como um fenómeno com tendência para conquistar rapidamente terreno no futebol europeu. Na óptica dos clubes compradores, trata-se de um caminho de correcção do desvio provocado por décadas sustentadas na ditadura dos resultados e agora acelerado pelo endurecimento do fair-play financeiro. Na perspectiva de quem compra, transferências como a de Úmaro Embaló, do Benfica para o RB Leipzig, enquadram-se numa visão mais abrangente, em que a margem para tolerar o risco da aposta no talento puro pode transformar-se num ponto de equilíbrio.
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O investimento em jogadores cada vez mais jovens, por valores estratosféricos, assume-se como um fenómeno com tendência para conquistar rapidamente terreno no futebol europeu. Na óptica dos clubes compradores, trata-se de um caminho de correcção do desvio provocado por décadas sustentadas na ditadura dos resultados e agora acelerado pelo endurecimento do fair-play financeiro. Na perspectiva de quem compra, transferências como a de Úmaro Embaló, do Benfica para o RB Leipzig, enquadram-se numa visão mais abrangente, em que a margem para tolerar o risco da aposta no talento puro pode transformar-se num ponto de equilíbrio.
A inflação furiosa dos mercados de transferências e as cláusulas cada vez mais exorbitantes estão na base desta escalada. Uma nova ordem a que nem os treinadores mais cépticos, como Jurgen Klopp, estão imunes, como se infere da recente contratação do central holandês Virgil van Dijk, pelo Liverpool, por 85 milhões de euros, depois da posição assumida pelo treinador alemão face à transferência de Paul Pogba para o Manchester United.
Uma realidade que clubes como o RB Leipzig tentam desconstruir à custa de um investimento com maior ênfase nas bases, pilares do futuro futebolístico. Embaló, extremo que chegou ao Benfica em 2015 e se notabilizou como um desequilibrador e um goleador (55 golos neste período), encaixa neste perfil. Com 16 anos e oito meses, o internacional português sub-17 deverá mudar-se para a Alemanha a troco de uma verba que rondará os 18 a 20 milhões de euros, um recorde absoluto para um jogador tão jovem em Portugal.
Um risco para o clube e para o atleta? Futebol é sinónimo de risco. Detectar precocemente o talento, mesmo pagando verbas que ainda são considerada proibitivas, pode ser, apesar de tudo, a salvação da alma deste negócio.
“Tudo depende da política assumida pelos clubes. Pagar 15 ou 20 milhões por um jogador de 16 anos pode ser bem mais seguro ou representar um risco inferior a uma transferência de 100 milhões por um futebolista de 28 anos. Feitas as contas, até pode revelar-se uma pechincha. E é esse o caminho que os clubes terão de seguir”, sustenta Bebiano Gomes, antigo futebolista e representante da Catiosport, empresa que agencia Úmaro Embaló.
Nome umbilicalmente ligado ao Benfica, com responsabilidades ainda frescas na formação das “águias”, na academia do Seixal, Nuno Gomes compreende este fenómeno à luz de uma intensificação dos emblemas na prospecção, cada vez mais profissional e rigorosa.
“Essa análise permite antecipar as apostas. Porém, cada caso é um caso. Embora se assista com maior frequência a transferências de jovens com 16 anos, não há muitos com maturidade para competir ao mais alto nível, muitas vezes noutros países. Pode estar a tornar-se cada vez mais precoce, mas não é inédito. O Hugo Leal estreou-se com 16 anos no Benfica...”, anota o antigo internacional português, em declarações ao PÚBLICO. “Estas propostas tornam-se difíceis de recusar. Os clubes europeus tentam antecipar-se e contratar cada vez mais cedo. Mas é sempre uma estratégia arriscada”, acrescenta.
Contexto e oportunidade
Nos últimos anos, o Benfica tem sofrido na pele essa intensificação da procura externa junto dos escalões de formação. Foi à luz dessa tendência que vendeu Bernardo Silva, João Cancelo ou Hélder Costa antes mesmo de terem tido uma real oportunidade de afirmar-se na equipa principal. Este trio renderia aos cofres do clube cerca de 47 milhões de euros.
“As variáveis são tantas que tudo parece altamente falível. A linha entre a promessa e o fracasso é ínfima. A adaptação, as dinâmicas de equipa, as lesões, os treinadores, a concorrência dentro do próprio grupo são factores não raras vezes difíceis de prever e controlar. Mas quando existe uma política concreta, coerente, sólida, capaz de resistir aos resultados, faz mais sentido lançar jovens do que contratar um futebolista de 24 ou 25 anos, até porque aos 28 já é considerado velho”, vinca Bebiano Gomes, a respeito desta triagem.
A grande questão parece, pois, passar por definir exactamente qual o momento ideal para negociar, o que para os clubes portugueses, mesmo para os de topo, traduz a alienação de um activo com elevado potencial a troco de verbas rapidamente absorvidas por uma máquina sedenta de liquidez.
“O RB Leipzig parece ter traçado um plano para construir uma equipa jovem, um investimento a médio/longo prazo. Algo que requer um trabalho profundo no campo da prospecção. Cada jogador tem que ser analisado e enquadrado de acordo com as necessidades específicas da equipa. Se o talento estiver lá, não faz sentido adiar a aposta”, insiste o representante da Catiosport. “Até porque o problema coloca-se, infalivelmente, quando uma equipa possui um avançado como o Jonas, que não deixa grande margem para a afirmação de alguém menos experiente para a mesma posição. Nesse caso, se surgir uma boa oportunidade, é preferível negociar. Até porque não há garantias de qualquer espécie dali a um ano ou dois.”
Por outras palavras, e pegando num exemplo, nunca ninguém saberá o que teria acontecido se o Benfica tivesse conservado Renato Sanches em vez de vender o passe ao Bayern Munique. Até porque a quebra de influência do jovem campeão europeu pode estar relacionada com a adaptação a um país, cultura e estilo de jogo diferentes. Num contexto de enorme concorrência interna. Da mesma forma que alguns jogadores “feitos” não se adaptam ao nosso futebol.
Esta tendência poderá levar muitos agentes a encetar uma corrida desenfreada em busca de um filão inesgotável, apressando um processo que se encontra em andamento cada vez mais acelerado. A multiplicação de academias no continente africano, onde abunda “matéria-prima”, espelha bem a preocupação de quem pretende controlar todo o processo para poder maximizá-lo.
“Talento não falta, mas está em bruto. São jogadores de rua, com algumas noções tácticas, mas que precisam de evoluir nesse campo. As academias são o passo natural antes da chegada ao futebol europeu, sobretudo para filtrar não só a capacidade futebolística como aspectos por vezes mais determinantes. Depois, é mais uma vez a mentalidade e o rigor a decidir”, declara Bebiano Gomes, que também intermediou a venda de Bruma, então com 18 anos, para o Galatasaray, em 2013.