Portugueses continuam a não largar o carro
Relatório do Estado do Ambiente apresentado nesta quinta-feira mostra que a tendência dos últimos 10 anos é esta: 90% dos que se deslocam usam veículo individual. Em 2016 produziram-se mais resíduos urbanos. E isso tem a ver com a recuperação económica, analisa a Zero.
Numa década, nenhuma política conseguiu diminuir a percentagem de portugueses que se desloca de carro, um valor que se manteve estável entre 2005 e 2015. À semelhança de anos anteriores, em 2015 o transporte de passageiros ocorreu maioritariamente através de veículo individual, atingindo os 89,4%. A média da União Europeia é de 83,1%.
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Numa década, nenhuma política conseguiu diminuir a percentagem de portugueses que se desloca de carro, um valor que se manteve estável entre 2005 e 2015. À semelhança de anos anteriores, em 2015 o transporte de passageiros ocorreu maioritariamente através de veículo individual, atingindo os 89,4%. A média da União Europeia é de 83,1%.
A análise é feita a partir do Relatório Estado do Ambiente 2017 (REA), apresentado esta quinta-feira pelo Ministério do Ambiente.
O dado não é novo, mas reforça uma tendência negativa para Portugal, que tem como meta tornar-se neutro em carbono em 2050, e mostra que “não estamos preparados para responder a esse desafio”, diz Susana Fonseca, membro da direcção da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.
No relatório lê-se que o parque de veículos ligeiros de passageiros atingiu os 4,8 milhões, mais 2,1% do que no ano anterior, o que corresponde à maior taxa de motorização dos últimos quatro anos. Contudo, embora em percentagens baixas, a utilização do transporte público de passageiros aumentou: mais 5,3% no metropolitano, 2,7% no comboio e 2,2% na via fluvial. “Temos que conseguir que muito mais pessoas se movimentem de transportes públicos”, afirma Susana Fonseca.
Mais resíduos
Neste documento, que anualmente traça a fotografia do ambiente em Portugal, fica ainda claro que o consumo de materiais e de energia e de produção de resíduos teve uma redução durante os anos da crise e isso “parecia indicar ganhos ambientais”. Afinal, essas mudanças não se devem a alterações estruturais, foram conjunturais, acredita Susana Fonseca. Isto porque continuamos a produzir mais resíduos urbanos, e a subida que vem acontecendo desde 2013 é uma consequência natural do aumento do consumo interno. De 452 quilos por habitante, anuais, passámos para 472 quilos em 2016, ou seja, um total de 4,64 milhões de toneladas, mais 2,6% do que em 2015.
Em relação o consumo interno de materiais (CIM) houve diminuição, mas ainda estamos acima da média europeia. Continuamos a produzir poucas matérias-primas e energia. “Temos pouca eficiência energética nomeadamente na área da climatização doméstica, ou seja, somos mais gastadores do que a média europeia”, analisa, por outro lado, a vice-presidente da Zero, Carla Graça. Em 2016, o CIM terá atingido os 161,1 milhões de toneladas, menos 1,3% face a 2015, ou seja, 15,58 toneladas por habitante quando a média da União Europeia é de 13,02 toneladas.
Outra constatação é que, se em 2016 a energia renovável na electricidade foi de 62%, resultado da aposta na eólica e hídrica, já no consumo final bruto fica-se nos 28% (este valor é de 2015). Por causa da seca, o recurso a energia hídrica foi mais baixo em 2017, mas estes dados não estão ainda disponíveis.
Susana Fonseca acrescenta que, em relação à qualidade do ar, “é importante perceber a eficiência da rede de monotorização, que está a ser pensada pelo Governo”.
O relatório mostra ainda os valores conhecidos das áreas ardidas pelos incêndios em 2017. Se em 2016 foram 160.490 hectares, em 2017 atingiu-se os 456.209, representando o quádruplo da média dos últimos 10 anos, contextualizou o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta. Na apresentação, o secretário de Estado do Ambiente Carlos Martins anunciou que o Governo está a preparar cinco planos de contingência para a seca. A seca e os incêndios tiveram um reflexo nas emissões de dióxido de carbono, que terão aumentado, acrescentou ainda. Nuno Lacasta sublinhou que em 2016 se atingiram 69 milhões de toneladas de dióxido de carbono, uma descida relativamente a anos anteriores, mas "em 2017, devido à seca e aos fogos florestais, os números vão elevar-se para próximo dos de 2005", devendo atingir "cerca de 80 milhões de toneladas".
A Zero aponta algumas falhas no relatório apresentado nesta quinta-feira: a falta de “qualidade” de alguns dos dados e a ausência de actualidade, pois há vários indicadores provisórios e variáveis que dizem respeito a anos diferentes. Recentemente, a associação acusou mesmo o Governo de manipular dados sobre a reciclagem, quando declarou como recicladas quase 270 mil toneladas que foram para aterros, tendo solicitado ao Ministério do Ambiente que os corrija no relatório. Mas o secretário de Estado, na apresentação, respondeu indirectamente: "Não contem comigo para fazer manipulação de dados mas não contem comigo para ser complacente com quem não sabe ler os cálculos." Carlos Martins reconheceu que há outras formas de calcular mas até haver alterações “respeitamos as regras do jogo”.