"Ainda temos pouco" para combater as formas mais agressivas da doença

A última geração de medicamentos para travar o desenvolvimento da esclerose múltipla "introduziu uma estratégia diferente, a reconstrução do sistema imune”, diz o neurologista Carlos Capela. E um deles é uma “esperança” para uma das formas progressivas da doença. Há quatro fármacos em avaliação no Infarmed.

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A esclerose múltipla não tem cura nem origem conhecidas, mas os últimos cinco anos conheceram aquilo que o neurologista Carlos Capela chama de “boom de inovação” nos fármacos que abrandam o desenvolvimento inflamatório da doença. Estes destinam-se a quem sofre surtos e a sua consequente remissão, a grande maioria dos doentes. Mas para as formas progressivas da doença, que afectam perto de 20% dos diagnosticados, nos quais a perda de capacidades é veloz, não há ainda medicação específica.

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A esclerose múltipla não tem cura nem origem conhecidas, mas os últimos cinco anos conheceram aquilo que o neurologista Carlos Capela chama de “boom de inovação” nos fármacos que abrandam o desenvolvimento inflamatório da doença. Estes destinam-se a quem sofre surtos e a sua consequente remissão, a grande maioria dos doentes. Mas para as formas progressivas da doença, que afectam perto de 20% dos diagnosticados, nos quais a perda de capacidades é veloz, não há ainda medicação específica.

Diz-se que a doença é auto-imune, uma vez que o sistema imunitário ataca a mielina existente no sistema nervoso central. Quando o corpo se vira para o próprio corpo, como se controla? Por fases. No controlo do surto (geralmente corticóides), na progressão da doença e nos sintomas propriamente ditos.

Quando se fala de “mudar a história natural da doença”, existem as terapêuticas com interferões beta, proteínas que reduzem o risco de ocorrência de surtos, e com acetato de glatirâmero, que modela o sistema imune para este “pensar” que as proteínas da mielina, que são alvo de ataque, são de facto “amigas”, reduzindo os surtos. Existem ainda os fármacos imunossupressores, que suprimem artificialmente o sistema imune (como fingolimod, natalizumab, fumarato de dimetilo, teriflunomida).

“A última geração de medicamentos introduziu uma estratégia diferente, a reconstrução do sistema imune”, explica Capela, neurologista do Hospital dos Capuchos, com quem o PÚBLICO falou em Outubro, à margem do Comité Europeu de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla (ECTRIMS, na sigla em inglês). São indutores: destroem o sistema imune e, quando este volta a ser “povoado”, as novas células são menos reactivas, atacam menos. Primeiro surgiram as terapêuticas não selectivas. Mas, este ano, devem estar disponíveis em Portugal terapêuticas que actuam apenas sobre um tipo de células do sistema imunitário adaptativo, nos linfócitos B, como é o exemplo da cladribina e ocrelizumab.

Este último é, para João Cerqueira, presidente do Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla e neurologista no Hospital de Braga, uma “esperança” para uma das formas progressivas da doença. “À espera de ser aprovado, pode ser o primeiro fármaco com indicação para a primária progressiva [tipo de esclerose múltipla sem surto, que resulta numa perda gradual das funções do corpo ao longo dos anos]”, repara.

Estamos a falar das formas progressivas - não inflamatórias, mas degenerativas - da doença, que são menos comuns e por isso “mais esquecidas” no que diz respeito às alternativas de medicação e tratamento, refere Carlos Capela. Estas “afectam sobretudo pessoas relativamente jovens, maioritariamente homens, e a essas ainda temos pouco a oferecer”. “E os doentes têm muita fraca resposta àquilo que está actualmente disponível”, completa João Cerqueira.

Foi por isso que, há cinco anos, a Federação Internacional de Esclerose Múltipla criou  uma plataforma para partilhar conhecimento e financiar investigação para estas formas da doença, a Progressive MS Alliance.

Em Dezembro do ano passado, havia quatro fármacos para a esclerose múltipla em avaliação no Infarmed, um dos quais com duas formas farmacêuticas, mas a sua disponibilidade não é imediata. Em 2017 nenhum foi aprovado e os neurologistas contam prolongar a espera. “Há um medicamento aprovado pela Agência Europeia do Medicamento em 2013, o alemtuzumab, e que ainda não chegou a Portugal”, constata João Cerqueira. Ainda assim, hoje há onze alternativas para os doentes com surtos. “Desde 2012 quase passamos para o dobro”, observa o neurologista.

Jornalista viajou para Paris para assistir ao Comité Europeu de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla a convite da farmacêutica Merck.