Tenham medo, vêm aí as listas transnacionais!
O que é lamentável é que uma maioria dos partidos políticos portugueses se prepare para jogar este jogo de acordo com as instruções da mais cínica cartilha eurocética.
Paulo Rangel alertou; Duarte Marques alertou; Adolfo Mesquita Nunes alertou. Três políticos e dirigentes da direita nacional tocaram a rebate porque António Costa, na cimeira dos países do Sul da UE, assinou umas conclusões que defendiam uma maior democratização da UE e nas quais se dizia que a criação de listas transnacionais nas eleições para o Parlamento Europeu “poderia” concorrer para essa democratização.
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Paulo Rangel alertou; Duarte Marques alertou; Adolfo Mesquita Nunes alertou. Três políticos e dirigentes da direita nacional tocaram a rebate porque António Costa, na cimeira dos países do Sul da UE, assinou umas conclusões que defendiam uma maior democratização da UE e nas quais se dizia que a criação de listas transnacionais nas eleições para o Parlamento Europeu “poderia” concorrer para essa democratização.
Paulo Rangel, em declarações ao PÚBLICO, considera esta posição “inaceitável”. Duarte Marques, num artigo do Expresso, acha que é “grave”. Adolfo Mesquita Nunes, escrevendo no Jornal de Negócios revela-se incrédulo e pergunta mesmo “importa-se de repetir?”. Está visto que a direita está em polvorosa.
Só falta saber uma coisinha, talvez duas. Afinal, o que são listas transnacionais? E os nossos próceres da direita lusitana, são a favor ou contra?
As listas transnacionais — ou, como prefiro, listas pan-europeias — não caíram do céu. Há anos que se discute a necessidade de os cidadãos europeus poderem eleger o Presidente da Comissão Europeia e eventualmente os outros comissários. A proposta em causa sugere acrescentar um boletim de voto às eleições europeias de 2019 para esse efeito. No primeiro boletim de voto elegeríamos os eurodeputados nacionais, como até agora, mais de 700 deles. No segundo boletim de voto elegeríamos duas ou três dezenas de deputados a partir de listas pan-europeias, deputados esses que seriam também candidatos à Comissão Europeia, e nomeadamente ao posto de Presidente da Comissão. A proposta pode ter defeitos ou virtudes mas não se vê como não se possa dizer dela o que dizem as conclusões da cimeira dos países do Sul da UE: que “poderia” contribuir para democratizar a UE.
Paulo Rangel acha inaceitável que Costa tenha concordado com a sugestão sem consultar primeiro a Assembleia da República. É curioso. Não dei por Paulo Rangel exigir consulta à AR de cada vez que Pedro Passos Coelho acorreu a Berlim para apoiar a estratégia para o euro do Sr. Schäuble. Só agora despertou para este governo estar a fazer o que disse que iria fazer: concertar posições junto dos países do Sul para marcar a agenda do futuro da UE. Os governos nacionais têm direito à sua posição política, e o PSD na Assembleia da República e no Parlamento Europeu terá certamente direito a exprimir a sua posição sobre este assunto. Se até lá percebermos qual é. É que lendo o artigo de Duarte Marques, por exemplo, percebemos que a vontade de atacar o governo por causa deste tema é inversamente proporcional à sua vontade em dizer-nos se ele próprio é a favor ou contra.
Adolfo Mesquita Nunes, no Jornal de Negócios, parece ser mais explicitamente contra. Mas engana-se ao apresentar a ideia como “uma revolução na forma como” a eleição ao Parlamento Europeu “pode passar a fazer-se, por partidos europeus e não por países”. Errado. A eleição ao Parlamento Europeu continuará na sua esmagadora maioria a fazer-se por países. O que se passa é que com uma porção dos deputados britânicos que saem do PE se cria espaço para uma lista pan-europeia que poderá, por exemplo, ocupar 27 lugares nos 751 do Parlamento Europeu.
Eu sou a favor, com três condições. A primeira é que nessa lista seja obrigatório ter candidatos de todos os países da UE (de preferência, um por cada país, como se de uma lista de pré-candidatos à Comissão Europeia se tratasse). Em segundo lugar, que cada lista apresente o seu programa eleitoral no qual se comprometa com os cidadãos. E em terceiro lugar, garantam-se condições para que essas promessas se possam cumprir: sem aumento do orçamento da UE não há Europa democrática e social que se possa prometer sem o risco de frustrar as promessas.
Seria pedir demais, mas creio que os portugueses agradeceriam se a nossa direita, em vez de enveredar pela procura constante de casos, nos dissesse afinal o que acha sobre este assunto. Já agora — não pensem que me esqueço deles — também seria bom que BE e PCP saíssem do seu mutismo no mesmo particular.
O que é lamentável, isso sim, é que uma maioria dos partidos políticos portugueses se prepare para jogar este jogo de acordo com as instruções da mais cínica cartilha eurocética: primeiro, lucrar com as acusações de falta de democracia à UE; a seguir, procurar minar todas as propostas para uma UE mais democrática.