Acerca da criação de um Museu dos Descobrimentos
Proposta ao primeiro-ministro, aos partidos representados no Parlamento e ao presidente da Câmara de Lisboa.
1. A criação de um Museu dos Descobrimentos tem sido defendida na comunicação social por um alargado círculo de cidadãos, incluindo cronistas regulares, como Miguel Sousa Tavares, Ferreira Fernandes e outros. Eu próprio publiquei há quase uma década um artigo neste jornal sobre o assunto (“Um Museu dos Descobrimentos e da Expansão Europeia no Terreiro do Paço”, PÚBLICO, 16.09.2008).
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1. A criação de um Museu dos Descobrimentos tem sido defendida na comunicação social por um alargado círculo de cidadãos, incluindo cronistas regulares, como Miguel Sousa Tavares, Ferreira Fernandes e outros. Eu próprio publiquei há quase uma década um artigo neste jornal sobre o assunto (“Um Museu dos Descobrimentos e da Expansão Europeia no Terreiro do Paço”, PÚBLICO, 16.09.2008).
No recente programa de candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa (CML) de Fernando Medina, a criação de um “Museu das Descobertas” está incluída, nos termos seguintes: “Estrutura polinucleada na cidade que inclua alguns espaços/museus já existentes e outros a criar de novo, e que promova a reflexão sobre aquele período histórico nas suas múltiplas abordagens, de natureza económica, científica, cultural, nos seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um núcleo dedicado à temática da escravatura.” Tendo Fernando Medina sido eleito, não duvido que pretenda cumprir este compromisso.
Este artigo visa dois objectivos: i) reforçar a relevância e a oportunidade do museu, discutindo a sua localização; ii) reflectir sobre o enquadramento político-institucional para o concretizar.
2. Os leitores menos jovens recordar-se-ão ainda das notáveis exposições produzidas pela Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, a maioria delas concentrada na última década do século passado. Francamente, parece-me absurdo que as novas gerações tenham de esperar por nova data redonda para ver tratado e celebrado com aquela qualidade o momento maior da nossa História.
Por isso mesmo, um Museu dos Descobrimentos seria da maior importância para o público nacional. Mas o seu potencial para rapidamente ser considerado “imperdível” para os numerosos turistas que nos visitam é imenso, venham eles de países que participaram na Expansão Europeia, de países do Novo Mundo (com destaque natural para o Brasil) ou daqueles que no Oriente connosco mais intensamente contactaram, como a Índia, a China e o Japão.
Temo, todavia, que a dispersão do museu numa “estrutura polinucleada na cidade que inclua alguns espaços/museus já existentes e outros a criar de novo”, para além de aumentar custos de construção e de gestão, possa comprometer quer a sua qualidade, quer o seu impacto. A isto acresce que a mensagem implícita à abrangência programática inscrita no citado programa de candidatura, abrangência essa que aplaudo, ficaria então seriamente prejudicada pela dispersão do museu.
Pelo contrário, sedeado no Terreiro do Paço e na Ribeira das Naus, ficaria fortemente valorizado, e a sua capacidade de atracção enormemente reforçada, quer pela qualidade arquitectónica e paisagística, quer pela memória e pelo simbolismo do sítio. Aqui, os edifícios e outros espaços exteriores (como as docas da Ribeira das Naus) potencialmente disponíveis permitiriam concentrar todo o museu, com cada capítulo do mesmo tratado de forma rigorosa e ambiciosa.
Há tempos, alguém (cujo nome não recordo) comentava neste jornal o absurdo de numa praça como o Terreiro do Paço a única coisa que dá pelo nome de museu ser uma cervejaria. Não posso estar mais de acordo.
3. Mas tão importante como o local é o enquadramento institucional do museu. Se há museu (de natureza temática) que se justifica ser um “museu nacional” em Portugal é certamente um Museu dos Descobrimentos. Por isso, parece fazer pouco sentido levar a cabo este projecto num âmbito estritamente municipal (ainda que não se discuta que tal museu seja sedeado em Lisboa, não por ser a capital do país, mas por ter sido a capital dos Descobrimentos).
Este ponto é extremamente importante, não tanto por razões de natureza administrativa, mas por razões cruciais para a qualidade do museu e para as suas condições de sobrevivência.
De facto, sendo um museu nacional, isso permitirá mobilizar meios mais avultados (não apenas financeiros) e vontades mais alargadas para a sua concretização e gestão, através de aspectos críticos como: 1) a mobilização dos espaços museológicos, que pertencem ao Estado Central, para a sua instalação; 2) a interacção com os outros Museus e Arquivos Nacionais, essencial para o estudo, o empréstimo ou o depósito de peças das respectivas colecções; 3) a obtenção de empréstimos de peças de museus e arquivos de outros países para exposições temporárias; 4) a sensibilização dos grandes coleccionadores de todo o país para o depósito ou a doação de peças (em particular as peças de arte que resultaram do encontro entre civilizações, cuja diversidade e qualidade nas colecções nacionais permitiriam criar um museu com componente de artes decorativas verdadeiramente excepcional).
Recentemente, o primeiro-ministro anunciou a intenção de propor que as grandes infra-estruturas nacionais passem a ser aprovadas no Parlamento por dois terços dos deputados. Não haveria melhor projecto para dar início a esta louvável prática do que a criação do Museu dos Descobrimentos!
É esta a sugestão que endereço ao primeiro-ministro e aos responsáveis dos partidos representados no Parlamento. Estou certo de que o presidente da Câmara de Lisboa ficará satisfeito por ver este ponto do seu programa ser levado a cabo como projecto nacional.
4. Não resisto a apresentar ainda uma sugestão. O museu de que falámos é um projecto multidisciplinar que deveria envolver o melhor da nossa Cultura. Permitam-me, por não ser porventura óbvio, que aqui destaque as equipas dos Museus e Arquivos Nacionais e não omita a nossa Arquitectura e a nossa Engenharia (falo, em particular, do indispensável reforço sísmico-estrutural, bem como das condições ambientais internas, de edifícios históricos que irão albergar alguns dos mais preciosos tesouros nacionais). Para coordenar esta missão penso que António Mega Ferreira (que não conheço pessoalmente) seria uma escolha particularmente acertada.
É hoje bem conhecido como certos projectos museológicos podem ser decisivos na competitividade entre países e entre cidades. Este, conduzido com rigor, bom gosto e grandeza, pelas suas características únicas, pode ser um museu de enorme relevância internacional.
O que ele poderia contribuir para a imagem que os portugueses têm de si próprios e para aquela que os milhões que anualmente nos visitam vão guardar é inestimável. E a influência que essa outra imagem pode ter no nosso futuro ainda mais.