Morreu Madalena Iglésias, a “rainha da rádio” que encantou o país pela televisão
A intérprete de Ele e ela, canção com que venceu o Festival da Canção em 1966, tinha 78 anos.
Madalena Iglésias, uma das figuras mais populares do nacional-cançonetismo dos anos 60, e que venceu o Festival da Canção em 1966, com Ele e ela, morreu nesta terça-feira aos 78 anos numa clínica de Barcelona, cidade onde há muito se radicara. O musical What Happened to Madalena Iglésias?, que Filipe la Féria encenou em 1989, foi um sucesso de público e ajudou a consolidar o mito da bela cantora de olhos verdes, mesmo junto daqueles que ainda não tinham idade para recordar os gloriosos dias em que Madalena Iglésias só competia com Simone de Oliveira — numa rivalidade histórica que acabou em amizade — pelo título de primeira-dama da canção portuguesa.
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Madalena Iglésias, uma das figuras mais populares do nacional-cançonetismo dos anos 60, e que venceu o Festival da Canção em 1966, com Ele e ela, morreu nesta terça-feira aos 78 anos numa clínica de Barcelona, cidade onde há muito se radicara. O musical What Happened to Madalena Iglésias?, que Filipe la Féria encenou em 1989, foi um sucesso de público e ajudou a consolidar o mito da bela cantora de olhos verdes, mesmo junto daqueles que ainda não tinham idade para recordar os gloriosos dias em que Madalena Iglésias só competia com Simone de Oliveira — numa rivalidade histórica que acabou em amizade — pelo título de primeira-dama da canção portuguesa.
Nascida a 24 de Outubro de 1939 na freguesia de Santa Catarina, em Lisboa, Madalena Lucília Iglésias Doval integrou o Centro de Preparação de Artistas da Rádio da Emissora Nacional com 15 anos. Tinha 27 quando venceu o Festival da Canção, já depois de ter representado Portugal no Festival de Benidorm e ter feito uma digressão pela América Latina. O seu sucesso foi assinalado com a distinção de Rainha da Rádio, entre 1960 e 1965, e Rainha da Televisão, em 1962.
Casou-se na Venezuela em Novembro de 1971. Um ano depois, celebrou a cerimónia religiosa em Portugal. Foi por esta altura que passou a dedicar-se à família a tempo inteiro.
Do seu repertório fazem parte canções como Silêncio entre nós, Poema de nós dois, Canção para um poeta, Canção que alguém me cantou, É você, Oração na neve e De longe, longe, longe..., Canção de Aveiro, Cuando sali de Cuba, Ven esta noche, La frontera ou La más bella del baile.
Em 1989, na Casa da Comédia, Filipe La Féria encenou o musical What Happened to Madalena Iglésias?, produção que conheceu um grande sucesso e ficou mais de dois anos em cena. “A Madalena Iglésias era já um mito da canção e da vida artística em Portugal, uma grande voz, uma mulher lindíssima com os seus olhos verdes, que muita gente comparava à princesa Soraya [rainha consorte do Xá da Pérsia]”, lembra o encenador. E, em declarações ao PÚBLICO, acrescenta que o sucesso do seu musical “ajudou ao próprio mito” da cantora, além de o ter ajudado a si próprio na afirmação da carreira, tendo-lhe dado acesso, logo a seguir, ao palco do Teatro Nacional D. Maria II, com Passa por Mim no Rossio.
La Féria recorda que a ideia de fazer What Happened to Madalena Iglésias? lhe surgiu por associação com o filme de Robert Aldrich What Ever Happened to Baby Jane (1962), com Bettes Davis e Joan Crawford. “Mas o meu era um espectáculo satírico, a brincar com o facciosismo e as rivalidades entre os artistas da rádio e da televisão nos anos 60.”
A própria Madalena Iglésias reagiu muito bem ao musical, “achou-lhe muita graça, mostrou sempre um grande savoir-faire”, diz o encenador, que recorda da cantora e actriz o seu “grande profissionalismo”. “Era uma mulher muito calma, com uma grande classe; queria sempre atingir a perfeição, e manteve-se muito bela até morrer”, diz La Féria, que, nos últimos anos, continuou a tê-la como espectadora interessada nas suas produções no Politeama – “ela gostou especialmente do My Fair Lady” (2003).
Em What Happened to Madalena Iglésias?, La Féria retratava a rivalidade conhecida entre a protagonista e Simone de Oliveira (uma rivalidade que é também evocada no musical em nome próprio de Simone, ainda em cena).
Também num testemunho para o PÚBLICO, Simone de Oliveira disse ter sido “apanhada desprevenida” com a notícia da morte de Madalena Iglésias. “Foi um choque. Eu nem sabia que ela estava doente. É mais uma da minha geração que está a partir, e isso dói muito”, lamentou.
Mas a intérprete de Desfolhada (1969) deu uma gargalhada quando a questionámos sobre a referida rivalidade com a intérprete de Ele e Ela. “Foram tempos divertidos, mas, a certa altura, a situação tornou-se muito complicada, porque o grupo de fãs dela era muito aguerrido, e chegámos a zangar-nos. Mas depois tudo se recompôs e ficou uma grande amizade.”
Simone guarda de Madalena a memória de “uma grande cantora e uma grande ternura”. “Ela era uma mulher muito bonita, mas muito ciosa da sua vida privada – ao contrário de mim, a minha vida está aí escancarada [risos].”
A actriz e cantora recorda, contudo, que aquando da estreia de What Happened to Madalena Iglésias?, o seu companheiro, Varela Silva, “foi vê-lo primeiro”. “Para perceber se havia alguma coisa desagradável para mim, mas não, e era um espectáculo magnífico”, diz.
Já sobre a referência que o actual musical Simone (que, depois de Lisboa, chega esta semana, de 19 a 21, ao Teatro Aveirense) faz a esse tempo, diz tratar-se apenas de “uma graça”. Alguém diz, a dada altura: “Ainda ontem choravas como uma Madalena!” “Madalena, não”, responde a protagonista.
Mas Simone de Oliveira diz que o público reage pouco a essa graça, porque a maioria das pessoas não tem memória desses tempos. Foram tempos em que a tensão associada à competição entre as duas artistas acabaria por desvanecer-se. E Simone recorda agora que a última vez que se encontrou com ela foi em 2008, quando Madalena Iglésias participou no espectáculo intitulado Num País Chamado Simone, a celebrar os 50 anos de carreira desta. Nele, cantou No teu poema ao lado da antiga rival.
No mesmo ano, foi lançada uma fotobiografia de Madalena Iglésias, Meu Nome É Madalena Iglésias, da autoria de Maria de Lourdes de Carvalho. Em declarações à Lusa, a cantora admitiu então que sempre se sentiu perseguida pelo complexo da beleza, apesar de reconhecer que “estava à frente” do seu tempo.
Apesar de viver em Barcelona desde 1987, tinha por Portugal “um enorme carinho”. Na sua página de Facebook partilhava com frequência fotografias das suas visitas ao país onde nasceu. “Tenho muitas saudades do meu querido país”, repetia.
Canções e filmes com António Calvário
“Foi uma amiga muito especial, nunca tivemos a mais pequena desavença, apoiávamo-nos muito mutuamente e éramos muito cúmplices”, contou em declarações à Lusa o cantor António Calvário.
“Recordo as digressões a nível mundial, mais do que uma vez fizemos os Estados Unidos e o Canadá”, acrescentou.
“Sempre que ela vinha a Portugal telefonava e nós encontrávamo-nos e íamos almoçar, com um amigo comum. Foi a pessoa com quem mais lidei e a colega com quem mais trabalhei”, contou, recordando a cumplicidade entre ambos.
Além da música e das canções, António Calvário contracenou com Madalena Iglésias no cinema, nos filmes Uma Hora de Amor (Augusto Fraga, 1964) e Sarilhos de Fraldas (Constantino Esteves, 1966). São duas das cinco longas-metragens que fizeram a carreira cinematográfica daquela figura do nacional-cançonetismo, mas que não deixou rasto, para além do aproveitamento da sua figura e da sua voz. “Invariavelmente havia canções e histórias românticas, mas, como actriz, [Madalena Iglésias] nunca demonstrou um mínimo de talento”, escreve o crítico Jorge Leitão Ramos no seu Dicionário do Cinema Português, 1962-1988.
“Referência na música portuguesa”
Já Tozé Brito recorda a intérprete de Ele e Ela como “um nome de referência da música portuguesa". “É inevitável falar da Madalena Iglésias, quando se fala da história da música portuguesa. Nesse sentido, tenho muito respeito por ela e imensa pena pela sua morte”, recordou o músico, compositor e produtor, em declarações à Lusa.
Apesar de nunca ter trabalhado com a cantora, Tozé Brito diz ter acompanhado “aquela geração”. “Havia três ou quatro nomes que marcaram aquela época da música portuguesa, principalmente a Simone, que foi ‘rival’ da Madalena Iglésias. Elas competiam por um lugar de rainhas da música portuguesa, de primeira-dama na música portuguesa.”
Tozé Brito recorda Madalena Iglésias como “uma grande senhora, uma mulher com comportamento exemplar, lindíssima, com muito boa presença em palco e um ídolo da televisão”.
O desaparecimento da artista mereceu uma nota de pesar e de condolências à família, por parte do ministro da Cultura. Considerando-a uma figura “marcante para uma geração”, Luís Filipe Castro Mendes recorda o percurso artístico de Madalena Iglésias representando Portugal em diversos festivais, e também a sua carreira internacional, nomeadamente as digressões à América do Sul.
Também a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), cooperativa de que Madalena Iglésias era sócia desde 1959, lamentou a morte daquela que classifica como “um dos nomes mais destacados da história da música ligeira portuguesa”.
A SPA recorda a homenagem que lhe prestou em 2013, atribuindo-lhe a Medalha Pró-Autor, e em 2016 convidou-a a entregar os prémios SPA de Televisão na sua gala anual, em Lisboa.
“A sua presença recebeu uma ovação do público. Era uma grande amiga da cooperativa, que nos últimos anos fez sempre questão de apoiar, tendo oferecido à instituição as partituras com as mais importantes obras que interpretou na sua carreira”, refere a SPA em nota citada pela Lusa. Acrescenta que, “embora fosse essencialmente intérprete, Madalena Iglésias sempre afirmou a profunda ligação que teve aos autores, nomeadamente os que escreveram para ela”.
Um busto em Lisboa
Já em 2012, António Costa (na altura presidente da Câmara de Lisboa) inaugurou um busto em bronze de Madalena Iglésias. A cerimónia contou com a presença da própria e de admiradores, familiares e amigos, incluindo nomes da indústria que acompanharam a sua carreira – António Calvário, Maria José Valério, Vítor de Sousa. “[O busto] não me representa somente a mim, representa toda uma época de artistas que já não vai regressar mais", assinalou à data a cantora.
“Madalena nasceu para cantar. E continuará a cantar”, escreveram os filhos da cantora portuguesa esta manhã, na sua página no Facebook, onde confirmaram a sua morte. “Agradecemos profundamente o carinho e respeito que demonstraram sempre. Foram responsáveis por uma grande parte da felicidade dela”, lê-se na mensagem endereçada aos fãs.
Na publicação são dados pormenores sobre a cerimónia fúnebre. O velório da cantora realiza-se esta terça-feira a partir das 18h locais (17h em Lisboa), na sala 18 do Tanatório de Collserola, em Barcelona.