Registe-se: o património ganhou ao betão
Desta vez, as agências do Estado cumpriram a sua missão e preocuparam-se com a defesa do interesse público. Desta vez, os interesses associados aos grandes investimentos não conseguiram impor as suas regras. Desta vez, o vale do Douro, um dos tesouros da economia, da natureza e da cultura humana do país, acabou por ser salvo da gula devoradora do betão travestida em projectos de suposto interesse estratégico. O gasoduto que a REN queria fazer passar pela zona de protecção do Douro Património Mundial foi chumbado e todas instâncias que contribuíram para que a declaração de impacte ambiental fosse negativa estiveram ao nível do papel que a comunidade lhes atribui. Mas sobra ainda uma pergunta incómoda: como pôde uma grande empresa como a REN ter a veleidade de apresentar um projecto assim tão agressivo e danoso como o do gasoduto?
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Desta vez, as agências do Estado cumpriram a sua missão e preocuparam-se com a defesa do interesse público. Desta vez, os interesses associados aos grandes investimentos não conseguiram impor as suas regras. Desta vez, o vale do Douro, um dos tesouros da economia, da natureza e da cultura humana do país, acabou por ser salvo da gula devoradora do betão travestida em projectos de suposto interesse estratégico. O gasoduto que a REN queria fazer passar pela zona de protecção do Douro Património Mundial foi chumbado e todas instâncias que contribuíram para que a declaração de impacte ambiental fosse negativa estiveram ao nível do papel que a comunidade lhes atribui. Mas sobra ainda uma pergunta incómoda: como pôde uma grande empresa como a REN ter a veleidade de apresentar um projecto assim tão agressivo e danoso como o do gasoduto?
A REN fê-lo porque fez fé da crença tradicional segundo a qual no Douro distante, como no resto do país interior, tudo se pode fazer com um pouco de dissimulação, um toque de arrogância e um nadinha de desprezo. Basta fazer as discussões públicas obrigatórias por lei em Agosto para ninguém dar conta, encomendar estudos para dizerem o que previamente se decidiu e a história de Foz Côa, do vale do Tua ou do vale do Sabor, verdadeiros atentados que pagaremos com impostos toda a vida, podia ser repetida. Construir um canal medonho no Vale Meão onde se produzem vinhos de classe mundial, numa paisagem protegida pela UNESCO, ou rasgar o vale da Vilariça? Por que não? O Douro é longe e de Lisboa o país vê-se ainda como sempre se viu: como paisagem, como província.
A REN conseguiu calar a discussão pública, mas, felizmente, não conseguiu silenciar produtores de vinho conscientes, não meteu medo à delegação portuguesa do ICOMOS, nem à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, nem à Comissão de Coordenação do Norte e, como cúmulo, foi incapaz de travar o parecer negativo da Direcção-Geral do Património. E agora? Agora vai ser necessário começar tudo de novo e encontrar alternativas para o gasoduto. Mas vai ser também necessário reflectir sobre o simbolismo desta decisão rara da sociedade e do Estado, que deixaram de acreditar que as obras grandes são sempre grandes obras. O Douro, martirizado pela gula do betão e sugado pelas empresas de energia que nada lhe devolvem, ganhou finalmente uma batalha.