Santos Silva "muitíssimo preocupado" com o "irritante" nas relações com Angola

O processo do ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, tem sido a pedra no sapato do relacionamento entre os dois países.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

O ministro dos Negócios Estrangeiros está "muitíssimo preocupado" com um "irritante" que está a afectar as relações entre Portugal e Angola, que tem a “agravante de que a solução não depende do Governo português”.

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O ministro dos Negócios Estrangeiros está "muitíssimo preocupado" com um "irritante" que está a afectar as relações entre Portugal e Angola, que tem a “agravante de que a solução não depende do Governo português”.

As palavras são de Augusto Santos Silva em declarações ao Expresso deste sábado e reflectem o quão delicada é a questão do processo do ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente - suspeito de ter corrompido um antigo procurador do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal) para que arquivasse um inquérito-crime em que era visado -, que ameaça o bom relacionamento económico e estratégico entre os dois países e até no seio da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

O termo “irritante” foi inicialmente usado pelo primeiro-ministro português em Novembro depois de um encontro com o Presidente angolano à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana, para definir a única pedra no sapato das relações entre os dois países – o bloqueio jurídico do processo Manuel Vicente.

Na conferência de imprensa inédita que deu há dias, o Presidente angolano considerou uma “ofensa” a forma como a justiça portuguesa alegou que “não confia na justiça angolana”, já que Portugal recusou o pedido transferência do processo judicial de Manuel Vicente para Angola. João Lourenço ameaçou mesmo que o futuro relacionamento entre os dois países dependerá do desfecho deste caso.

O Governo dispõe já de um parecer que pediu ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República que indica que o ex-vice-presidente angolano não goza de imunidade, conforme apurou o PÚBLICO. Até dia 22 deste mês, data marcada para o arranque do julgamento, o colectivo de juízes que tem o processo em mãos terá que decidir se tem condições para o fazer sem a presença de Manuel Vicente, ou se terá que o adiar.

O antigo dirigente angolano terá pago ao procurador Orlando Figueira cerca de 763 mil euros, para além de o contratar para uma empresa da Sonagol, para que arquivasse um inquérito-crime em que Manuel Vicente era suspeito de branqueamento de capitais.

“Nós não estamos a pedir que ele seja absolvido; nós não estamos a pedir que o processo seja arquivado; nós não somos juízes, não temos competência para dizer se o engenheiro Manuel Vicente cometeu ou não cometeu o crime de que é acusado”, afirmou João Lourenço quando questionado sobre o caso. “Isso que fique bem claro: a intenção não é livrar o engenheiro Manuel Vicente da acusação”, garantiu, dizendo que quer apenas que a justiça seja feita em Angola.

O país argumenta com o acordo de transferência de processos entre os membros da CPLP que vigora entre os países da comunidade, pelo que a recusa da Justiça portuguesa ameaça bloquear, em último caso, o relacionamento no seio da CPLP.

Apesar do notório incómodo geral, Augusto Santos Silva prefere salientar como aspecto positivo a forma como o Presidente falou do processo na conferência de imprensa, ao considerar como ofensa a “sugestão de que em Angola não haveria uma boa administração da Justiça”, assim como o facto de, “pela primeira vez, não se ter pronunciado sobre se Manuel Vicente é inocente ou culpado”, acrescentou o ministro dos Negócios Estrangeiros ao Expresso.

O processo judicial e as suas consequências nas relações entre Portugal e Angola são também uma das principais preocupações de Marcelo Rebelo de Sousa.