A indignidade nos hospitais de Portugal
Vi dezenas de pessoas ao fim da tarde de quinta-feira numa longa fila para obterem um autocolante para visitarem um familiar no corredor do serviço de observação da urgência do Hospital de São José, em Lisboa, que aguardava uma vaga para internamento neste ou noutro hospital de Lisboa.
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Vi dezenas de pessoas ao fim da tarde de quinta-feira numa longa fila para obterem um autocolante para visitarem um familiar no corredor do serviço de observação da urgência do Hospital de São José, em Lisboa, que aguardava uma vaga para internamento neste ou noutro hospital de Lisboa.
Vi como essa fila e as centenas de pessoas espalhadas pelas diversas salas afectavam o transporte de doentes, alguns deles em situação de urgência.
Vi gente indignada por não ter sido informada de que o seu familiar já tinha sido transferido, ou por falta da informação mais básica.
Vi homens e mulheres, grande parte velhos, aflitos por ali estarem à espera para saberem dos seus.
Vi profissionais de saúde, de médicos a empregados de limpeza, em grandes dificuldades para fazerem o seu trabalho no meio de tal caos.
Vi dezenas de doentes, a maioria velhos, espalhados pelos corredores do serviço de observação do Hospital de São José, depositados em macas nada confortáveis, alguns há mais de dois dias, enquanto aguardam uma cama vaga numa qualquer enfermaria.
Vi velhos expostos aos olhos de todos no mais abominável abandono.
Vi o caos dos funcionários de saúde para fazerem o seu trabalho numa zona em que é avaliado o real estado de saúde de quem recorreu às urgências e, como tal, deveria ser calma e reservada.
Vi homens, a maioria velhos, resignados a algo impensável. “Tem de ser, não há camas; temos de ter paciência e não refilar que é pior”, disse-me um doente.
Vi velhos doentes que, por pouco, não caíram das macas.
Vi funcionários da saúde a gritarem ordens uns para os outros devido a um ruído geral absolutamente impensável num hospital.
Vi um velho dizer para a sua mulher que aquele era conhecido como o “corredor da morte”.
Vi outro, indignado, que queria ir para casa porque, dizia, se “era para morrer”, queria ir para casa e “não morrer num corredor de um hospital”.
Vi ainda outro que chamava por alguém que limpasse os lençóis da maca do seu vizinho de corredor porque este tinha obrado, estava praticamente inanimado e ninguém o acudia.
Ouvi ainda outros dizer que as luzes do serviço de observação são ligadas às 6h da manhã e, a partir daí, começa “uma confusão” que “dura o dia todo”.
Vi gente a chorar por ver o que eu vi. Também a mim me vieram as lágrimas aos olhos, num misto de raiva e impotência, quando dali saí. Como é possível? Como é possível que, num Estado-membro da União Europeia, no ano de 2018, os nossos doentes, os nossos velhos, sejam tratados assim? Como podem os profissionais de saúde realizar o seu trabalho neste caos?
Senhor Presidente da República, que recentemente elogiou o Serviço Nacional de Saúde (SNS) depois de ter sido alvo de uma cirurgia; senhor primeiro-ministro que esta semana no Parlamento despejou números sobre o que Governo tem feito para resolver os problemas do SNS; senhor ministro da Saúde, que na quarta-feira negou o caos nos hospitais: visitem sem aviso prévio um dos grandes hospitais do país. Senhores deputados visitem os hospitais nos círculos onde foram eleitos, igualmente sem aviso prévio. Pode ser que também se revoltem.
Pode ser que acordem para uma realidade que nos envergonha e indigna e cuja primeira responsabilidade é vossa. Está nas vossas mãos acabar com os “corredores da morte” do SNS.
Bastou-me pouco mais de uma hora para viver esta indignidade. Não me venham dizer que a desconhecem, não me venham dizer que não é bem assim ou que estão a fazer o que é possível para melhorar o SNS. Tenham vergonha!