“Seria muito importante conseguir manter o boatyard da VOR em Lisboa”
A recuperar de uma lesão sofrida no braço esquerdo na difícil etapa entre a Cidade do Cabo e Melbourne, o velejador português António Fontes explica a importância de ser navegador numa equipa da Volvo Ocean Race.
Uma semana depois de partirem de Melbourne, os sete barcos que competem na Volvo Ocean Race (VOR) 2017-18 caíram, ao largo das Ilhas Salomão, na armadilha dos “doldrums” – região de ventos inconstantes entre os hemisférios –, e entre quarta e quinta-feira a distância por hora percorrida pelos veleiros foi inferior a 2,5 milhas náuticas (cerca de 4,4 quilómetros). Ausente desta etapa por ter partido o braço na ligação entre a Cidade do Cabo e Melbourne, António Fontes, navegador da SHK Scallywag, explica em entrevista ao PÚBLICO que para as tripulações “é penoso ultrapassar” esta região, mas realça que não era possível escapar ao fenómeno. Quanto ao futuro daquele que é considerado o maior e mais duro evento do mundo de vela, o velejador, de 34 anos, diz que é muito importante manter em Lisboa o boatyard.
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Uma semana depois de partirem de Melbourne, os sete barcos que competem na Volvo Ocean Race (VOR) 2017-18 caíram, ao largo das Ilhas Salomão, na armadilha dos “doldrums” – região de ventos inconstantes entre os hemisférios –, e entre quarta e quinta-feira a distância por hora percorrida pelos veleiros foi inferior a 2,5 milhas náuticas (cerca de 4,4 quilómetros). Ausente desta etapa por ter partido o braço na ligação entre a Cidade do Cabo e Melbourne, António Fontes, navegador da SHK Scallywag, explica em entrevista ao PÚBLICO que para as tripulações “é penoso ultrapassar” esta região, mas realça que não era possível escapar ao fenómeno. Quanto ao futuro daquele que é considerado o maior e mais duro evento do mundo de vela, o velejador, de 34 anos, diz que é muito importante manter em Lisboa o boatyard.
Participou na primeira etapa com a equipa AzkoNobel, mas foi na terceira regata que teve o primeiro grande desafio na VOR, ao assumir a posição de navegador da SHK Scallywag. No entanto, acabou por fracturar o braço. Como é que aconteceu o acidente?
Foi no terceiro dia da regata. Estava tudo a correr normalmente, mas ia entrar mais vento e tivemos que mudar as velas. Quando as estávamos a acartar de um lado para o outro, com o barco bastante inclinado, uma delas ficou presa. Ao fazer um pouco mais de força, desequilibrei-me, cai dentro do poço e bati em alguma coisa com o braço. Inicialmente não senti dores, mas ao tentar puxar novamente as velas, o braço não tinha força e percebi que algo estava mal. A partir daí, não usei mais o braço esquerdo.
Apesar do incidente, que balanço faz da experiência como navegador?
Mesmo assim, foi espectacular. Consegui fazer o que era suposto como navegador. Não ajudei muito o resto da tripulação da parte de fora, mas dentro, no computador, fazia tudo. Aprendi e pratiquei bastante. Cometemos alguns erros, mas nada de significativo. Penso que correu bem.
Qual o papel de um navegador numa prova como a VOR?
Recebemos em bruto as informações com as posições dos barcos e da meteorologia, e tratando e interpretando esses dados, decidimos a táctica. As decisões são repartidas entre o navegador e o skipper, mas no fundo tudo depende da interpretação dos dados pelo navegador.
O australiano David Witt, skipper da SHK Scallywag, transmite uma imagem algo austera e rude. Como foi trabalhar como ele?
Ele tem uma imagem diferente, mas correu bem. No início podia haver falta de confiança e podiam olhar para mim como alguém que vinha da equipa de terra, mas com duas ou três boas decisões minhas, ganharam confiança. A partir daí confiaram em tudo o que eu dizia.
Preparou como navegador a quarta regata para a SHK Scallywag. Não era possível prever o que aconteceu nesta semana, com os sete barcos a estarem praticamente parados ao largo das Ilhas Salomão. Que fenómeno é este?
O fenómeno acontece na zona de convergência intertropical, onde há uma circulação de ar nos hemisférios Norte e Sul, e onde se juntam, na linha do Equador, há uma grande área sem vento. Há dias em que se passa e outros em que se fica 500 a 600 milhas sem nenhum vento. É muito aleatório e é penoso ultrapassar isso. À partida já se sabia que ia acontecer, mas não havia escapatória. Não dava para dar uma volta maior. A única coisa a fazer é tentar chegar a Norte o mais rapidamente possível.
Nesta etapa, a SHK Scallywag sofreu um contratempo ao perder quase 50 milhas para os outros barcos em poucos minutos ao ver-se obrigada a alterar a rota devido a um recife. O que aconteceu?
Já tentei perceber em pormenor o que se passou, mas ainda não tive resposta. À partida, era um recife que estava naquele local e havia uma discrepância entre a carta de navegação electrónica e de papel. Mas não percebi o que se passou.
Numa situação como essa, a responsabilidade e palavra final sobre o que fazer é do navegador?
Teve que ser o navegador a dizer o que fazer e depois tem de haver a aprovação do skipper. A trajectória que o barco fez é bastante estranha. Essa é uma das primeiras perguntas que lhes quero fazer quando chegarem a Hong Kong.
É possível recuperar a tempo de participar na próxima regata, entre Hong Kong e Auckland?
A recuperação está a correr bem. Amanhã [hoje] vou fazer um raio-x de controlo e devo retirar algum gesso. Estou a trabalhar para entrar na regata e espero estar pronto quando for preciso. Devo retirar completamente o gesso no dia 24 de Janeiro e a partida será apenas a 7 de Fevereiro.
A Mapfre e a Dongfeng têm conseguido superiorizar-se. São os principais candidatos?
São as equipas com mais experiência e começaram a treinar mais cedo. Já se conhecem todos muito bem e estão muito entrosados. Desde o início que são os favoritos.
Deverá ser anunciado em breve o figurino da edição seguinte da VOR. O que é que é preciso fazer para que Portugal continue a ter uma participação forte na 14.ª edição?
Seria muito importante conseguir manter o boatyard em Lisboa. Esse é o primeiro passo, porque significaria que iriam investir dinheiro na Doca Pesca e iriam continuar com os barcos em Lisboa. Além da visibilidade que dá ao país, será preciso muita mão-de-obra e serviços. O boatyard trouxe muitos ganhos para Portugal. Depois, como eu, o Bernardo [Freitas] e o Frederico [Melo] já estamos dentro da prova, será mais fácil continuarmos. O primeiro passo, que era o mais difícil, seria fazermos uma etapa. Isso já está feito.
Abriram a porta nesta edição, o que é preciso fazer para que ela não se volte a fechar?
A decisão sobre a permanência do boatyard será política e não depende de nós velejadores. Quanto a voltar a haver uma equipa portuguesa, com esta [Turn the Tide on Plastic] está a correr tudo bem e só é pena haver apenas dois portugueses no barco. Espero que no futuro sejam mais.
Trabalhou no boatyard de Lisboa na preparação dos Volvo Ocean 65, o barco que está a ser utilizado nesta edição. Acha que ainda pode ser usado na edição seguinte?
Se mantiverem a próxima edição para daqui a três anos, já não haverá tempo para construir barcos novos. Será muito difícil fazer o projecto, construir os barcos e treinar. Acho, por isso, que se está a chegar a um ponto onde não há grandes hipóteses de não usar este barco outra vez. A Volvo ainda não decidiu, mas acredito que continuem os actuais com ligeiras alterações. Eles estão bem construídos e são sólidos, o que quer dizer que estão para durar. Conseguem claramente fazer mais uma volta ao mundo.