A cannabis, a moral e a saúde
Com que moral se permite o seu cultivo em solo nacional para exportação e se proíbe o seu consumo interno?
O mínimo que se pode dizer sobre a discussão acerca da legalização da cannabis para fins medicinais é que vamos atrasados. Na UE e nos EUA foram vários os países e estados a fazê-lo, pelo que existe já suficiente jurisprudência para demover qualquer demonização da sua utilização terapêutica. De resto, nos EUA, o consumo recreativo da cannabis foi legalizado em diversos estados – o Colorado, em 2012, foi o primeiro – e o que daí resultou não foi a catástrofe que o conservadorismo mais feroz antevia. Se um país como os EUA, matriz das políticas mais proibicionistas e que impedem a ONU de encarar o tema de um prisma menos emotivo e mais científico, experimenta e avalia a legalização da cannabis quer para fins medicinais, quer para fins recreativos, por que é um país como Portugal não o faz?
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O mínimo que se pode dizer sobre a discussão acerca da legalização da cannabis para fins medicinais é que vamos atrasados. Na UE e nos EUA foram vários os países e estados a fazê-lo, pelo que existe já suficiente jurisprudência para demover qualquer demonização da sua utilização terapêutica. De resto, nos EUA, o consumo recreativo da cannabis foi legalizado em diversos estados – o Colorado, em 2012, foi o primeiro – e o que daí resultou não foi a catástrofe que o conservadorismo mais feroz antevia. Se um país como os EUA, matriz das políticas mais proibicionistas e que impedem a ONU de encarar o tema de um prisma menos emotivo e mais científico, experimenta e avalia a legalização da cannabis quer para fins medicinais, quer para fins recreativos, por que é um país como Portugal não o faz?
Só não o fez até aqui por um misto de cobardia e de preconceito, apesar de todos os louros internacionais que o país recebeu com a descriminalização de 2001, porque a forma mais fácil de o evitar foi exigir que as duas questões fossem tratadas em separado. E como são separadas vamos começar então a discutir a primeira: os projectos-lei do BE e do PAN, que vão a plenário da Assembleia da República nesta quinta-feira, propõem a criação de um regime jurídico que permita a prescrição da cannabis, ou o seu autocultivo em determinadas situações, dada a sua eficácia terapêutica em patologias como a glaucoma ou na diminuição dos efeitos secundários, por exemplo, da quimioterapia.
Como sempre nos costumes, o PCP titubeará e preferirá recomendar ao Governo que “analise a evolução dos impactos na saúde do consumo de cannabis”, como sugere o seu projecto de resolução. O CDS estará fortemente contra, claro. O bloco central não tomará posição, dará liberdade de voto, as propostas poderão descer à discussão na especialidade, dirão “nim”.
Era lastimável que o Parlamento não tivesse em conta a carta aberta sobre a cannabis para fins medicinais e o que nela dizem dezenas de especialistas, a maioria dos quais da área da medicina e da saúde. Com que moral se permite o seu cultivo em solo nacional para exportação e se proíbe o seu consumo interno? Antes de ser uma questão política, esta é sobretudo uma questão de saúde, que beneficiará milhares de doentes ao permitir o acesso àquela substância em condições reguladas e com a garantia de qualidade. Logo veremos se a moral está acima da saúde.