Constituição permite novo mandato da procuradora-geral, Costa adia

A Constituição e o acordo da sua revisão em 1997 permitem a renovação do mandato de Joana Marques Vidal. A polémica criada pela interpretação contrária da ministra da Justiça levou o primeiro-ministro a adiar a posição do Governo. Mas Costa não desautorizou Van Dunem.

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O mandato de Joana Marques Vidal termina em Outubro LUSA/RICARDO GRAÇA

Não é correcta a interpretação jurídica que a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, fez do espírito constitucional em relação ao mandato do cargo de procurador-geral da República, que no que se refere à actual ocupante, Joana Marques Vidal, termina em Outubro. A interpretação da ministra choca com o que está expresso no Artigo 220.º da Constituição, mas também com o que está explicitamente escrito no texto do acordo de revisão constitucional de 1997 que introduziu prazos temporais definidos de duração dos mandatos de altos cargos da Justiça.

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Não é correcta a interpretação jurídica que a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, fez do espírito constitucional em relação ao mandato do cargo de procurador-geral da República, que no que se refere à actual ocupante, Joana Marques Vidal, termina em Outubro. A interpretação da ministra choca com o que está expresso no Artigo 220.º da Constituição, mas também com o que está explicitamente escrito no texto do acordo de revisão constitucional de 1997 que introduziu prazos temporais definidos de duração dos mandatos de altos cargos da Justiça.

Nesse acordo de revisão constitucional negociado entre o PS (António Vitorino, Jorge Lacão e José Magalhães) e o PSD (Leonor Beleza, Marques Mendes, Marques Guedes e Guilherme Silva) e assinado a 7 de Março de 1997, no Salão Nobre da Assembleia da República, pelos líderes parlamentares do PS, Jorge Lacão, e do PSD, Marques Mendes, fica claro o espírito da introdução de prazos temporais no mandato dos ocupantes dos altos cargos da Justiça, mas também que não há limite à renovação de mandatos do procurador-geral da República e do presidente do Tribunal de Contas.

Com o primeiro-ministro e líder do PS, António Guterres, presente na sala, bem como o líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, Lacão e Marques Mendes assinaram um acordo que, no seu ponto 5, se refere às “Reformas em matéria de Justiça”. Nesse documento, lê-se que ambos os partidos “acordam na definição dos mandatos dos altos cargos de juiz do Tribunal Constitucional — nove anos, não renováveis —, procurador-geral da República — seis anos, sem limite de renovação —, presidente do Tribunal de Contas — quatro anos, sem limite de renovação.”

Esta regra, que torna explícita a possibilidade de renovação do mandato de procurador-geral da República, é confirmada pelo que diz o texto da Constituição desde 1997. O Artigo 220.º afirma que “o mandato do procurador-geral da República tem a duração de seis anos, sem prejuízo do disposto na alínea m) do Artigo 133”. E na alínea referida apenas vem escrito que “cabe ao Presidente da República nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o presidente do Tribunal de Contas e o procurador-geral da República” — ou seja, os dois órgãos que no acordo ficaram de fora da limitação de mandatos, ao contrário dos juízes do Tribunal Constitucional.

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De acordo com constitucionalistas que estiveram ligados a este processo de revisão constitucional ouvidos pelo PÚBLICO, fica claro da própria Constituição que não há nenhuma interpretação que possa conduzir à conclusão de que o mandato de procurador-geral da República não é renovável. Isto, porque a Constituição, no ponto 3 do Artigo 222.º, afirma: “O mandato dos juízes do Tribunal Constitucional tem a duração de nove anos e não é renovável.” Da junção das normas em relação a estes altos cargos de Justiça depreende-se que, se a Constituição fala em limite de renovação num caso e se nos outros dois nada diz sobre isso, é porque permite que essa renovação seja feita.

Costa adia polémica

A polémica em torno da declaração da ministra da Justiça irrompeu no debate quinzenal pela mão do líder parlamentar do PSD, Hugo Soares. O primeiro-ministro, António Costa, acabou por adiar qualquer tomada de posição do Governo sobre a renovação do mandato da actual procuradora, Joana Marques Vidal, ao afirmar, em plenário, que “o calendário impõe que essa decisão tem de ser tomada em Outubro. “Nada direi em público antes de falar com o Presidente da República”, acrescentou. Marcelo Rebelo de Sousa manteve o silêncio em relação a este assunto.

O primeiro-ministro não desautorizou a ministra da Justiça e até concordou com ela a título pessoal. “A senhora ministra respondeu com a sua interpretação jurídica e pessoal. Eu, à primeira vista, tenderei a concordar com essa interpretação”, afirmou Costa. Observou que a ministra “disse expressamente que não estava a expor a posição oficial do Governo, que nunca a apreciou”. Quanto ao futuro, garantiu que o executivo “se reserva a um estudo mais aprofundado” sobre a questão. Comprometeu-se a falar com os partidos sobre o assunto “no momento próprio”. E sem se pronunciar sobre o desempenho do cargo por Joana Marques Vidal, o primeiro-ministro afirmou: “A senhora procuradora-geral está em plenitude de funções, a antecipação do debate sobre o seu futuro não fortalece o exercício das suas funções.”

A polémica surgiu quando de manhã, em entrevista à TSF, Francisca van Dunem afirmou: “A Constituição prevê um mandato longo e único. Historicamente é a ideia subjacente ao mandato.” A ministra lembrou ainda que essa era “a grande questão que se colocava” na época da revisão, quando o procurador era Cunha Rodrigues.

De acordo com os constitucionalistas que estiveram na mesa de negociações em 1997, ouvidos pelo PÚBLICO, é certo que a definição temporal foi feita na Constituição para permitir uma saída política para o facto de Cunha Rodrigues se eternizar no cargo, para o qual fora nomeado em 1984, cessando funções apenas em 2000. Havia, segundo protagonistas do acordo de revisão, um constrangimento do poder político em relação à possibilidade de o Presidente da República exonerar o procurador, pois isso poderia ser visto como uma interferência no poder judicial. A definição de prazos temporais de mandato foi a saída encontrada.

Lacão confirma

O subscritor do acordo de revisão em nome do PS, Jorge Lacão, é explícito em afirmar em declarações ao PÚBLICO que o mandato de procurador-geral da República é renovável. “O estabelecimento na revisão constitucional de 97 de um mandato de seis anos visou resolver a questão ambígua existente à época sobre se deveria entender-se como vitalício ou não o cargo em causa”, contextualiza Lacão. “À luz do princípio republicano de que não há cargos vitalícios foi fácil o entendimento informal que eu próprio tive ocasião de estabelecer com o procurador, o doutor Cunha Rodrigues”, explica.

O então líder parlamentar do PS prossegue: “Dito isto, a Constituição não impede que haja possibilidade de renovação, o que exige é que, se tal acontecer, seja sempre através de uma nova decisão por parte de quem tem competência para o efeito, o Governo e o Presidente da República.” Lacão insiste que, “face à Constituição, a nomeação ou não para um novo mandato é uma opção livre de quem tem competência para o efeito e é ao Governo que cabe a iniciativa de propor num sentido ou noutro”. E conclui: “Valerá ainda a pena referir que, em termos puramente constitucionais, o procurador-geral da República pode ser exonerado a todo o tempo, cumprindo-se regras diferentes das previstas em relação aos juízes do Tribunal Constitucional, que esses, sim, são inamovíveis no decurso do respectivo mandato.”

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