O Presidente de Angola falou com os jornalistas
Em Angola, não há memória de um Presidente responder às questões dos jornalistas de forma directa, sem rede e sem condicionamentos.
A primeira impressão foi de surpresa. Um Presidente de Angola frente a dezenas de jornalistas, nacionais e estrangeiros, a responder a todo o tipo de perguntas. Aconteceu ontem nos jardins do palácio presidencial da Cidade Alta, em Luanda, numa conferência de imprensa que assinalou os primeiros 100 dias de João Lourenço no comando dos destinos do país.
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A primeira impressão foi de surpresa. Um Presidente de Angola frente a dezenas de jornalistas, nacionais e estrangeiros, a responder a todo o tipo de perguntas. Aconteceu ontem nos jardins do palácio presidencial da Cidade Alta, em Luanda, numa conferência de imprensa que assinalou os primeiros 100 dias de João Lourenço no comando dos destinos do país.
A segunda impressão foi de interrogação. O que se está a passar em Angola? Não há memória de um Presidente responder às questões dos jornalistas de forma directa, sem rede e sem condicionamentos. E os temas não foram propriamente mornos — há não muito tempo alguns eram mesmo tabu: corrupção no aparelho do Estado e em geral; excesso de funcionários públicos e salários baixos; negociações com a Santa Sé para uma concordata; relações tensas com Portugal devido ao processo judicial que envolve o ex-vice-presidente; mudanças na administração pública e no aparelho do Estado, incluindo a exoneração dos filhos e filhas de José Eduardo dos Santos de importantes empresas públicas.
Nem as suas relações com o anterior Presidente ficaram de fora. João Lourenço diz não haver qualquer crispação, mas fez algo impensável em Angola: abriu-lhe de par em par as portas de saída da presidência do MPLA.
As declarações do secretário da presidência de Angola, Luís Fernando, na véspera da entrevista já tinham causado surpresa: “A entrevista colectiva é aberta, sem distinção, a todos os jornalistas que dela queiram participar e a todos que queiram viajar a Luanda com este propósito.”
Também na véspera, o editorial do estatal Jornal de Angola chamava-lhe “um novo paradigma” e “um passo relevante para corrigir um mal inconciliável com a democracia até há alguns anos, o do Presidente da República não falar regular e normalmente para a imprensa”. O que não deixa de ser uma forte crítica a Dos Santos.
Diz-se que em Angola há muita coisa a mudar. Talvez ainda seja cedo para certezas, mas as alterações feitas por Lourenço, nomeadamente as de comportamento, até já criaram alguns mitos: diz-se que um dia o carro presidencial parou num semáforo em Luanda e que o Presidente esperou pela sua vez na fila de um restaurante. O que não é um mito é ter ido no primeiro dia do ano passear, em traje de veraneio, com a primeira-dama para a praia do Mussulo. Coisas mesquinhas? Em Angola não. Quanto à conferência de imprensa de ontem a notícia poderia simplesmente ser: “O Presidente de Angola falou com os jornalistas.”