Globos de Ouro 2018: Time's Up, Oprah, Big Little Lies e Três Cartazes à Beira da Estrada
A minissérie da HBO e o filme de Martin McDonagh com estreia marcada para dia 11 ganharam quatro prémios cada um e foram os grandes vencedores da noite. Como previsto, o assédio sexual e a discriminação das mulheres pela indústria pairaram sobre a cerimónia apresentada por Seth Meyers.
Com a grande maioria dos convidados vestida de preto e a usar crachás do movimento Time's Up em protesto contra o assédio sexual e a desigualdade de género que o último ano confirmou serem prática estrutural reiterada na indústria, a edição de 2018 dos Globos de Ouro foi a primeira grande oportunidade para Hollywood falar das acusações que têm saído em catadupa desde que Harvey Weinstein foi acusado em Outubro – Meher Tatna, a presidente da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que é indiana-americana, foi de vermelho, já que na sua cultura o preto é reservado para viúvas que estão de luto. Era esse o tom esperado da cerimónia e foi mesmo isso que se viu na madrugada deste domingo em Los Angeles.
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Com a grande maioria dos convidados vestida de preto e a usar crachás do movimento Time's Up em protesto contra o assédio sexual e a desigualdade de género que o último ano confirmou serem prática estrutural reiterada na indústria, a edição de 2018 dos Globos de Ouro foi a primeira grande oportunidade para Hollywood falar das acusações que têm saído em catadupa desde que Harvey Weinstein foi acusado em Outubro – Meher Tatna, a presidente da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que é indiana-americana, foi de vermelho, já que na sua cultura o preto é reservado para viúvas que estão de luto. Era esse o tom esperado da cerimónia e foi mesmo isso que se viu na madrugada deste domingo em Los Angeles.
Contexto à parte, a noite foi de Big Little Lies e de Três Cartazes à Beira da Estrada. A primeira, a série da HBO criada por David E. Kelley a partir de um romance de Liane Moriarty, já tinha vencido oito Emmys em Setembro e tem um elenco recheado de actrizes icónicas de Hollywood (além de nomes mais recentes): Nicole Kidman, Reese Witherspoon, Laura Dern, Zoë Kravitz e Shailene Woodley. Ganhou os prémios de Melhor Telefilme ou Série Limitada, e, na mesma categoria, o de Melhor Actriz (Kidman, que destronou Witherspoon, nomeada na mesma categoria, e ligou, no discurso, o abuso retratado na série aos abusos da vida real), Melhor Actor Secundário (Alexander Skarsgård) e Melhor Actriz Secundária (Laura Dern, que mencionou uma "cultura de silenciamento" normalizada e a necessidade de se promover "uma justiça restauradora").
O segundo, o filme de Martin McDonagh com Frances McDormand que tem estreia marcada em Portugal para o próximo dia 11, não era o filme mais nomeado – o recorde de nomeações estava com A Forma da Água, de Guillermo Del Toro –, mas foi o mais galardoado. Tal como Big Little Lies, recebeu quatro prémios: Melhor Actriz num Filme Dramático (McDormand, cujo desconforto neste tipo de eventos é palpável, aludiu, no seu discurso, a "uma mudança tectónica na estrutura de poder desta indústria"), Melhor Filme Dramático, Melhor Actor Secundário (Sam Rockwell) e Melhor Guião (McDonagh). Que tanto a série como o filme tenham grandes papéis para grandes actrizes não é coincidência, é o espírito do tempo.
Seth Meyers, que não fez números elaborados e claramente percebeu que o facto de ser um homem a apresentar a cerimónia, numa edição como esta, não era a melhor opção possível, fez por pedir desculpa. E não se coibiu de falar do momento que se vive em Hollywood logo ao início da noite. Referiu-se à “nova era que está a chegar”: “Há anos que um homem branco não se sentia tão nervoso em Hollywood." Foi dos poucos homens a falarem do assunto na noite, já que os vencedores masculinos mantiveram-se geralmente silenciosos nos discursos de agradecimento dos prémios.
O apresentador aproveitou para fazer uma versão com celebridades de Jokes Seth Can't Tell, o brilhante segmento do seu Late Night with Seth Meyers que testa os limites das piadas que um homem branco heterossexual já não deve fazer na televisão pondo pessoas de grupos sobre os quais as piadas costumam ser feitas a fazerem essas mesmas piadas. E gozou, muito, com o sexismo, a homofobia e o racismo enraizados em Hollywood, ajudado por Jessica Chastain, Billy Eichner, Issa Rae, Hong Chau – que aproveitou para dizer que apenas 5% dos papéis com falas no cinema norte-americano vão para asiáticos – e Amy Poehler, ao lado de quem Meyers apresentava Weekend Update, o segmento de notícias de Saturday Night Live.
Meyers também visou directamente Harvey Weinstein, Kevin Spacey, Woody Allen, entre outros nomes sobre os quais têm surgido suspeitas ou mesmo acusações formais. Isto numa sala em que estavam pessoas acusadas de comportamentos impróprios ou sobre as quais existem rumores, muitas delas com pins e a rirem ou a aplaudirem as referências à prevalência do assédio e do abuso sexual na indústria do entretenimento.
No seu discurso, Meyers mencionou a nomeação de Maggie Gyllenhaal por The Deuce, referindo-se à criação de David Simon como um retrato de uma Nova Iorque com uma Times Square “tão sórdida que até havia dois James Franco” – o actor interpreta dois gémeos na série. Franco ganhou um Globo de Melhor Actor numa Comédia ou Musical pelo seu papel como Tommy Wiseau em Um Desastre de Artista – e não deixou o próprio Wiseau falar quando recebeu o prémio. Acusado que foi de tentar seduzir uma adolescente de 17 anos em 2014, o que de resto admitiu, a atribuição de um prémio ao actor e realizador suscitou alguma polémica. Ally Sheedy, que se tornou conhecida nos anos 1980 pelos papéis em filmes como O Clube, e que trabalhou com Franco numa peça por ele encenada em 2014, escreveu no Twitter, e entretanto apagou a mensagem (a The Cut, a secção de moda e lifestyle do site da New York Magazine, tem o registo, bem como a Vanity Fair): “James Francou acabou de ganhar. Por favor nunca me perguntem por que é que saí do negócio do cinema/TV”, depois de usar a hashtag #MeToo para se questionar a razão pela qual Christian Slater – acusado, por exemplo, de abuso sexual em 2005 – e Franco estavam na cerimónia.
Recados para a Casa Branca
Os recentes comentários de Trump no Twitter sobre ser um génio também foram um alvo. E as menções ao Presidente dos Estados Unidos não se ficaram por aí. Seth Meyers ainda se referiu ao facto de se apontar o seu discurso de 2011 no White House Correspondent's Dinner, em que fez pouco das ambições presidenciais de Donald Trump na cara do próprio, como uma das razões que o fizeram querer levar a candidatura ainda mais a sério. Dirigiu-se então a Oprah Winfrey, recomendando-lhe que não se candidatasse à presidência, e depois a Tom Hanks, dissuadindo-o de tentar ser vice-presidente, para tentar convencê-los a fazerem isso mesmo.
A mesma Oprah recebeu o prémio honorário Cecil B. Demille, tornando-se a primeira mulher negra a receber tal honra – cujo nome vem de um realizador que glorificou o Ku Klux Klan –, e fez um discurso apaixonado antecipando um tempo em que as mulheres não tivessem de dizer #MeToo – Tarana Burke, a muitas vezes esquecida criadora desse movimento no final dos anos 1990, foi a acompanhante da actriz Michelle Williams no evento, e outras actrizes levaram outras activistas. A apresentadora evocou as suas memórias de infância e como se sentiu ao ver, em 1964, Anne Bancroft a dar um Óscar a Sidney Poitier.
Oprah lembrou também a luta de Recy Taylor, uma mulher negra do Alabama violada em 1944 por seis homens brancos que nunca foram condenados, e que morreu no passado dia 28 de Dezembro. E ainda deixou claro que o assédio e os abusos sexuais não afectam só a indústria do entretenimento, demonstrando gratidão por mulheres que, como a sua mãe, "suportaram anos de abuso e agressão porque tinham crianças para alimentar e contas para pagar e sonhos para perseguir". "São as mulheres cujos nomes nunca conheceremos", sublinhou.
Ainda antes desse discurso, e ao ganhar o prémio de Melhor Actor numa Série Dramática, a palavra "Oprah" foi a primeira que saiu da boca de Sterling K. Brown, o Randall de This is Us. O actor agradeceu a Dan Fogelman, o criador da série, por ter escrito um papel para um homem negro, algo que não é comum. Já o Melhor Actor num Filme Dramático, o prémio entregue por Geena Davis e Susan Sarandon – numa reunião de Thelma & Louise –, foi Gary Oldman, pela sua prestação como Winston Churchill em A Hora Mais Negra, que se estreia no dia 11. Na semana seguinte chegará Uma Mulher Não Chora, o filme do alemão Fatih Akin com Diane Kruger que ganhou o prémio de Melhor Filme Estrangeiro.
No campo das séries, Elisabeth Moss ganhou o prémio de Melhor Actriz numa Série Dramática por The Handmaid's Tale, e gabou, no discurso, o facto de as histórias sobre mulheres, antes pouco comuns, terem chegado em força à televisão; a série propriamente dita ganhou o Globo de Ouro para Melhor Série Dramática. Rachel Brosnahan, de The Marvelous Mrs. Maisel, ganhou o galardão de Melhor Actriz numa Série de Comédia ou Musical, e a série ganhou o prémio de Melhor Série de Comédia ou Musical. No cinema, Allison Janney levou para casa uma estatueta pelo papel como mãe da patinadora artística Tonya Harding em Eu, Tonya, de Craig Gillespie, que chega ao nosso país a 22 de Fevereiro.
O Melhor Actor numa Série Dramática foi Ewan McGregor, pelo duplo papel de gémeos na mais recente temporada de Fargo. Já o Melhor Actor numa Série Cómica ou Musical foi Aziz Ansari, pela sua prestação na segunda temporada da sua própria criação, Master of None – e agradeceu a Itália, onde parte da época da série se passou, "por toda a comida incrível".
Todos homens
A apresentar os nomeados para Melhor Realizador, Natalie Portman referiu-se ao facto de serem "todos homens". Quem ganhou foi Guillermo Del Toro, um dos dois prémios para o seu A Forma da Água, o filme mais nomeado da noite – o outro foi para Alexandre Desplat, que fez a banda sonora –, com estreia marcada para 1 de Fevereiro. A Melhor Canção foi This is me, de O Grande Showman, com o galardão a ir para a dupla de Benj Pasek e Justin Paul. Não foi, portanto, para Remember me, de Coco, que se teve de contentar com o prémio de Melhor Filme Animado.
A actriz poderia estar a referir-se à estranheza que foi Lady Bird, o filme de Greta Gerwig, ter ganho os prémios de Melhor Comédia e de Melhor Actriz num Filme de Comédia ou Musical (para Saoirse Ronan) e não estar nomeado para o prémio de realização. Barbra Streisand, que apresentou o prémio de Melhor Filme, foi a única mulher que ganhou um Globo de Ouro de realização (em 1984, por Yentl), e deixou claro o quão estranho era não existirem mais mulheres a realizar e a serem reconhecidas como realizadoras. Mais tarde, no Twitter, a lenda do entretenimento escreveu que "estava muito desapontada" por nem Dee Rees, a realizadora do "poderoso filme" Mudbound - As Lamas do Mississípi, nem o próprio filme, que chega a Portugal no dia 18, terem sido nomeados. Ainda mencionou, na mesma rede social, que gostaria de ter visto Patty Jenkins e o seu Wonder Woman também serem reconhecidos.