Morreu France Gall, menina de Serge Gainsbourg, mulher de Michel Berger

Um dos principais nomes do yé-yé dos anos 1960, a cantora tinha 70 anos.

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Protótipo não totalmente encenado da jovem loira ingénua, quase infantil, de olhar melancólico (quase como se adivinhasse o seu futuro algo trágico, sugeria o El País no obituário que lhe dedicou), France Gall foi uma das principais vozes do yé-yé, estilo que apaixonou a França dos anos 1960 e que as suas canções, como as de Françoise Hardy, disseminaram por um mundo que ainda era então razoavelmente francófono. Com a sua morte este domingo em Paris, provocada pela recidiva de um cancro que enfrentava há dois anos “com discrição e dignidade”, como referia o comunicado da sua agente, o país perdeu mais um dos seus ícones (há apenas um mês fora um dos maiores, Johnny Hallyday). Na sua nota de condolências, o Presidente Emmanuel Macron elogiou a sinceridade e a generosidade de France Gall, lembrando que deixou “o exemplo de uma vida dedicada aos outros, , àqueles que amava e àqueles que ajudava". Já Françoise Nyssen, a ministra da Cultura, descreveu-a como um "ícone intemporal da canção francesa", que "soube dirigir-se a todas [as gerações]": "Enfrentou os seus combates pessoais sem deixar de dar tudo pela música. Deixa-nos, mas seguramente continuaremos a dançar ao som dos acordes que tanto amamos."

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Protótipo não totalmente encenado da jovem loira ingénua, quase infantil, de olhar melancólico (quase como se adivinhasse o seu futuro algo trágico, sugeria o El País no obituário que lhe dedicou), France Gall foi uma das principais vozes do yé-yé, estilo que apaixonou a França dos anos 1960 e que as suas canções, como as de Françoise Hardy, disseminaram por um mundo que ainda era então razoavelmente francófono. Com a sua morte este domingo em Paris, provocada pela recidiva de um cancro que enfrentava há dois anos “com discrição e dignidade”, como referia o comunicado da sua agente, o país perdeu mais um dos seus ícones (há apenas um mês fora um dos maiores, Johnny Hallyday). Na sua nota de condolências, o Presidente Emmanuel Macron elogiou a sinceridade e a generosidade de France Gall, lembrando que deixou “o exemplo de uma vida dedicada aos outros, , àqueles que amava e àqueles que ajudava". Já Françoise Nyssen, a ministra da Cultura, descreveu-a como um "ícone intemporal da canção francesa", que "soube dirigir-se a todas [as gerações]": "Enfrentou os seus combates pessoais sem deixar de dar tudo pela música. Deixa-nos, mas seguramente continuaremos a dançar ao som dos acordes que tanto amamos."

Nascida Isabelle Geneviève Marie Anne Gall (custou-lhe habituar-se a “France”, que achava um nome demasiado “duro”) a 9 de Outubro de 1947, na capital francesa, cresceu numa família com longa e reconhecida tradição musical: o pai, o letrista Robert Gall, escreveu canções para Edith Piaf ou Charles Aznavour; a mãe era por sua vez filha de Paul Berthier, co-fundador do grupo Les Petits Chanteurs à la Croix de Bois. Foi de resto o pai que a encorajou a enviar as suas primeiras gravações para o produtor Denis Bourgeois, então na Philips, que viria a ser a sua primeira editora discográfica.

A rádio estreou o seu primeiro single, Ne sois pas si bête, no exacto dia em que fez 16 anos. Serge Gainsbourg seria chamado a compor o segundo, N’écoute pas les idoles, que durante três semanas liderou a tabela de vendas em França. Juntos tiveram outros sucessos (“Graças à minha filha, vamos fazer fortuna”, antecipara Robert Gall...), como Laisse tomber les filles, em 1964, que voltou a ser ouvido recentemente na banda sonora do filme À Prova de Morte, de Quentin Tarantino, em inglês, na voz de April March, e sobretudo, no ano seguinte, Poupée de cire, poupée de son, com que venceriam o Festival da Eurovisão, representando o Luxemburgo. A seguir, Gainsbourg oferecer-lhe-ia Sucettes, canção libidinosa sobre chupa-chupas de anis, cujo duplo sentido sexual a cantora, então com 18 anos, só perceberá muito mais tarde. Gainsbourg vangloriar-se-á de ter composto “a canção mais ousada do século”, France Gall, humilhada, nunca mais quererá trabalhar com ele (mas entretanto tinham passado muitos anos e muitas colaborações). “Eu era uma menininha num ofício de adultos, um ofício muito duro, e muito cruel para uma adolescente”, recordará décadas mais tarde num documentário da France 3. "Nunca teria feito essa canção se me tivessem explicado o seu verdadeiro sentido. [Esse episódio] feriu-me imenso; mais do que ferir-me, mudou a minha relação com os rapazes, via-os todos como seres lúbricos. Foi um choque terrível...", acrescentava na mesma emissão. 

A sua carreira esmoreceu no final da década de 60, após uma série de lançamentos menos bem-sucedidos e o fim da sua relação com Denis Bourgeois e com a Philips. Seria o encontro com o cantor Michel Berger, em 1973, a relançá-la: chegou a dizer desse encontro que foi um verdadeiro nascimento ("Nasci quando o conheci, um pouco como a Bela Adormecida"). Casou com ele três anos depois e os dois mantiveram uma duradoura e produtiva relação de colaboração musical que terá tido o seu apogeu em 1979 com a ópera-rock Starmania, composta por Berger e Luc Plamondon, e lhe deu de novo visibilidade nas tabelas e amplo sucesso radiofónico com canções como Il jouait du piano debout (1980), Résiste (1981), que seria ressuscitada em 1997 por Sabine Azéma numa cena de É Sempre a Mesma Cantiga, de Alain Resnais (1922-2014), ou Ella, elle l'a (1987), em homenagem a Ella Fitzgerald.

Até à morte de Berger, em 1992, de ataque cardíaco, Gall não cantou canções de mais ninguém. Um ano depois, era-lhe diagnosticado cancro da mama, cinco anos depois, em 1997, perdia também uma filha, vítima de fibrose cística. Desde então, a cantora mantinha-se afastada dos palcos (mas próxima das causas humanitárias a que se dedicava desde a década de 80, sobretudo em África); o seu oitavo e último álbum de estúdio, France, tinha sido lançado em 1996.  

Em 2001, a France 3 difundiu o documentário France Gall par France Gall, em que se auto-retratava como uma mulher que aprendeu com a vida "a não ter medo de absolutamente nada". Douce France, a sua biografia, escrita por Alain Wodrascka, saiu em 2015. Antes, em 2010, a actriz Sara Forestier encarnou-a no filme que o francês Joann Sfar realizou sobre Serge Gainsbourg, Gainsbourg  Vida Heróica.