As histórias do MASP vão ser afro-atlânticas em 2018

O programa do Museu de Arte de São Paulo para este ano inclui uma exposição do escultor e arquitecto mestiço "Aleijadinho" e outra do artista negro norte-americano Jean-Michel Basquiat.

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Como tem sido prática do MASP, curadores, artistas, investigadores e escritores irão trabalhar em conjunto Paulo Whitaker/REUTERS

Tudo indica que as questões raciais continuarão a ser centrais no Brasil de 2018. O Museu de Arte de São Paulo (MASP) também vai ser uma voz activa neste diálogo, com o próximo grande tema do museu a ser dedicado às Histórias Afro-Atlânticas.

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Tudo indica que as questões raciais continuarão a ser centrais no Brasil de 2018. O Museu de Arte de São Paulo (MASP) também vai ser uma voz activa neste diálogo, com o próximo grande tema do museu a ser dedicado às Histórias Afro-Atlânticas.

Uma importante exposição será inaugurada em Maio de 2018, juntamente com o Instituto Tomie Ohtake, centrada na ideia de “fluxos e refluxos” entre a África, as Américas, o Caribe e a Europa. Imagens, objectos e documentos, do século XVI ao XXI, irão explorar temas como as viagens e o tráfico de escravos, a celebração e a religião, a liberdade e a abolição, a punição e a insurreição, tal como os activismos da contemporaneidade. Várias exposições de artistas individuais estão também a ser preparadas: de Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como o “Aleijadinho”, escultor e arquitecto mestiço, nascido no Brasil na primeira metade do século XVIII, a Jean-Michel Basquiat, artista negro norte-americano (1960-1988). Como tem sido prática do MASP, curadores, artistas, investigadores e escritores irão trabalhar em conjunto. A investigação, o pensamento crítico e o activismo, que existem no Brasil e que, nos últimos tempos, têm ganho novos contornos, ficarão com certeza mais ricos.

Segundo Lilia Schwarcz — autora da biografia sobre o intelectual negro Lima Barreto publicada em 2017 e curadora da exposição Histórias Afro-Atlânticas —, “os brasileiros achavam que uma série de direitos estavam garantidos, mas não estão e temos de estar sempre a lutar por eles, sobretudo num país como o nosso, que admitiu a escravatura durante tanto tempo”.

O ano de 2017 foi um ano de ataques a exposições, performances artísticas ou à academia, mas foi também o ano em que o debate sobre as questões raciais no Brasil ganhou uma dimensão inusitada e em que se deram muitas transformações positivas e pioneiras.

Na Universidade de São Paulo, a maior da América Latina, a historiadora Iris Kantor explicou-me como os muitos estudantes negros que víamos no campus eram já resultado de uma pequena grande revolução — pela primeira vez na história, a USP aprovou quotas de entrada para “alunos de escola pública” e “pretos, pardos e indígenas (PPI)” em todos os cursos. A meta é aumentar o número, progressivamente, nos próximos anos, numa tentativa de minorar desigualdades raciais e sociais.

A FLIP de 2017, o mais importante festival literário brasileiro, em Paraty, recebeu 30% de escritores negros, e estabeleceu uma equidade de género entre os conferencistas convidados — 23 mulheres e 23 homens —, dois gestos simbólicos e políticos que tiveram um forte impacto no panorama literário e cultural brasileiro. Lima Barreto, o intelectual negro do período pós-abolição da escravatura, foi o homenageado, lembrando como ele, no início do século XX, denunciou o racismo e a corrupção, dois problemas que persistem no Brasil contemporâneo. 

Foi na FLIP, precisamente durante a discussão do painel onde a jornalista do PÚBLICO Joana Gorjão Henriques apresentava o seu livro Racismo em Português. O lado esquecido do colonialismo, que a professora Diva Guimarães, uma mulher negra, se levantou para contar a sua história de exclusão racial. O vídeo teve um enorme impacto e tornou-se um outro exemplo das vozes de mulheres negras que têm surgido com força na esfera pública brasileira: a actriz e MC Roberta Estrela d’Alva, as escritoras Mel Duarte, autora de Negra, Nua e Crua, e Ana Maria Gonçalves, autora de Defeito de Cor, ou a realizadora Viviane Ferreira, entre tantas outras.

Em São Paulo, gostei especialmente de visitar o Museu Afro Brasil, em São Paulo, um museu riquíssimo criado a partir da colecção particular de Emanoel Araújo, que pode ser comparado ao fabuloso National Museum of African American History and Culture, em Washington. Só que enquanto o norte-americano é de 2016, o sul-americano foi criado em 2004. A cultura africana na América em vários momentos históricos, da escravatura à contemporaneidade, em dois espaços museológicos que, apesar de muito distintos, são fruto de uma investigação e reflexão aprofundadas. No futuro, qualquer projecto de organização de uma exposição ou de um museu sobre estas questões terá muito a aprender com estas duas experiências museológicas.