Quando os adultos perdem a magia

Um dia deixamos de acreditar no Pai Natal, no outro dia deixamos de acreditar nos nossos sonhos, depois, aos poucos, vamos deixando de colocar questões

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Caleb Woods/Unsplash

Quando passamos muito tempo rodeados por crianças, a grande maravilha é que voltamos a sentir curiosidade pelas coisas mais pequenas, a desenvolver um sentido de exploração e de criação que parecia estar esquecido no mais ínfimo de nós. É absolutamente encantador a forma como quase todas as crianças são de uma sensibilidade e intuição fora do vulgar, ao mesmo tempo que é absolutamente assustador a forma como a maior parte dos crescidos parece ter-se distanciado tanto de si próprio, ao ponto de ter perdido uma das suas facetas mais acutilantes.

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Quando passamos muito tempo rodeados por crianças, a grande maravilha é que voltamos a sentir curiosidade pelas coisas mais pequenas, a desenvolver um sentido de exploração e de criação que parecia estar esquecido no mais ínfimo de nós. É absolutamente encantador a forma como quase todas as crianças são de uma sensibilidade e intuição fora do vulgar, ao mesmo tempo que é absolutamente assustador a forma como a maior parte dos crescidos parece ter-se distanciado tanto de si próprio, ao ponto de ter perdido uma das suas facetas mais acutilantes.

É como se, à medida que se cresce, toda a magia se fosse apagando. Um dia deixamos de acreditar no Pai Natal, no outro dia deixamos de acreditar nos nossos sonhos, depois, aos poucos, vamos deixando de colocar questões (e a idade dos porquês, não tenhas dúvidas, sempre foi uma espécie de alavanca de nós próprios), passamos a piloto automático e deixamos de acreditar nos sinais mais subtis e na nossa sensibilidade. Ou, em circunstâncias limite, deixamos que desapareçam.

Às vezes é como se os crescidos estivessem tão afastados de si próprios que mais parecem desligados e este estado "ausente" pode tornar-se numa luta com as crianças que vivem perto de cada adulto e que, de repente, saltam para o campo dos crescidos mais rápido, parecendo, também elas, já ter deixado cair a sua luz e a capacidade de questionar e acreditar. Nestas circunstâncias, os crescidos dessintonizam-se não só de si mas também do mundo e das crianças, pois parece-lhes impossível alguns dos voos das crianças. Por exemplo, que elas tenham medo de um fantasma: afinal, quem, com juízo, acredita num fantasma? Parece-lhes impossível que elas sejam capazes de construir histórias e fantasias, de perceber que a mãe está triste mais depressa do que a própria mãe ou que se sintam gratas pelas mais pequenas coisas.

É quando os adultos se desligam de si próprios que tudo parece confuso para as crianças à sua volta, as quais, a certa altura, parecem ter de explicar tudo aos adultos, de falar e sentir por eles. E assim, aos poucos, crianças e adultos vão soltando as suas mãos. A não ser quando o mais trágico acontece — e não raras vezes acontece— quando, para se ligarem aos adultos que amam, as crianças perdem a sua criança e se tornam pequenos adultos. E não há dúvidas de que nenhuma criança devia crescer muito rápido para ser uma amostra de adulto, mas todos os adultos deviam ser amostras de crianças e, em alguns aspectos, continuar a ficar pequeninos.

Pois, acreditem, só perdemos a ligação connosco próprios, só deixamos de ser sensíveis e intuitivos, só deixamos que a luz se apague quando deixamos de acreditar em nós e no mundo à nossa volta, quando aos poucos nos formos deixando amputar do melhor de nós.