Médicos internos que deixem o interior arriscam três anos fora do SNS
Numa proposta de decreto-lei, o Ministério da Saúde faz regressar as vagas preferenciais para vincular especialistas aos hospitais carenciados. Proposta diz não ao fim do ano comum, que podia acabar este ano, e fala na possibilidade do novo exame de acesso ao internato ser pago pelos jovens médicos.
Os médicos internos vão voltar a receber incentivos para escolherem hospitais com carências na sua área de especialidade, onde terão que trabalhar durante três anos após o fim da formação. Caso quebrem esse contrato, ficam impedidos de exercer no Serviço Nacional de Saúde (SNS) durante três anos. Esta é uma das alterações ao Regime Jurídico do Internato Médico que constam da proposta de decreto-lei do Ministério da Saúde, a que o PÚBLICO teve acesso.
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Os médicos internos vão voltar a receber incentivos para escolherem hospitais com carências na sua área de especialidade, onde terão que trabalhar durante três anos após o fim da formação. Caso quebrem esse contrato, ficam impedidos de exercer no Serviço Nacional de Saúde (SNS) durante três anos. Esta é uma das alterações ao Regime Jurídico do Internato Médico que constam da proposta de decreto-lei do Ministério da Saúde, a que o PÚBLICO teve acesso.
A proposta, datada de 6 de Dezembro, ainda irá a Conselho de Ministros. Caso seja aprovada, são várias as novidades: o ano comum vai mesmo manter-se, os candidatos podem ter que pagar para fazer o exame de acesso ao internato e passa a estar definido na lei que os internos podem fazer, no máximo, 12 horas semanais de urgência. Um documento que, com algumas ressalvas, o presidente do Conselho Nacional do Internato Médico (CNIM), João Paulo Farias, considera “muito equilibrado”.
Segundo esta proposta, o médico interno pode ocupar uma vaga num hospital com carências na sua área de especialidade — normalmente no interior do país, Alentejo, Algarve e ilhas —, recebe incentivos à mobilidade e faz a formação num hospital com capacidade para o formar. No fim do internato, fica a trabalhar naquele hospital durante, pelo menos, três anos. Os incentivos incluem um subsídio de 40% da renumeração base nos primeiros três anos, mais dois dias de férias, ajudas profissionais para o cônjuge e transferência escolar dos filhos. É o regresso das vagas preferenciais ou protocoladas — que deixaram de estar contempladas num decreto-lei do anterior governo, de 2015 —, pelo qual o CNIM se congratula. O Bloco de Esquerda e o PCP também já o tinham pedido.
Mas João Paulo Farias gostava que o documento fosse mais longe: “A proposta do conselho é que os médicos internos que não cumpram o contrato tenham que devolver o incentivo que recebem durante os quatro, cinco ou seis anos da especialidade, para além de verem vedado o acesso ao sector público”. Ao contrário do que acontecia antes de 2015, a proposta agora em cima da mesa fala apenas desta última penalização: não podem trabalhar durante três anos nos hospitais e serviços públicos, a não ser que o ministro lhes dê autorização para voltar.
Sindicatos estão contra
Já em Setembro, o ministro da Saúde, em entrevista ao Sol, admitira a possibilidade de obrigar os jovens médicos a um período mínimo de fidelização com o serviço público que poderia ir até cinco anos. O que valeu de imediato as críticas do bastonário da Ordem dos Médicos: “Obrigar é um mau princípio numa democracia”, disse Miguel Guimarães. A intenção avançou apenas para as vagas preferenciais.
A Federação Nacional dos Médicos (Fnam) já se pronunciou contra este modelo por considerar, num comunicado de Setembro, que as vagas preferenciais “põem em causa o direito da liberdade contratual do médico durante três anos”. Para o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) este é também um dos “vários aspectos” com os quais não concordam. O seu secretário-geral, Jorge Roque da Cunha, acusa o ministério de Adalberto Campos Fernandes de “prolongar uma negociação aparente com os sindicatos há mais de um ano”.
Este tipo de vagas já sofreu várias alterações desde a sua criação em 2004, altura em que os médicos tinham que trabalhar no hospital de origem pelo menos cinco anos após o internato. De 2009 até 2015, tinham que ficar o mesmo número de anos que levaram a tirar a especialidade. Não cumprir, significava devolver a bolsa.
Ano comum é para continuar
Caso o Governo aprove o documento, torna-se também oficial que o ano comum não vai acabar, como o anterior decreto-lei previa que acontecesse este ano. A manutenção do ano de formação geral antes da especialidade já tinha sido, aliás, assumida pelo secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, em Novembro, e defendida pelo grupo de trabalho que o governo PSD/CDS criou para avaliar a questão. O ano comum vai assim manter-se, mas muda de nome para formação geral e carece da restante regulamentação.
A actual proposta revoga ainda a existência de uma nota mínima para fazer a nova Prova Nacional de Acesso à especialidade, que substitui o anterior exame conhecido como Harrison. O anterior governo, com o apoio do CNIM, queria que existisse uma classificação mínima e plasmou-o no decreto-lei. O actual executivo opôs-se e a Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) aplaude a decisão.
A proposta de decreto-lei define também que os internos podem trabalhar, no máximo, um período único de 12 horas por semana em serviço de urgência, nas unidades de cuidados intensivos, cuidados intermédios ou unidades similares. Algo que não constava no anterior documento, levando a que os internos “trabalhassem como os médicos que já terminaram a formação, ou seja, 18 horas de urgência”, frisa João Paulo Farias.
O PÚBLICO tentou, sem sucesso, perceber junto da tutela quando é que o documento iria a Conselho de Ministros.
Notícia corrigida: João Paulo Farias é presidente do Conselho Nacional do Internato Médico, não do Conselho Nacional do Médico Interno, órgão pertencente à Ordem dos Médicos, como anteriormente indicado.