“Tem havido encerramentos de estações desde sempre” nos CTT
João Bento Para o presidente da Gestmin, o maior investidor da empresa com 11%, criou-se um “enorme equívoco” em relação à qualidade dos CTT. Sobre o contrato de concessão, diz o gestor do grupo de Manuel Champalimaud, este tem de ser “razoável”.
João Bento é o presidente da Gestmin, holding de Manuel Champalimaud que se tornou no maior accionista dos CTT com 11% do capital. Para o gestor, uma “degradação da rentabilidade e do valor” abre espaço a uma OPA sobre a empresa. Do plano para melhorar as contas dos CTT faz parte o fecho de balcões, estratégia que João Bento relativiza. “Tem havido encerramentos e transformações de estações em postos desde sempre”, sublinha o gestor, numa entrevista efectuada na quinta-feira e complementada esta terça após o Eco ter noticiado a a lista de 22 balcões a fechar.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
João Bento é o presidente da Gestmin, holding de Manuel Champalimaud que se tornou no maior accionista dos CTT com 11% do capital. Para o gestor, uma “degradação da rentabilidade e do valor” abre espaço a uma OPA sobre a empresa. Do plano para melhorar as contas dos CTT faz parte o fecho de balcões, estratégia que João Bento relativiza. “Tem havido encerramentos e transformações de estações em postos desde sempre”, sublinha o gestor, numa entrevista efectuada na quinta-feira e complementada esta terça após o Eco ter noticiado a a lista de 22 balcões a fechar.
Reforçaram a posição nos CTT para 11%. Isto é um sinal de que estão dispostos a reforçar a posição, ou foi apenas porque o preço está muito baixo?
Tem elementos das duas coisas, porque se deve sempre optimizar a forma e o período como se compram as acções, mas tem a ver sobretudo com a primeira. Temos vindo a construir, com uma certa tranquilidade, uma posição relevante nos CTT. Agora, quisemos juntar, à oportunidade de a cotação estar abaixo do seu justo valor, a grande convicção que temos no projecto, num altura em que era preciso dar um sinal de que o plano de transformação operacional que foi apresentado é um plano onde nos revemos e que volta a colocar a empresa numa rota de crescimento sustentável.
Têm autorização para subir até quanto? 20%?
As regras e restrições do Banco de Portugal aplicam-se porque os CTT são o único accionista do Banco CTT. Mas estamos longe dos 20%.
Mas estão a caminho?
O nosso objectivo é o de manter uma presença relevante e um papel activo na definição da estratégia e no acompanhamento da actividade da empresa. Estivemos muito envolvidos no desenho deste plano de transformação operacional, que é uma verdadeira agenda de reforma da empresa. Os serviços postais convencionais, as cartas, estão a acabar no mundo inteiro, e Portugal tem o enorme benefício de saber o que vai acontecer. No nosso país, cerca de 80% dos proveitos ainda são do serviço postal convencional, quando no centro e norte da Europa, que estão mais à frente no tempo, a percentagem é inferior a 50%. Isso é algo que vai acontecer aqui, pelo que é preciso preparar a empresa. Voltando à sua pergunta, não temos um objectivo quantificado, mas queremos que a nossa participação seja relevante. Gostaríamos de ter outros accionistas connosco no conselho dos CTT, mas até agora grande parte dos accionistas têm sido os chamados dividend players..
…como fundos…
Uns são fundos, outros são gestores de activos, são investidores sem cara.
Veriam então com bons olhos a entrada de outro investidor de referência português?
Veríamos com bons olhos, outros investidores de referência, portugueses ou não. Mas obviamente que damos muita importância à natureza portuguesa deste investidor. No futuro, os CTT vão ser uma empresa diferente, vão ser um operador logístico e financeiro, como são a generalidade dos operadores postais convencionais, de serviço universal, em toda Europa. Se os CTT não percorrerem esse percurso de forma inteligente e eficiente há dois riscos: um é o de se tornar irrelevante, de não ser capaz de concorrer naquilo que é uma das grandes alavancas de crescimento, que é a operação logística, muito guiada pelo comércio electrónico. O outro risco, que é simultâneo ao primeiro, é o de, pela degradação da sua rentabilidade e do seu valor, haver uma operação e a empresa deixar de ser portuguesa.
Está a falar de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA)?
Sim, por exemplo. O que não podemos de deixar de ter em conta é que Portugal - e ainda há dias ouvi o primeiro-ministro a dizer isso, e muito bem - não pode deixar de ter um serviço universal. Há só um país na Europa onde se acabou com o serviço universal e teve uma consequência desastrosa. Em 2016, só para se ter uma ideia, o governo dinamarquês, ou seja, os contribuintes, tiveram de injectar duzentos milhões de euros. E obviamente, havendo serviço universal, só pode ser prestado pelos CTT.
Não tem necessariamente de ser assim.
Não tem por lei, mas o natural é que seja o operador postal que está instalado, que tem a rede, as pessoas, a tecnologia. Mas para isso tem de manter-se uma empresa eficiente.
O contrato com o Estado acaba em 2022. Os CTT estão dispostos a mantê-lo a troco de quê? De que contrapartida?
Nós não somos membros da comissão executiva dos CTT, somos apenas o seu maior accionista. A nossa visão quanto a essa matéria é a de que dificilmente alguém conseguiria prestar um serviço universal de forma mais eficiente do que os CTT. Agora, como acontece em tudo o que são monopólios naturais, a tendência normal é haver menos Estado e melhor Estado. Isso significa que as funções que achávamos normal no passado serem cumpridas pelo Estado são em grande medida desenvolvidas pelos privados e o Estado tem de ser um muito bom regulador. Para que haja um serviço universal, seja quem for o operador, tem de haver um bom contrato de concessão e um bom regulador. Tenho muitos anos de regulação, porque fui administrador da Brisa e negociei muitos contratos de concessão em vários países do mundo, e fiz essa afirmação diversas vezes. Acho que é muito importante haver reguladores fortes, porque só assim é que pode haver bons mercados regulados.
Voltando ao tema da pergunta, o que é normal é que sejam os CTT, e a contrapartida não tem que existir porque na forma como o serviço universal foi concebido não é pago pelos contribuintes, é pago pelos utilizadores. Ou seja, o preço dos serviços de correio é feito tendo em conta a procura e o volume. Se houver menos cartas, vai ser cada vez mais caro entregá-las, mas isso não tem nada de perverso, é uma inevitabilidade. Se nós quisermos que as cartas continuem a chegar a todos os pontos do país, provavelmente será mais caro e teremos de aceitar que os tempos de entrega possam ser diferentes. Não tem de haver contrapartida. Qual é que é a contrapartida? É ter um contrato de concessão que seja razoável.
Menos exigente quanto a prazos de entrega e à densidade da rede?
Não necessariamente. Tem de ser adequado àquilo que a sociedade considere aceitável. A mudança é inevitável, seria quixotesco esperar que as pessoas, o Estado, os bancos ou as empresas de serviços continuassem a enviar cartas e não faz sentido combater isso. O que faz sentido é que o preço que todos os que utilizam o correio vão ter de pagar, será cada vez mais alto, porque há cada vez menos procura.
Advoga portanto preços regulados mais altos?
Preços mais altos e, se for caso disso, prazos diferentes. Agora, o operador do serviço universal o que tem de fazer é responder de forma impecável, com níveis de qualidade e temporalidade absolutamente inatacáveis do ponto de vista do contrato. Mas a natureza do contrato e o nível de qualidade que o contrato exige, isso não compete ao operador postal, compete ao concedente Estado escolher.
Se 80% dos proveitos dos CTT ainda vêm da correspondência convencional, abrir mão do serviço universal criaria margem para perder parte dessas receitas?
Não tanto. Como é que nós, Gestmin, vemos o futuro dos CTT? Os CTT eram um operador postal, no futuro serão um operador de logística [encomendas], com uma componente de serviços financeiros importante. A empresa escolheu um caminho, um plano no qual este investidor se revê, em que a componente de expresso e encomendas e de serviços financeiros há-de ser um dia muito mais importante do que o serviço postal convencional. Temos os proveitos do correio a cair mais depressa do que se pensava – e daí o profit warning [alerta que a empresa fez no final de Outubro deste ano] – e duas áreas a crescer. Respondendo à sua pergunta, para nós, não é preferível, ou deixa de ser preferível ter o serviço universal. O que é garantido é que esta empresa, com a rede, com a tecnologia e com as pessoas que tem, um dia terá menos correio e mais encomendas e serviços financeiros.
Relembrou o aviso que os resultados iam ser menores do que o esperado e disse que compraram as acções para destacar a mensagem de que estão abaixo do preço que deviam estar…
O que queria dizer é que comprámos para mostrar que acreditamos no plano de reestruturação que foi apresentado e no projecto.
Mas aparentemente não são muitos os que acreditam, porque as acções subiram um pouco após a apresentação do plano, mas voltaram a descer e continuam a cerca de um terço do valor a que estavam no final de Outubro. Como é que lê este sinal?
Nós achamos que ainda não está totalmente expurgado do corpo accionista dos CTT um conjunto de investidores de dividendo. Os CTT, mesmo com a cotação bastante mais acima, tinham um dividend yield [taxa de dividendo] muito elevado, que agora está totalmente insustentável. Há uma semana estava em 10%, 11%. É evidente que nenhuma empresa consegue sustentar uma relação destas entre o dividendo e a cotação. Isto significa o quê? Na nossa opinião significa que o dividend yield estava elevado e que o dividendo teria de baixar – e por isso já se anunciou que o dividendo agora vai ser diferente – e que a cotação tem de subir. Nós não somos um dividend player, a Gestmin não está nos CTT pelo dividendo e sim numa lógica de muito longo prazo. Nós queremos ser um industrial group – industrial no sentido inglês do termo, pode ser indústria ou serviços. E porque é que aceitamos ter uma parte tão relevante do nosso portefólio de investimento nesta participação estratégica? Porque achamos que faz sentido se tivermos capacidade para influenciar e participar no desenho da estratégia e no seu acompanhamento, numa lógica de muito longo prazo. Se tiver alguma liquidez, melhor, porque de repente pode aparecer uma oportunidade extraordinária e queremos fazer uma aquisição e temos esse conforto, mas não precisamos do dividendo para financiar o crescimento das nossas operações. Não estou a dizer que não gostamos de dividendos, gostamos imenso, mas a nossa lógica…
Foram sete milhões de euros em 2016, entre CTT e REN.
Isso, mas se for ver o que distribuímos de dividendos, verá que não precisamos desse dinheiro para esse fim. E temos um balanço muito seguro e capacidade para nos financiarmos. Os CTT estão a fazer uma análise, com recurso a consultores, da sua base accionista, mas a minha intuição é que a erosão da acção teve a ver com a redução do dividendo anunciada a 31 de Outubro e com o profit warning. Isso fez com que os dividend players percebessem que este dividendo de 47, 48 cêntimos, e esta política de dividendos de crescimento estável, não eram sustentáveis. Tivemos saídas brutais. Por exemplo a Allianz reduziu de 5% para 2% em menos de um mês… Achamos que esse processo ainda não acabou e que vai haver durante algum tempo uma substituição de accionistas.
Acha que vão entrar mais investidores de longo prazo nos CTT?
Este investimento não depende da nossa convicção quanto aos outros accionistas. Investimos porque é uma grande empresa portuguesa, que precisa de ter um accionista de referência português, que tem duas alavancas de crescimento muito interessantes: um banco de retalho que está a correr bem, e o negócio de encomendas. Só para vos dar uma ideia daquilo que alimenta o nosso optimismo, em Portugal, o número médio de encomendas originadas e compradas no país, por ano e por pessoa, é de um. Quando os CTT foram privatizados, em Portugal já era um e em Espanha era de dois. Passados estes anos, em Espanha subiu para quatro e Portugal mantém-se em um, em parte porque aqui ainda há pouca oferta e compramos muito lá fora. Nos países do grupo seguinte, este número anda nos sete ou oito por ano, mas em países em que o comércio electrónico começou a florescer mais cedo, como por exemplo a Alemanha, é de 26. Portanto, o potencial de crescimento é enorme. A nossa convicção não é tanto sobre se vai haver mais investidores como nós – eu acredito que sim – o que interessa é se a empresa em que os CTT se estão a transformar é ou não uma empresa com alavancas de crescimento. Acreditamos muito que sim. É muito importante que os CTT, em particular sendo o operador do serviço universal, sejam uma empresa portuguesa e também acho que é bom que tenham accionistas portugueses ou pelo menos uma base accionista portuguesa forte, e nós achamos que podemos desempenhar esse papel. A acção deve subir? Eu acho que tem de subir. Se o banco continuar numa rota em que em breve passará a contribuir positivamente para a construção do EBITDA, se os CTT garantirem a liderança do expresso encomendas em Portugal e Espanha, que é um mercado que vai crescer gigantescamente…
Continuamos a ter a concorrência de fora…
Certo, nós compramos muito a Espanha e no comércio ibérico temos a obrigação de capturar uma grande parte, porque temos uma operação ibérica. Mas também temos de ser capazes de fazer o que os outros países fizeram, grande parte do nosso retalho também vai ter de ser electrónico. É inevitável.
Disse que uma das estratégias enquanto accionista é terem capacidade de influenciar a gestão. Como é que vão acompanhar a execução do plano?
Foi criada uma comissão do conselho para acompanhamento do plano, que eu integro. Vamos ter uma rotina que visa desafiar a equipa de gestão, e também apoiar, porque o plano requer níveis de investimento significativos.
Em rescisões e fechos?
No plano não há despedimentos. Nesta redução [de custos com pessoal] que se espera conseguir há, no essencial, três fontes: uma tem que ver com a não renovação de alguns contratos a termo, a segunda é um processo natural de reformas e saídas de pessoas que vão trabalhar para outros sítios e uma terceira fonte, que está sempre em vigor e neste momento foi acelerada, que são de rescisões por mútuo acordo. As reformas não têm de ser financiadas, mas as rescisões sim, e por isso esta nova comissão vai acompanhar esse processo.
Sobre os cortes na rede, ontem houve a notícia de fechar 22 balcões? Vai haver mais?
Só soube desse número pelas notícias. Enquanto administrador não executivo não é suposto tomar conhecimento concreto nem do número nem do local das lojas que são fechadas. Sei que há um critério e que, nos sítios em que acharmos que a quebra da procura permite, a empresa vai trocar balcões de correios por postos. E que o número de pontos de acesso se vai manter genericamente constante como acontece há quatro anos. Só para ter uma ideia, na Holanda há duas estações de correio. Foi terceirizada toda a actividade. Não quero dizer que vamos lá chegar, isso não faz nenhum sentido, mas nos sítios onde se justifique, por falta de procura, vamos criar postos.
Esse plano de cortes vai manter a empresa debaixo de fogo político.
Claro que sim. Mas tem havido encerramentos de estações e transformações de estações em postos desde sempre. Foi preciso quantificar, para a empresa perceber ela própria, se consegue ou não colocar-se em patamares de eficiência que estejam de acordo com os padrões internacionais. Agora, como nós sabemos qual é a procura por balcão, isso provavelmente vai incidir sobre os balcões com menos procura, com excepção dos sítios onde o encerramento torne insustentável a vida dessas populações. Esse é um trabalho técnico, que tem de ser feito com muito cuidado. Percebo que seja um tema de uma certa sensibilidade e que tenha valor no debate político, mas há muitas zonas do país onde também não há outros serviços e portanto aquilo que é preciso garantir é que se o serviço se não é provido de uma maneira, é provido de outra.
Falando em debate político, como viu estas propostas de nacionalização e retirada da concessão e, já agora, a resposta do Governo?
Não sou analista político, mas não me surpreende que o tema da nacionalização tenha sido posto na agenda, tal como foi posto na agenda a respeito de outras coisas pelos mesmos agentes. As pessoas têm direito às suas convicções ideológicas, mas não acredito nada que faça sentido que o Estado seja o operador postal em país nenhum.
O Governo também não acha.
O Governo deixou muito claro que o quadro de funcionamento do nosso sistema postal tem um concedente e um regulador e há um contrato de concessão que tem de ser respeitado. Acho que a parte que correu menos bem em todo este debate, e em que houve muita poluição na comunicação, foi no tema da qualidade. Todos nós já fomos a um balcão dos CTT e não fomos atendidos com a rapidez com que gostávamos, mas isso acontece em muitas outras actividades. Agora, o nível de qualidade que os CTT praticam, que é escrupulosamente escrutinado pela Anacom, que tem uma bateria de indicadores que permitem monitorizar e penalizar um a um…
O que aconteceu recentemente.
Não temos nenhum orgulho em que esse indicador tenha estado ligeiramente abaixo dos mínimos, mas na generalidade dos indicadores que contribuem para a formação do indicador geral de qualidade, os CTT estão muito acima do mínimo e em vários deles estão acima do chamado valor objectivo.
Acha que se criou a ideia de que os CTT não cumprem critérios de qualidade?
Sim, do mesmo modo que se criou a ideia de que a greve [dos dias 21 e 22 de Dezembro] foi um sucesso. Sabe quantas lojas fecharam na quinta-feira em 608? Duas.
E as outras não ficaram entupidas por falta de pessoas?
Não. Houve obviamente uma degradação do serviço, mas a greve, que é efectivamente um dos nossos grandes direitos, também tem regras e mede-se objectivamente. E no primeiro dia [a adesão] foi inferior a 17% e no segundo dia esteve próxima de 17%.
Que expectativa tem em relação ao grupo de trabalho criado pelo Governo para avaliar a prestação do serviço universal?
Nesta casa somos apologistas do rigor, portanto haver um grupo de trabalho que visa apoiar o Governo, para gerar informação que este possa querer passar à Anacom para garantir que o contrato de concessão actual e os seguintes são equilibrados e geridos de forma rigorosa, é algo que ninguém pode rejeitar. Acho que é bom que se possa esclarecer de forma objectiva o enorme equívoco que há, por exemplo, em relação aos temas da qualidade. Como accionista dos CTT, não vejo nenhum inconveniente na criação deste grupo.