Novo plano contra a violência vai reforçar direitos das vítimas à habitação

Protocolo com Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) vai ser reformulado para alargar universo de beneficiários e de imóveis

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Ilustração de Sibila Lind

O próximo Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género, que deverá ser conhecido no primeiro trimestre deste ano, vai reforçar o direito das vítimas à habitação. Quem não está institucionalizado também deverá ter acesso preferencial à habitação social ou à renda apoiada.

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O próximo Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género, que deverá ser conhecido no primeiro trimestre deste ano, vai reforçar o direito das vítimas à habitação. Quem não está institucionalizado também deverá ter acesso preferencial à habitação social ou à renda apoiada.

Há pelo menos uma década que esta questão é objecto de atenção política. A rede de casas-abrigo começou a ser criada no início deste século e depressa se percebeu que as vítimas em situação de carência económica, em particular aquelas com filhos menores, têm grande dificuldade em resolver a vida dentro do tempo previsto (seis meses, prorrogáveis por outros seis).

Joana Sampaio, directora técnica do Porto de Abrigo, a casa-abrigo gerida pelas Soroptimist Clube Porto Invicta, recorda-se desses primeiros tempos. Contactavam as autarquias e respondiam-lhe que as pessoas tinham de ser residentes no concelho há pelo menos cinco anos, mas a maioria não queria voltar à origem. Os realojamentos em habitação social eram pontuais.

“A maioria das vítimas não quer voltar ao concelho de origem, porque, entretanto, iniciou um projecto de vida”, explica Joana Sampaio. “Tem um trabalho, os meninos estão enraizados nas escolas, não tem retaguarda familiar aqui, mas lá também não tem.”

Até para libertar as casas-abrigo para quem estava em perigo, o III Plano Nacional (2007-2010) previu medidas concretas. E a Lei 112/2009, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, veio determinar que, “quando as necessidades de afastamento do autor do crime o justifiquem”, deve salvaguardar-se o direito da vítima a obter “apoio ao arrendamento, à atribuição de fogo social ou a modalidade específica equiparável”.

Em 2012, a secretária de Estado da Igualdade e o secretário de Estado da Administração Local assinaram um protocolo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), através do qual as câmaras se comprometem a incluir vítimas de violência doméstica em casa-abrigo nas suas prioridades de atribuição de habitação social, a avaliar a possibilidade de lhes arrendar apartamento a um preço inferior ao do mercado, ou, esgotadas essas hipóteses, a prestar-lhes apoio através da acção social. Já em 2014, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) assinou um protocolo com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).

Como é que a presidente da CIG, Teresa Fragoso, avalia estes protocolos? Embora sejam “importantes ferramentas para agilizar o acesso à habitação por parte das vítimas de violência doméstica, a sua utilização ainda não preenche as necessidades”, responde a chefe da divisão de documentação e informação daquele entidade.

O IHRU — que já facultava apartamentos a vítimas de violência doméstica antes de assinar o protocolo e que continua a receber pedidos fora dessa via — informa que atribuiu nove em 2014, 16 em 2015, 34 em 2016, 19 em 2017. “Atendendo ao risco social envolvido, os pedidos apresentados neste domínio não são recusados”, assegura, por email. A resposta, todavia, pode demorar. Primeiro, é preciso haver um apartamento com a tipologia certa no sítio certo. Depois, há que fazer obras. E a “contratação de empreitadas de reabilitação está sujeita aos procedimentos de contratação pública e aos seus prazos”.

O número de câmaras que assinam o protocolo tem vindo a aumentar: 92 em 2014, 126 em 2015, 129 em 2016, 131 em 2017. Só que algumas nem sequer têm habitação social e as que têm nem sempre podem disponibilizá-la num prazo que se compadeça com as necessidades das vítimas. Não é tudo. Segundo a CIG, algumas “mantêm, nos regulamentos internos, cláusulas de prioridade para pessoas que já são residentes no concelho”. Ora, isso exclui as pessoas que, aquando da saída da casa-abrigo, querem ali fixar residência, apesar de serem originárias de outro sítio. 

Nem sequer se sabe ao certo quantas vítimas de violência doméstica as câmaras têm alojado. No início deste ano, a CIG e a ANMP pediram informação a todos os signatários e obtiveram resposta de 27. Na tipologia de auxílio prestado constavam 65 atribuições de fogos de habitação social em 2016 e 38 arrendamentos abaixo do preço do mercado. E nem esses números estão correctos. Guimarães, por exemplo, destaca-se como tendo atribuído 41 fogos em 2016. Cristina Dias, responsável pela empresa municipal, garante que desde 2012 só atribuíram dois ao abrigo do protocolo (e 23 fora do protocolo).

É este cenário que deverá agora ser alterado. “A futura geração de políticas de habitação contemplará o reforço das acções positivas, no sentido de diferenciar o regime aplicável às vítimas de violência doméstica — institucionalizadas ou não — do regime geral”, lê-se no balanço enviado pela CIG.
Em cima da mesa está, por exemplo, a reformulação do protocolo com o IHRU. Para além de casas-abrigo, as estruturas de atendimento e as respostas de acolhimento de emergência passam a poder accionar o protocolo. Nem só o universo de beneficiários — que no início só incluía mulheres e crianças e agora abrange também homens — deverá alargar-se. A ideia é não limitar a oferta à habitação social ou ao arrendamento a baixo custo e abranger “outros imóveis aos quais as vítimas de violência doméstica possam aceder, usufruindo de alguns critérios preferenciais”.
A futura Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação deverá ser adoptada no primeiro trimestre de 2018. Além de um plano sobre violência doméstica e de género (com uma secção sobre mutilação genital feminina e outras práticas nefastas), haverá um plano para a igualdade de género e não discriminação (com uma secção específica sobre igualdade entre rapazes e raparigas) e um plano de combate à discriminação em resultado da orientação sexual, identidade de género e características sexuais.