Putin paira acima das eleições, mas já todos pensam no pós-Putin
O Kremlin não quer qualquer risco nas eleições de Março e promete continuar a cortar margem de manobra a Navalni. A oposição espera por um futuro de eleições sem vencedor antecipado.
Há muito tempo que vencer eleições se tornou num problema menor para Vladimir Putin. A popularidade retumbante do Presidente russo e o controlo apertado sobre os meios de comunicação garantem ao Kremlin vitória atrás de vitória e as presidenciais do próximo ano não serão excepção.
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Há muito tempo que vencer eleições se tornou num problema menor para Vladimir Putin. A popularidade retumbante do Presidente russo e o controlo apertado sobre os meios de comunicação garantem ao Kremlin vitória atrás de vitória e as presidenciais do próximo ano não serão excepção.
Ninguém duvida da reeleição de Putin para um novo mandato presidencial – e esse pode mesmo ser o problema. O Kremlin quer vencer, mas quer também que os russos acudam em massa para entronizar o seu líder. Para alcançar esses objectivos, a gigantesca máquina político-mediática consolidada nas últimas duas décadas à volta de Putin já entrou em laboração.
O guião é simples e já conhecido: Putin é o garante da estabilidade do povo e o único capaz de fazer regressar a Rússia ao estatuto de super-potência mundial. Não é à toa que as eleições estão marcadas para 18 de Março, o quarto aniversário da formalização da anexação da Crimeia pela Rússia – o acontecimento que garantiu a Putin um poço quase sem fundo de gratidão do eleitorado. Desde essa altura que a taxa de aprovação do Presidente não baixa dos 80%, de acordo com o centro de sondagens Levada.
Putin apresenta-se às eleições como candidato independente, com o claro objectivo de se reforçar como uma figura acima da luta partidária. Numa época em que os outsiders da política são a grande ameaça aos políticos estabelecidos, Vladimir Putin, um insider que está no poder há 18 anos, reinventa-se com o rótulo de independente para as eleições do próximo ano.
"Missão sagrada"
“Putin, sendo líder da Rússia há quase vinte anos, encara a sua posição não como uma função, como faz a maioria dos líderes ocidentais, mas sim como uma missão sagrada”, disse ao New York Times o analista do Instituto Polaco de Estudos Avançados de Varsóvia, Vladislav Inozemtsev. Em campanhas eleitorais anteriores, Putin nunca participou em debates com outros candidatos, preferindo as entrevistas.
A mensagem que os spin-doctors do Kremlin querem passar é a da necessidade profunda que os russos têm de um líder como Putin. Na semana passada, centenas de pessoas, incluindo algumas das personalidades mais célebres da cultura e do desporto nacionais, juntaram-se em Moscovo numa iniciativa de apoio à recandidatura de Putin. À frente de um painel com o mapa do país e o slogan “Presidente forte, Rússia forte”, desportistas, actores, cantores e militares desdobraram-se em elogios ao líder russo, que nem sequer esteve presente no encontro.
O carácter independente da sua candidatura permite a Putin também sacudir alguma pressão que pende sobre o partido Rússia Unida, manchado por suspeitas de corrupção. O impopular primeiro-ministro Dmitri Medvedev é o principal visado e vários analistas antecipam que esteja no Kremlin a prazo. “A corrupção é o calcanhar de Aquiles absoluto do Governo”, considera o investigador do Instituto de Relações Internacionais de Praga, Mark Galeotti, citado pela NBC News.
Na reunião partidária em que foi anunciado o apoio do Rússia Unida, o próprio Medvedev reconheceu ser “correcto” que Putin “se sustente no público em geral”.
Medo de Navalni?
Para o círculo do poder no Kremlin, estas eleições revestem-se de uma importância acrescida. Putin irá atingir o limite constitucional de dois mandatos consecutivos e há uma grande expectativa que durante os próximos anos o processo de sucessão seja iniciado.
Mas não são apenas os insiders próximos de Putin que vêem as eleições do próximo ano como um grande ensaio geral para uma nova era na política russa. Um afastamento do líder mais poderoso desde o fim da União Soviética vai abrir também oportunidades para os seus opositores. A face mais visível é Alexei Navalni, o activista que se notabilizou pelas denúncias de corrupção contra personalidades do regime, e que viu a sua candidatura barrada.
A proibição não foi surpreendente. Apesar de Navalni estar muito longe de representar um perigo real para o domínio eleitoral de Putin, ninguém quer arriscar. “Assim que alguém está no boletim de voto, mesmo alguém que seja considerado um perdedor certo, o desfecho deixa de estar sob controlo”, diz William Taubman, professor do Amherst College, citado pelo NYT.
Mas não se pense que Navalni irá permanecer calado. Pouco depois de ser conhecida a decisão da comissão eleitoral, o activista lançou um apelo aos seus apoiantes para que boicotem as eleições e prometeu organizar manifestações em 85 cidades a 28 de Janeiro. “Recusamos chamar à recondução de Putin uma eleição”, disse o advogado. O Kremlin deixou em cima da mesa uma ameaça velada, prometendo investigar se os apelos ao boicote eleitoral são ilegais.
De qualquer forma, Navalni está longe de ser uma ameaça eleitoral para Putin. A sua base de apoio corresponde sobretudo a uma certa elite urbana, que tradicionalmente se opõe ao regime e que, ao longo dos anos, se foi vendo privada de líderes, como o milionário Mikhail Khodorkovski, o ex-campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov ou o ex-ministro assassinado em 2015, Boris Nemtsov.
A pensar no que há-de vir
Sem acesso aos canais de televisão, é na Internet que Navalni vai construindo a sua influência, através dos vídeos que publica no seu canal de YouTube. Nos últimos meses, o activista tem tentado estender a sua influência e abriu sedes de campanha em várias cidades russas, para chegar à enorme fatia do eleitorado que dispõe apenas dos canais televisivos do Kremlin para se informar. Mas também Navalni está com os olhos postos na era pós-Putin.
“Ninguém honestamente pensa poder bater Putin”, diz à NBC News a directora do programa Rússia e Eurásia do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, Olga Oliker. “Eles sabem que não podem vencer, mas podem assinalar a sua presença e planear um futuro em que ganhar eleições se irá tornar possível”, acrescenta.
Até entre a chamada “oposição sistémica” – composta pelos partidos tolerados pelo Kremlin para darem uma aparência de competição eleitoral – parece começar a instalar-se a noção de que Putin não é eterno. O Partido Comunista surpreendeu a Rússia com a escolha do seu candidato para as eleições presidenciais. O veterano Guennadi Ziuganov, que em 1996 esteve perto de derrotar Boris Ieltsin, deu lugar a Pavel Grudinin, um empresário agrícola de 57 anos.
O Partido Comunista é hoje eleitoralmente o segundo principal partido na Rússia e tem beneficiado de parte do voto de protesto entre a população mais crítica da corrupção entre os dirigentes do Kremlin. A aposta num novo rosto tem o objectivo de consolidar o apoio crescente entre algum eleitorado mais jovem – mas sem beliscar a maioria encomendada por Putin.