Será que a vida extraterrestre é parecida com a da Terra?
Investigadores do Reino Unido usam a teoria da evolução de Darwin para reflectir como poderá ser a vida extraterrestre. E sugerem que poderá assemelhar-se mais com a da Terra do que pensamos.
Nunca conhecemos um extraterrestre, mas quando os imaginamos são sempre seres de outro mundo, tão diferentes do ser humano quanto as obras de ficção – cinematográficas ou literárias – o sugerem. Desde o nosso ET preferido, amigo de rosto achatado que gosta tanto de andar de bicicleta como qualquer outro miúdo, aos seres viscosos, feios e maus do filme de ficção científica Alien: Covenant (2017). E, enquanto não nos cruzamos com eles (se calhar andam entre nós, como acontece nos Homens de Negro, de 1997), continuamos a procurá-los lá fora, noutros planetas e mesmo noutros sistemas solares, a imaginá-los e até a prever como serão, para ver se não lhes passamos ao lado sem dar conta. Por isso, uma equipa de investigadores do Reino Unido decidiu usar a teoria da evolução de Charles Darwin para reflectir como é que a vida pode nascer noutros “cantos” do Universo e a que é que se assemelha. Conclusão: poderá ser mais parecida com a da Terra do que pensamos.
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Nunca conhecemos um extraterrestre, mas quando os imaginamos são sempre seres de outro mundo, tão diferentes do ser humano quanto as obras de ficção – cinematográficas ou literárias – o sugerem. Desde o nosso ET preferido, amigo de rosto achatado que gosta tanto de andar de bicicleta como qualquer outro miúdo, aos seres viscosos, feios e maus do filme de ficção científica Alien: Covenant (2017). E, enquanto não nos cruzamos com eles (se calhar andam entre nós, como acontece nos Homens de Negro, de 1997), continuamos a procurá-los lá fora, noutros planetas e mesmo noutros sistemas solares, a imaginá-los e até a prever como serão, para ver se não lhes passamos ao lado sem dar conta. Por isso, uma equipa de investigadores do Reino Unido decidiu usar a teoria da evolução de Charles Darwin para reflectir como é que a vida pode nascer noutros “cantos” do Universo e a que é que se assemelha. Conclusão: poderá ser mais parecida com a da Terra do que pensamos.
“Fazer previsões acerca de extraterrestres não é uma tarefa fácil”, lê-se no artigo científico intitulado Alienígenas de Darwin e publicado na revista International Journal of Astrobiology. E, se é verdade que até é bastante complicado, também é verdade que a crença na existência de vida extraterrestre, não necessariamente inteligente, tem adeptos na comunidade científica. Sobretudo com a descoberta de planetas extra-solares, em particular os rochosos semelhantes à Terra, situados na zona de habitabilidade. Portanto, à distância certa da sua estrela para terem uma temperatura amena que permita a existência de água líquida à superfície – como as “sete irmãs da Terra”, descobertas este ano em órbita de um “sol” a 40 anos-luz de distância de nós (o que em termos cósmicos não é nada).
Recuando no tempo, o primeiro planeta extra-solar foi detectado em 1995, há cerca de 22 anos, por Michael Mayor e o seu estudante de doutoramento Didier Queloz, do Observatório de Genebra, na Suíça. Foi assim que se descobriu que os planetas do nosso sistema solar não são os únicos no Universo. Mais tarde, já no século XXI, encontrou-se o primeiro planeta que se supunha ser rochoso, à volta da estrela mu Arae, a 50 anos-luz de distância. Mas, com dez vezes o tamanho da Terra, ainda havia um longo caminho a percorrer até à descoberta de uma “irmã” da Terra. Agora, a lista de todos os planetas extra-solares, desde os monstros gasosos até aos rochosos (aqueles que mais nos interessam por terem mais condições à partida, em conjunto com outros factores, tanto quanto sabemos, para que a vida evolua), já vai em cerca de 3500, todos na nossa galáxia, a Via Láctea.
Por outro lado, também existe um projecto de procura de vida extraterrestre inteligente, o SETI, que chegou a ser um programa da agência espacial norte-americana NASA nos anos 1990 e agora é gerido pelo Instituto SETI, uma entidade privada com sede na Califórnia (EUA). Foi fundado há mais de 50 anos por Frank Drake, que, graças a uma fórmula matemática, calculou que deveriam existir umas dez mil civilizações inteligentes no Universo. Este número até pode parecer exagerado, mas existem, segundo as estimativas, centenas de milhares de milhões de galáxias – por que razão, então, seria o nosso planeta tão único ao ponto de não existir vida, por mais simples que seja, fora dele?
Aliás, a humanidade já anda a sonhar com extraterrestres há mesmo muito tempo: o nosso ET preferido nasceu em 1982, pelas mãos de Steven Spielberg, e o filme Contacto (1997), numa adaptação do romance com o mesmo nome do famoso cientista Carl Sagan, onde Jodie Foster é uma cientista do SETI, celebra este ano o seu 20.º aniversário.
E muito antes disso, por exemplo, já o antigo primeiro-ministro britânico Winston Churchill tinha começado a escrever na véspera da Segunda Guerra Mundial, em 1939, e finalizado nos anos 50, um artigo de 11 páginas acerca deste grande mistério, sem se esquecer de salientar a importância da água em estado líquido. No ensaio Estamos Sozinhos no Universo?, Churchill dizia: “Poderá haver planetas extra-solares com tamanho suficiente para manter uma superfície com água e, com alguma sorte, uma atmosfera.”
É por ser essencial à vida como a conhecemos que os cientistas seguem tão atentamente o “rasto” da água líquida em Marte, onde se sabe já ter sido abundante. Ou porque olham com especial interesse para as luas Europa (de Júpiter) e Encelado (de Saturno), geladas à superfície mas com oceanos de água líquida escondidos no seu interior.
Por que tem a girafa um pescoço comprido?
Condições geológicas necessárias à parte, sabemos ainda que a vida que se conhece na Terra é construída a partir de seis elementos químicos essenciais: hidrogénio, carbono, oxigénio, azoto, fósforo e enxofre. Estes compostos formam maioritariamente as moléculas das células. Portanto, à partida, quando procuramos vida extraterrestre é também por essa bitola que nos regemos. Outra bitola que podemos usar para prever como poderá ser a vida extraterrestre é, sugerem agora os cientistas de Oxford (Reino Unido), a teoria da evolução através da selecção natural de Charles Darwin.
Stuart West, do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, e a sua equipa defendem que, até ao momento, no que toca a especular como poderá ser a vida extraterrestre, tem-se optado por uma abordagem muito mecanicista, referindo-se às teorias que afirmam que todos os fenómenos que se manifestam nos seres vivos são mecanicamente determinados e, em última análise, essencialmente de natureza físico-química. E dão-se dois exemplos no artigo científico dessa abordagem: o de podermos prever que os extraterrestres terão olhos, porque os órgãos oculares evoluíram pelo menos 40 vezes na Terra e são relativamente universais; e o de prevermos que os extraterrestres também seriam baseados em carbono, tal como nós, porque é um elemento muito abundante no Universo.
“Mas não há razão teórica para que os extraterrestres não possam ser baseados em silício e que não tenham olhos”, alertam. Por outro lado, chamam a atenção, “a selecção natural não depende nem de um determinado sistema genético nem de um material genético, composição elementar ou tipo de planeta específico”, explicam os investigadores no artigo, que até é acompanhado por ilustrações de possíveis alienígenas e suas complexidades. “Se existir hereditariedade, variação e sucesso diferencial, a selecção natural ocorre.”
Ora, quando Darwin escreveu a sua obra-prima, Sobre a Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural (1859), estava longe de saber que os seres vivos evoluíram a partir de uma molécula, a que agora chamamos Ida, que se conseguiu copiar a si própria e, depois, armazenar informação num código genético. E que, mais tarde, a Ida daria origem ao Luca, que é o antepassado mais recente partilhado por toda a vida na Terra e que terá existido há mais de 4000 milhões de anos. Mas Darwin já sabia que a vida é, muito resumidamente, um sistema de replicação e que, cada indivíduo, ao transmitir aos descendentes as suas características, pode originar variações – que, sabemos agora, podem ser más (herdar uma doença genética) ou boas (resistir a um vírus).
Darwin também sabia que é a constante acumulação de tais variações através da selecção natural que, quando benéficas para o indivíduo, dá origem às mais importantes modificações de estrutura que, nas sábias palavras do naturalista, “tornam os inumeráveis seres que habitam a superfície da Terra capazes de lutar entre si e os mais bem adaptados a sobreviver”.
Por exemplo, por que é que as girafas têm o pescoço tão comprido? Esta é uma questão que ainda se mantém em aberto na comunidade científica, mas uma das possíveis respostas culpa a selecção natural: foi para atingirem o alimento cada vez mais alto nas árvores. Tal como as girafas se “adaptaram” ao ambiente (acumulando variações até desenvolverem tanto um pescoço comprido como um coração poderoso, capaz de bombear sangue dois metros acima do peito), os extraterrestres provavelmente também se estão a “adaptar” ao que os rodeia. E, se precisarem de chegar a um sítio mais alto para se alimentarem, também é provável que tenham pescoços compridos. Ou, como os seres humanos, que tenham construído instrumentos para lá chegar.
“A equipa de Stuart West – que é até um autor muito conhecido pelos seus estudos sobre a evolução de organismos com sistemas de cooperação muito elevados, como as abelhas e as formigas – adopta uma abordagem que é diferente de outros autores que olharam mais para os constrangimentos [o ambiente de outros planetas]”, refere ao PÚBLICO o biólogo Paulo Gama Mota, da Universidade de Coimbra. A alternativa proposta é, portanto, olhar não apenas para o ambiente mas também para a evolução: como é que os extraterrestres podem ter evoluído? Se acreditarmos que a vida extraterrestre também está sujeita à evolução através da selecção natural, então os quatro investigadores de Oxford pensam que evoluiu muito provavelmente de forma semelhante à vida na Terra. “Não podemos prever quais as transições evolutivas, mas, do que sabemos, é provável que elas também aconteçam”, frisa o biólogo português.
“Se estivermos a falar de um planeta muito recente, não podemos esperar formas de vida muito complexas. Tomando como exemplo a vida na Terra, num planeta mais novo será de esperar que as formas de vida sejam mais simples, até porque as transições evolutivas não são fáceis e acontecem relativamente espaçadas no tempo. Por outro lado, é muito difícil prever a vida num planeta que tenha tido mais tempo do que o nosso para evoluir. E é muito possível que um planeta com a mesma idade da Terra tenha formas de vida inteligente”, sublinha Paulo Gama Mota. “Diria que o que nós podemos esperar é formas de vida que, seguramente, têm sistemas de reprodução e onde há formas de competição, como o canibalismo e o parasitismo, por exemplo, mas também de cooperação, porque decorrem da selecção natural.”
É assim, com esperança, que ficamos à espera de mais novidades sobre histórias de “irmãs da Terra”, extraterrestres e a origem das espécies noutros mundos. Será, então, a altura perfeita para lembrar que, um dia, já muito distante, George Lucas imaginou um sistema com dois sóis e que essa fantasia do planeta Tatooine, casa de Luke Skywalker, não é (desde 2011) apenas mais uma fantasia: existe mesmo um planeta de onde se pode assistir a dois pores do sol. E, talvez num futuro mais próximo do que possamos imaginar, os extraterrestres deixem de ser ficção científica, com ou sem pescoços compridos.
Texto editado por Teresa Firmino