Na Madeira, onde Fátima Lopes nasceu, “a moda não existia”
Com 52 anos, a criadora madeirense recorda, step by step, como conseguiu alcançar o reconhecimento internacional.
Fátima Lopes é apaixonada por roupa desde criança e, então, já adorava desenhar e criar roupas para as suas bonecas. “Aos seis anos já escolhia a própria roupa. Há coisas que nascem connosco”, conta. Aos 52 anos, a designer celebra 25 anos da marca com o seu nome.
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Fátima Lopes é apaixonada por roupa desde criança e, então, já adorava desenhar e criar roupas para as suas bonecas. “Aos seis anos já escolhia a própria roupa. Há coisas que nascem connosco”, conta. Aos 52 anos, a designer celebra 25 anos da marca com o seu nome.
Na Madeira, onde nasceu, "a moda não existia”. Lá ficou até aos 22 anos, onde estudou turismo, tornando-se agente de viagens, guia turística e viajou pelo mundo. Paralelamente, nunca deixou de desenhar as suas roupas e foram as suas viagens que lhe deram uma visão diferente do mundo e da moda internacional. “Um ano depois, aos 23, decidi seguir o meu sonho e ir para Lisboa”, revela. “Precisava de ir para uma capital que me oferecesse abertura suficiente para criar as minhas peças”, acrescenta, sublinhando que as roupas que desenhava “eram muito à frente para a época”.
Para a madeirense, a adaptação não foi fácil. Como cresceu rodeada de amigos e num meio mais pequeno, não sabia o que eram “inimizades, competição e maldade”. “Quando cheguei a Lisboa era uma estrangeira, tinha sotaque, do qual tenho muito orgulho, ideias muito diferentes e um aspecto ainda mais peculiar, a começar pelo meu cabelo que era estranhíssimo. Eu própria era uma pessoa diferente”, lembra com um sorriso.
"Odiada por uns e adorada por outros", durante os primeiros anos, Fátima Lopes não conseguia perceber a razão das críticas. “Só com o tempo é que comecei a perceber. Lembro-me de pensar 'OK, já não estás na Madeira, aqui se quiseres sobreviver tens de ir à luta'”. Fátima Lopes olha para essa dificuldade como um estímulo, já que acreditava que como outsider teria de trabalhar mais do que as pessoas que já tinham nascido na capital. “Desistir nunca foi um opção para mim. Tinha de conseguir.”
A designer acredita que quando se é jovem é essencial perceber as dificuldades e a inexistência do “mundo cor-de-rosa” a que se está habituado. “Estamos a falar de Portugal há 25 anos. As pessoas tinham outra mentalidade. Apesar de ainda hoje haver pessoas muito conservadoras, vivemos num país moderno. A globalização ofereceu uma visão semelhante a qualquer outro país da Europa.”
Depois de quatro anos a viver em Lisboa, Fátima Lopes fez o seu primeiro desfile, para o qual alugou "um espaço gigante", o Convento do Beato. Foi a 19 de Setembro de 1992. “Então, havia 'uma elite sedenta de moda'. “Não falo de elite em termos financeiros, mas de jovens que procuravam inovação, que procuravam marcar a diferença. E nesse aspecto, eu era uma lufada de ar fresco. Depois havia os velhos do Restelo que me criticavam e reprovavam.” E o fenómeno não era só lisboeta, quando chegava a Paris era abordada por franceses "estupefactos" que não acreditavam que fosse portuguesa.
Viagens para comprar e aprender
“Nunca fiz nada para agradar a todos. Sempre fiz o que me apeteceu. Havia críticas das quais eu me ria”, continua, recordando que quando abriu a primeira loja, a Versus, na Avenida de Roma, em Lisboa, um espaço onde a decoração era em cimento e inox, uma cliente perguntou-lhe se a loja já estava acabada. Nessa loja vendia roupa e acessórios que comprava nas grandes capitais europeias da moda. “Ia a Paris, Londres, Milão buscar desde roupa, a sapatos, carteiras, relógios. Vendia de tudo. Tudo o que não existia em Portugal.” Actualmente, possui apenas um atelier na rua Rodrigues Sampaio, em Lisboa, onde dá asas à imaginação e desenha as suas criações.
As suas viagens não serviam apenas para fazer compras, mas para aprender – por exemplo, como era criada uma colecção, quais os tecidos utilizados, em que altura era lançada. “Foi como tirar um curso in loco.” Quando viajava, a criadora já vestia as roupas que desenhava. "Duas das vezes, uma em Londres e outra em Paris, duas marcas perguntaram-me se queria desenhar uma colecção para elas, e foi aí que se fez o clique.” Foi assim, que Fátima começou a comprar tecidos, em vez de roupa, e a criar uma colecção para vender na sua loja. “Foi uma espécie de teste, chamei a este conjunto Versus. Não tive coragem de assinar com o meu nome”, confessa.
Depois de 38 desfiles em Paris, durante 18 anos consecutivos, Fátima Lopes recorda o primeiro, em 1999. “Arrisquei novamente, sem noção nenhuma, sem saber se ia correr bem, se as pessoas me conheciam… Era uma incógnita. No entanto, acabei por ficar surpreendida, já que foi um sucesso desde o primeiro dia. Fiz o primeiro desfile na véspera, antes de começar o calendário da moda e quando reparei tinha 500 pessoas a assistir.”
Foi quando começou a ser reconhecida em Paris que deixou de ser "uma criadora portuguesa para ser 'a' criadora portuguesa", recorda, acrescentando que foi nessa época que mais vozes do contra a começaram a respeitar. “Step by step”, a criadora acha que tudo aconteceu no tempo certo, o que fez com que alcançasse o reconhecimento internacional.
Para Fátima, ser criador é sinónimo de ser único, ter um estilo próprio, não ser cópia de ninguém. Depois de abrir a Semana de Moda de Paris, tornando-se assim a primeira portuguesa a participar no calendário oficial do evento, decidiu "marcar a diferença" e criar o biquíni mais caro do mundo, avaliado num milhão de dólares, com 60 diamantes e que está no livro do Guinness de 2000. A designer lembra que a ideia foi do seu assessor de imprensa, que lhe sugeriu pisar a passerelle ao lado das modelos. “Que disparate, só se fosse vestida de ouro e diamantes”, respondeu então, mas a ideia começou a germinar e acabou por concretizá-la. “A moda é exactamente isso. Ser original. Ser o primeiro a ter as ideias e a concretizá-las”, defende.
Inspirada pelo seu dia-a-dia, conta que a colecção Primavera/Verão 2018 foi desenhada com base na figura de alguns pássaros e apresentada em Paris e no desfile que fez no Convento do Beato para comemorar os 25 anos de carreira, em Novembro.
Actualmente, há mais liberdade para criar, avalia. “O momento que vivemos é excelente. Nos últimos anos, não há ditaduras de moda. Cada um com o seu estilo, cada um à sua maneira”, declara. Contudo, defende que dentro do próprio estilo, o criador deve adaptar-se ao cliente. Uma fã de Jean-Paul Gaultier, Vivienne Westwood e Alexander McQueen, fascinada não pelas linhas de roupa, mas pela irreverência destes designers, acrescenta que a nível nacional, a criadora de referência é Ana Salazar. “Se para mim na altura era difícil fazer moda e inovar, imagino que para a Ana Salazar tivesse sido muito mais complicado.”
Texto editado por Bárbara Wong