Sector da construção ficou reduzido a um terço em apenas dez anos
Das 25 maiores empresas que existiam há dez anos, apenas sete sobreviveram. Destas, há duas que estão em processo de recuperação e uma é espanhola. A quebra na produção do sector atingiu 43% em 10 anos
Estávamos em 2007, ainda havia uma associação que representava os grandes empreiteiros de obras públicas (a ANEOP), e havia vários movimentos de pressão, e de opinião, a defender a criação de um cluster da construção, um plano estratégico a longo prazo que permitisse o crescimento sustentado do sector, apontado como um dos principais sustentáculos da economia nacional. O Grupo Promotor do Sector da Construção, assim se intitulava, tentava convencer o Governo, então encabeçado por José Sócrates, em vésperas de uma crise financeira internacional cuja dimensão poucos se atreveriam a adivinhar, da bondade de avançar para um plano de investimentos a longo prazo. Pediam o desenvolvimento de um pacote de investimento de cerca de 50 mil milhões de euros, para os dez anos seguintes.
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Estávamos em 2007, ainda havia uma associação que representava os grandes empreiteiros de obras públicas (a ANEOP), e havia vários movimentos de pressão, e de opinião, a defender a criação de um cluster da construção, um plano estratégico a longo prazo que permitisse o crescimento sustentado do sector, apontado como um dos principais sustentáculos da economia nacional. O Grupo Promotor do Sector da Construção, assim se intitulava, tentava convencer o Governo, então encabeçado por José Sócrates, em vésperas de uma crise financeira internacional cuja dimensão poucos se atreveriam a adivinhar, da bondade de avançar para um plano de investimentos a longo prazo. Pediam o desenvolvimento de um pacote de investimento de cerca de 50 mil milhões de euros, para os dez anos seguintes.
Cá chegados, dez anos depois, atravessada a crise, afinal, não se tratou de conseguir crescimento, mas antes de garantir a sobrevivência. Numa espécie de darwinismo económico, verifica-se que o sector encolheu para um terço. As 50 maiores empresas de construção de 2007 respondiam, em termos agregados, a um volume de negócios próximo de 7,5 mil milhões de euros e empregavam cerca de 50 mil pessoas – correspondendo a 23% e a 9%, respectivamente, do total do volume de negócios e emprego do sector. Na altura havia 80 empresas habilitadas com alvará de construção de Classe 9, e a ANEOP chegou a sugerir a criação de uma espécie de super-alvará (o alvará de classe 10) só acessível a empresas com capacidade para executarem obras superiores a 25 milhões de euros. A argumentação era a de que a criação do super-alvará poderia ajudar ao redimensionamento das empresas de um sector que já pensava sobretudo na diversificação (para as áreas das concessões e do ambiente) e na internacionalização.
Uma década depois, o que fica? “O pior período que a construção viveu em Portugal”, limita-se a comentar Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI). A CPCI contabiliza que, entre 2005 e 2015, foram 37 mil as empresas que entraram em processos de recuperação e de insolvência ou que faliram, e que 230 mil trabalhadores do sector perderam o emprego. A quebra na produção do sector atingiu os 43%. “Naturalmente que as empresas de maior dimensão, não obstante terem procurado nos mercados externos as oportunidades que deixaram de existir em Portugal, foram as mais atingidas”, repara Reis Campos.
Ricardo Gomes, presidente da Federação da Construção ajuda a visualizar esse impacto: “Das 25 maiores empresas que existiam em 2005, hoje em dia restam apenas sete. E destas há uma foi comprada por espanhóis (a Somague, comprada pela Sacyr) e duas que estão em PER (a MSF e a Soares da Costa). Na verdade, ficamos com apenas dois grandes grupos”, demonstra Ricardo Gomes, referindo-se à Mota Engil e à Teixeira Duarte.
A Mota -Engil fechou o ano de 2016 com um volume de negócios de 2210 milhões de euros. No primeiro semestre deste ano, superou os 1100 milhões de volume de negócios - o mesmo volume de negócios que a Teixeira Duarte comunicou ao mercado por todo o ano de 2016 - empresa que invocou o estatuto de reestruturação para agilizar despedimentos durante o ano de 2017. A Somague/Sacyr registou salários em atraso. E empresas que foram grandes, como a Edifer, a Eusébios e a MonteAdriano, por exemplo, foram parar ao grupo Elevo que o Fundo Vallis vendeu ao grupo Nacala. Grupo esse que acaba de anunciar a compra da Opway, que também já foi uma grande construtora e que está a sair de um processo de PER (Processo Especial de Revitalização).
Como chegámos aqui?
O presidente da Mota-Engil, António Mota, foi o primeiro a acusar que o sector da construção foi destruído. Ao PÚBLICO, já em Agosto de 2016, lembrava que quando o sector da construção precisava de ser reformulado, acabou por ser destruído. “Nós somos muito competitivos nos sapatos, nos têxteis. Mas também éramos na construção e destruíram-nos”, dizia. O problema, explicava, não era apenas a falta de obras que existia em Portugal e que ficou reduzido a metade. Em 2005, o investimento público total foi de 7095 milhões de euros; em 2014 foi de 3853 milhões de euros. Em 2016, o Estado português gastou menos de 2,9 mil milhões de euros em investimentos, o valor mais baixo desde 1995.
O problema era, também, o sector financeiro, que não acompanha as empresas que se querem internacionalizar, contornando assim a escassez de mercado em território nacional.
Gilberto Rodrigues, no sector da construção desde 1994, ex-responsável pela Mota Engil Africa, e agora presidente do grupo Elevo (ver entrevista) dá uma explicação de uma forma ainda mais simples: “A economia estava a crescer, havia acesso ao crédito, havia liquidez, havia vontade. Era fácil, a quem tivesse alguma coragem e algum arrojo, começar a fazer coisas, ser empreiteiro. O país também crescia, tinha grandes necessidades que tinham de ser ocupadas por alguém. Acabou por se criar um conjunto fortíssimo de empresas”, recorda.
A banca assumiu um papel fundamental, por acompanhar o sector da construção na alavancagem de que este precisava para dar resposta a ambiciosos projectos de infraestruturas à base de parcerias públicas e privadas. “Temos de perceber que durante uma década o sector privado substituiu-se ao sector público. Foi o financiamento privado que fez desenvolver o país”, afirma Gilberto Rodrigues, que recorda que as primeiras vagas de concessões tinham Taxas Internas de Rentabilidade (TIR) muito “interessantes”, entre os 7 e os 11%, e que as tornavam atractivas para a banca e para as empresas de construção.
Depois, foi o próprio sistema financeiro a enfrentar problemas, e o colapso de bancos como o BES assumiu uma grande quota de responsabilidade. Os problemas do BES, por exemplo, afundaram a Opway, e obrigaram, outro exemplo, a Mota Engil a acompanhar o Novo Banco (surgido a partir da resolução do antigo BES) na venda das participações da Ascendi.
As mudanças nas estruturas accionistas das concessões têm, aliás, sido uma constante nos últimos anos, quase sempre com a entrada de fundos internacionais nestas estruturas. Gilberto Rodrigues é da opinião que o sector da construção não se sofisticou o suficiente quando estava na mó de cima.
Liliana Sousa Pina, consultora da Deloitte, onde acompanha o sector da construção e das infra-estruturas, refere que as empresas estão agora, ainda, a pagar a factura para se prepararem para a transformação digital que vai necessariamente chegar ao sector. “Há novos desafios na área da inovação, da tecnologia, da robotização. É natural que se percam ainda mais alguns empregos, à medida que se vai sofisticando processos”, acrescenta.
Numa altura em que o turismo, o segmento privado e as novas dinâmicas de reabilitação urbana estão ajudar a trazer, de novo, para terreno positivo, as estatísticas da construção, Ricardo Gomes comenta que o sector da construção não voltará a ter a dimensão de há uma década, “até porque as circunstâncias que então existiram são, de alguma forma, irrepetíveis”.
O presidente da CPCI, Reis Campos, admite que o ano de 2018 poderá ser o ano da consolidação do sector, mas que esta consolidação está muito dependente da forma como se vão desenvolver os quatro eixos que considera fundamentais: no investimento privado, onde “a reabilitação urbana tem de ganhar dimensão”, no investimento público, que “tem de ser relançado”, na criação de um clima de confiança e segurança para os investidores, que retire do imobiliário “a perspectiva de que é apenas uma fonte inesgotável de receitas” e, por fim, no apoio ao processo de internacionalização.
“Somando a facturação anual nos mercados externos ao investimento estrangeiro em activos patrimoniais nacionais, concluímos que a internacionalização da construção e do imobiliário representa uma facturação anual de 15 mil milhões de euros. Há que criar um quadro tributário e de incentivos capaz de apoiar o processo de internacionalização do sector”, termina.