Nesta loja de ferragens também se vendem coisas menos duras de roer
As gerações que herdam lojas centenárias não podem "deitar tudo abaixo para fazer de novo outra vez". Mas podem expandi-las e, quem sabe, criar novos recantos na cidade que a recebeu por mais de cem anos. Pelo menos, foi o que fizeram duas primas, com a cafetaria Pátio Bonjardim, no Porto, nas traseiras da loja do avô.
Para se chegar ao Pátio Bonjardim, há que primeiro atravessar mais de cem anos de história. O caminho começa por entre ferragens rústicas, clássicas e vintage para móveis e portas, puxadores e cabides que revestem as paredes da Bernardino Francisco Guimarães, desde 1900, ano em que a loja histórica no Porto foi fundada. Continua em direcção aos objectos de decoração, muitos deles artesanais que, nos últimos anos, começaram a invadir as prateleiras do estabelecimento centenário. E, até Setembro último, terminava nos móveis em segunda mão, os últimos a serem adicionados à lista de valências da loja que, à medida que aumentava o espaço para acomodar uma nova cafetaria, viu o seu nome ser abreviado para BFG - Ferragens e Decoração.
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Para se chegar ao Pátio Bonjardim, há que primeiro atravessar mais de cem anos de história. O caminho começa por entre ferragens rústicas, clássicas e vintage para móveis e portas, puxadores e cabides que revestem as paredes da Bernardino Francisco Guimarães, desde 1900, ano em que a loja histórica no Porto foi fundada. Continua em direcção aos objectos de decoração, muitos deles artesanais que, nos últimos anos, começaram a invadir as prateleiras do estabelecimento centenário. E, até Setembro último, terminava nos móveis em segunda mão, os últimos a serem adicionados à lista de valências da loja que, à medida que aumentava o espaço para acomodar uma nova cafetaria, viu o seu nome ser abreviado para BFG - Ferragens e Decoração.
“Sabem”, espreitavam lá para fora os clientes, “é mesmo uma pena não aproveitarem este cantinho”, diziam, ao chegar ao fim dos longos corredores. Referiam-se ao pátio exterior, nas traseiras da loja gerida agora por três sócias, todas mulheres da terceira e quarta geração da família que fundou a BFG. “Este espaço onde estamos era um armazém onde guardavam os stocks das ferragens, muitas delas importadas em grande quantidade da Alemanha”, explica uma delas, Alexandra Oliveira, 46 anos, sentada numa das mesas, poucos minutos antes da hora de almoço — há um menu semanal que inclui sopa, bebida, prato, sobremesa e café por sete euros.
Custa a acreditar, mas o cinzento e o acobreado dos materiais antes ali guardados foi caiado de branco e, ao ser destapado, além de “uma luz especial”, revelou um chamativo, e comprido, painel de azulejos que “deverá estar aqui desde a formação da loja”. Durante três anos, o pátio serviu de palco às festas e reuniões da família, que ainda é proprietária dos andares de cima do edifício, de habitação, mas Alexandra viu ali mais uma oportunidade para “diversificar o negócio”. “Que ainda continua a funcionar de forma muito familiar”, relembra, enquanto olha para o balcão à entrada, onde a mãe e a tia, as restantes sócias, e o Sr. Miguel, funcionário da casa há mais de 50 anos, recebem os clientes.
Já para o Pátio do Bonjardim se abrir para a clientela habitual, ou outros que lá chegam através do “passa a palavra”, e depois tornam-se clientes, Alexandra Oliveira juntou-se a Marta Bessa, uma das primas, e pegou no livro de mimos da avó, que é como quem diz, as receitas dos bolos que ela, "excelente cozinheira", fazia. “O conceito é haver alguma ligação às ferragens e não ser uma cafetaria completamente desligada do resto da loja”, conta. “Queremos na mesma ter o peso da tradição, queremos ter o peso das ferragens e tentamos, de forma mais ou menos criativa, associá-los.”
Por isso é que a “chave mestra”, que deve conseguir abrir qualquer refeição, é a sopa do dia (1,50 euros); as tostas em pão alentejano (4,50 euros) são as “dobradiças” — e desdobram-se em vários sabores, do presunto ao salmão —; as tábuas de queijos, enchidos e conservas de pescado são “para pregar” (sete euros) e o doce do dia (1,50 euros) fecha o almoço ou o lanche com “chave de ouro”. Mas quando “a fome bate à porta”, garante Alexandra, a sorrir enquanto segue os trocadilhos que o menu nas nossas mãos nos atira, o melhor mesmo é optar por um dos pratos ligeiros (4,50 euros). Pode escolher entre crepes de vegetais, frango e camarão, pastéis de vitela, empadas de bacalhau ou espinafres e requeijão e timbales, acompanhados por salada, batata frita ou arroz.
E pode também ter a certeza que tudo é "caseiro e sabe a familiar", como se estivesse estendido na cama de rede (também há lá uma) do seu próprio pátio. Afinal, este espaço é quase secreto e, por isso, uma “agradável surpresa” para quem o descobre. Na porta do número 404 da Rua do Bonjardim, há duas indicações para a cafetaria. Mas, escondidas atrás das floreiras, não são à prova dos mais distraídos. E, em dias de Inverno, não se deixe assustar pela palavra “pátio”: há cerca de 18 lugares para quem preferir ficar aconchegado no interior da loja.
“Isto é quase o culminar de um processo longo de evolução”, explica Alexandra, que gosta de pensar que a cafetaria “veio completar e modernizar”. “O comércio tradicional tem de se ajustar à realidade de hoje em dia. Não podemos parar, não podemos ficar de braços cruzados a queixar-nos. Temos de ver o que as pessoas gostam e o que procuram”, diz, entusiasmada, sobre a loja que se viu reconhecida pela Câmara Municipal do Porto como uma das lojas protegidas pelo programa Porto de Tradição. “Queremos ajustar, reutilizar e restaurar sem destruir o que foi feito. E sem deitar fora a história e a tradição, que é muito importante.” Olha para a prima, atarefada na copa, em jeito de cumplicidade: “Numa loja centenária não podemos chegar aqui e deitar tudo abaixo para fazer outra vez de novo.”