"Sei que não sei beber, não tenho controlo"

É o segundo tratamento por dependência alcoólica a que José se submete. Tem 36 anos, começou a beber aos doze. Agora, reconhece que não consegue parar.

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Adriano Miranda

Quando saía de casa para o primeiro café e cigarro, José (nome fictício) repetia para si mesmo que naquele dia não se repetiria o que se passara na véspera. Que resistiria a passar no supermercado onde, dia sim dia sim, se publicitavam promoções de cerveja em packs XL a metade do preço. “Fico com a ideia de que, no último ano, a cerveja esteve sempre a metade do preço. O preço podia ser o mesmo de sempre, mas lá estava o cartaz a dizer ‘50% de desconto’. Agarrava num pack e isolava-me em casa a beber”, descreve, numa conversa em que sopesa as palavras para não correr o risco de ser identificado.

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Quando saía de casa para o primeiro café e cigarro, José (nome fictício) repetia para si mesmo que naquele dia não se repetiria o que se passara na véspera. Que resistiria a passar no supermercado onde, dia sim dia sim, se publicitavam promoções de cerveja em packs XL a metade do preço. “Fico com a ideia de que, no último ano, a cerveja esteve sempre a metade do preço. O preço podia ser o mesmo de sempre, mas lá estava o cartaz a dizer ‘50% de desconto’. Agarrava num pack e isolava-me em casa a beber”, descreve, numa conversa em que sopesa as palavras para não correr o risco de ser identificado.

Com 36 anos, desempregado, passou o último ano nisto. A acordar repetindo para si a promessa de não voltar a beber (“acabou”), a deixar-se desviar para a primeira cerveja (“é mesmo só uma”) e a acabar por chegar a casa munido de mais uma embalagem de cervejas. “Bebia umas quinze por dia. Descontrolei-me. E não estava a conseguir parar. Já não fazia refeições praticamente nenhumas."

É a segunda vez que passa pelo Centro de Alcoologia do Centro. Na primeira, chegou empurrado pela família. Teria “23 ou 24 anos”, sendo que já bebia desde há muito. Com a mãe ocupada a tratar dos pais — ela com Parkinson e ele com Alzheimer —, logo sem tempo para os seus próprios filhos, José habituou-se a crescer sem controlo parental. Iniciou-se no álcool aos 12 anos, quando começou a trabalhar na área da hotelaria para financiar os ímpetos adolescentes. “Queria poder comprar as minhas sapatilhas, os meus computadores. Mais tarde, tornei-me assistente de alguém que tinha problemas com a bebida — whisky. Acompanhava-o. Aí já bebia diariamente. Num dia, espatifei o carro todo. Fui para o hospital, tinha álcool no sangue e apreenderam-me a carta. Vim [para a Unidade de Alcoologia] empurrado pela família."

Quando saiu, julgou-se curado. “Cá recomendavam que não bebêssemos cerveja sem álcool, porque há sempre uma percentagem mínima, e que evitássemos vinagre nos temperos, mas eu ignorei." Retomou hábitos antigos, foi viver com uma namorada que, algum tempo depois, decidiu acabar com a relação. “Estava a viver na casa dela, tive de sair, caí em depressão, voltei a refugiar-me na bebida."

Quando a este cenário se somou o desemprego, perdeu o controlo. “Às vezes, quando tinha recaídas vinha cá e, com a ajuda da medicação, conseguia controlar. Desta vez, não estava a conseguir." Quando pediu para ser internado pela segunda vez, já sabia ao que ia. “A primeira vez foi mais dura. Vi casos chocantes. Nem toda a gente tem esta oportunidade. E eu nem sequer tenho a desculpa de ser do tempo das sopas de vinho que se davam às crianças para lhes dar força e as manter quentes."

Para prevenir tentações, José vai, quando sair, tentar viver uns tempos em casa dos pais. Para contornar a solidão que convida à bebida. E vai, provavelmente, evitar entrar em supermercados. “A publicidade associada à cerveja...não a deviam fazer. Convida ao consumo e, na maior parte das vezes, são falsos descontos." A diferença agora é que sabe que não é capaz. “Sei que não sei beber, não tenho controlo."