O federalismo democrático helvético futuro para a Europa
Numa Europa de tantas nações, o federalismo helvético é o mais capaz de corresponder às exigências da construção europeia.
Mesmo quando se fala em federalismo democrático, impõe-se saber de que federalismo estamos a falar. Sendo certo que a Europa foi a mãe do patriotismo, a América foi-o do federalismo: EUA, Canadá, federalismo argentino, brasileiro, mexicano, apesar de estes, salvo o Canadá, também terem estatuto de nações. A heterogeneidade americana é dispersa em todo o território. A da Europa é circunscrita aos Estados e nações.
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Mesmo quando se fala em federalismo democrático, impõe-se saber de que federalismo estamos a falar. Sendo certo que a Europa foi a mãe do patriotismo, a América foi-o do federalismo: EUA, Canadá, federalismo argentino, brasileiro, mexicano, apesar de estes, salvo o Canadá, também terem estatuto de nações. A heterogeneidade americana é dispersa em todo o território. A da Europa é circunscrita aos Estados e nações.
Resta-nos confrontar o modelo federal americano, presidencialista, e o modelo federal suíço, parlamentar e de democracia participativa. Mas a primeira confrontação que teremos de assumir é a articulação do cosmopolitismo e do patriotismo, quando este teve na Europa a sua maior expressão.
1. Por uma aliança do patriotismo com o cosmopolitismo
São deploráveis os comentários de Jean-Claude Junker, ex-líder de um minúsculo país, o Luxemburgo, sobre quantos Estados deverão integrar a UE, sendo claro que deverão integrar a UE todos os Estados europeus que cumprirem os requisitos de entrada! Como também são deploráveis, a nível nacional, os comentários do ideólogo do Livre, Rui Tavares, que estimamos, denegrindo o patriotismo. Refere no PÚBLICO de 17 de novembro último: “Enquanto a esquerda e a direita democrática não perceberem que as ideias se combatem com ideias e que as ideias nacionalistas, racistas e xenófobas se combatem com ideias cosmopolitas, anti-racistas e universalistas”, está-se, de facto, a insinuar que as ideias nacionalistas (preferimos o termo patrióticas, não sendo por acaso que R.T. usa o termo nacionalista...), racistas e xenófobas são uma e a mesma coisa... Esquecendo, contudo, que na patriótica Catalunha se fez a mais impressionante manifestação a favor da imigração para a Europa das vítimas da guerra na Síria...
Opor cosmopolitismo, universalismo, ao patriotismo é esquecer que a busca de identidade é talvez a mais poderosa força de humanização. Com uma federação europeia procura-se um duplo patriotismo: o nacional e o europeu.
A identidade universalista já vem de longe, apesar de ainda ser ténue como força aglutinadora da espécie humana: é a essência do cristianismo! Sendo, todavia, verdade que as ideias nacionalistas, racistas e xenófobas já mergulharam “a Europa em várias tragédias” (R.T.), é também verdade não só que foi o patriotismo russo e inglês e de tantos outros que salvou a Europa do nazismo, mas também foi o patriotismo dos povos africanos, indianos, chineses, indonésios e da ex-URSS que acabou com o colonialismo... talvez o acontecimento mais importante do século XX.
Como já afirmámos noutros artigos sobre o federalismo democrático, “o princípio da autodeterminação dos povos é afirmado no fim da Primeira Guerra Mundial para apoiar pretensões independentistas dentro do império austro-húngaro, e depois da Segunda Guerra Mundial é ampliado, estendido a favor dos povos coloniais”.
Opor patriotismo a cosmopolitismo é de uma miopia confrangedora que pode, de facto, fazer perigar a construção europeia. Sendo óbvio que, numa perspetiva federalista, se torna necessário assegurar as bases mínimas para legitimar aspirações independentistas.
Uma região que tem aspirações a Estado deverá, a nosso ver, ter uma língua e manifestações culturais diferentes do Estado a que pertence, assim como legitimar a independência com um duplo referendo positivo: a do candidato a Estado e do conjunto de Estados que nessa altura pertençam a uma Europa federal.
2. Federalismo suíço: um modelo para a Europa
O mundo vive neste momento um verdadeiro pesadelo: o conflito de Kim Jong-un e Donald Trump, qual deles o mais irresponsável! Aquando da chamada “crise dos mísseis de Cuba”, em 1962, o planeta correu o risco de uma guerra nuclear.
O embate entre a URSS e os EUA devido à presença de mísseis da URSS em Cuba foi negociado no quadro do que então se chamava “coexistência pacífica”.
O líder da URSS era, na altura, Nikita Khrustchov, que tinha sido o grande teorizador da coexistência pacífica e o primeiro dirigente comunista a denunciar o estalinismo. Com fama de colérico, era um homem simples, sensato e prudente. Os EUA eram dirigidos por um jovem presidente, John Kennedy, que tinha sido o primeiro dirigente democrata eleito depois da Segunda Guerra Mundial. O planeta estava bem entregue. E agora?
Com a diferença de que Kim Jong-un é um vulgar ditador comunista, Donald Trump é o Presidente eleito do país mais poderoso do mundo. Tem acesso a um potencial nuclear capaz de destruir várias vezes a humanidade. Pode carregar no botão sozinho!
É este federalismo que nós defendemos para a Europa? Claro que não! A eleição direta de um presidente de uma federação europeia é de uma irresponsabilidade ilimitada...
O federalismo helvético, ao eleger em congresso federal (constituído pelo Parlamento e o Conselho de Estado, Senado, em que estão representados todos os cantões), todos os anos, um dos membros do Conselho Federal Presidente e vice-presidente da ainda chamada “Confederação Helvética”, é de uma ilimitada sensatez...
Não queremos um presidente que carregue sozinho no botão, não nos preocupando minimamente que ninguém possa responder a um telefonema do presidente Trump!
O federalismo alemão está agora a braços com uma situação delicada, eventualmente ultrapassável, dada a disponibilidade dos socialistas. Angela Merkel não conseguiu constituir governo, nem com os liberais, nem com os verdes.
Uma vez mais, o federalismo suíço, ao eleger para o Conselho Federal membros de vários partidos, impõe uma solução para estes casos. Os consensos são implícitos, senão obrigatórios... De facto, o Conselho Federal Suíço tem, em si, a solução para o problema que, agora, aflige Angela Merkel.
Numa Europa em que coexistem tantas nações, Estados, culturas e línguas, o federalismo helvético parece-nos bem mais capaz de corresponder às exigências da construção europeia. É nosso desejo que o futuro federalismo europeu também possa beneficiar da qualidade da democracia participativa helvética...
Professores universitários
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico
Este texto é o último de uma série sobre federalismo que o PÚBLICO publicou mensalmente