O sótão da minha mãe é a minha “cloud” dos anos 80
Recordo-me perfeitamente de receber uma garagem da Galp no Natal. Daquelas ainda com o símbolo antigo de arestas agressivas e vértices angulosos a imitar o fogo.
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Recordo-me perfeitamente de receber uma garagem da Galp no Natal. Daquelas ainda com o símbolo antigo de arestas agressivas e vértices angulosos a imitar o fogo.
Foi dos Natais mais tristes que tive, pois o meu pai tinha tido um acidente de viação que o atirou para uma cama de hospital durante uns longos 14 meses.
A garagem, comprada com enorme esforço da minha mãe, amenizou-me o espírito e prendeu-me horas a fio a brincar com carros, carrinhos e carripanas. Recordo-me de ampliar a garagem e o espaço em volta dela com cartão e pedaços de madeira. Com tesoura, cola e outro tipo de objectos de iniciação à bricolage consegui tornar a minha garagem única. Grande, imponente e especial. E como a minha garagem não havia nenhuma! Era só minha e eu tinha muito orgulho nela.
Os anos foram passando e depois das bicicletas e dos skates veio o Spectrum e as consolas portáteis onde o Tetris e o Super Mario ocupavam as minhas tardes.
Hoje em dia os sons das brincadeiras são os “swoosh” e os “pings” dos tablets e dos smartphones. E não vem nenhum mal ao mundo por isso!
As manualidades das brincadeiras com garagens de carrinhos e Playmobil deram lugar aos gestos nos écrãs de vidro. Os gestos de Natal são também manuais, todavia sem a manualidade de outrora.
Mas eu padeço do mesmo mal. Os meus filhos estão convencidos que os seus presentes de Natal deste ano serão dois iPads. Dois! E segundo as palavras do meu de seis anos “um iPad pai, por favor! Não quero um tablet”. Ao que eu respondo “claro! São coisas diferentes e não bastava um. Têm que ser dois. E o dinheiro até cai do céu!...”
Tecnologias e presentes à parte, o que me levou a estas palavras foi ter visto o Simão e a Joana na brincadeira em casa da avó com pequenos objectos e pedaços de cartão, carros, carrinhos e carripanas a contruírem espaços e pequenas ruas à frente da minha velha garagem da Galp.
É caso para dizer que o sótão da minha mãe é a minha “cloud” nos anos 80!
O autor escreve em desacordo ortográfico.