Raríssimas, a super-telenovela rasca
Não chega a celebração das nossas performances financeiras. Há também o sabor amargo de um país que se esquece, se abandona, se despreza e persiste em descer ao nível de uma telenovela rasca – mesmo que raríssima.
É raro, mesmo raríssimo, encontrar um título tão inspirado para uma telenovela: Raríssimas. Imagina-se um universo feminino povoado de mulheres belas ou simplesmente estranhas, com comportamentos conflituosos ou bizarros que se vão acentuando ao longo dos episódios até culminarem num desfecho surpreendente. Mas não. Esta é uma telenovela onde a realidade ultrapassa a ficção e ameaça deixar as telenovelas propriamente ditas à míngua de espectadores, desafiando os argumentistas dos folhetins televisivos a puxar pela imaginação para concorrer com Raríssimas que, contrariamente às aparências ficcionais, identifica um universo de doenças raras e uma instituição particular de solidariedade social a elas dedicada (uma IPSS entre as cerca de quatro mil que existem em Portugal, ocupando funções mais ou menos meritórias em que a sociedade civil se substitui às carências organizativas do Estado).
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É raro, mesmo raríssimo, encontrar um título tão inspirado para uma telenovela: Raríssimas. Imagina-se um universo feminino povoado de mulheres belas ou simplesmente estranhas, com comportamentos conflituosos ou bizarros que se vão acentuando ao longo dos episódios até culminarem num desfecho surpreendente. Mas não. Esta é uma telenovela onde a realidade ultrapassa a ficção e ameaça deixar as telenovelas propriamente ditas à míngua de espectadores, desafiando os argumentistas dos folhetins televisivos a puxar pela imaginação para concorrer com Raríssimas que, contrariamente às aparências ficcionais, identifica um universo de doenças raras e uma instituição particular de solidariedade social a elas dedicada (uma IPSS entre as cerca de quatro mil que existem em Portugal, ocupando funções mais ou menos meritórias em que a sociedade civil se substitui às carências organizativas do Estado).
Amanhã, segunda-feira, todas as atenções irão estar concentradas no Parlamento, onde decorre um episódio decisivo: o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, uma das figuras mais respeitadas do actual Governo, vai ser ouvido pelos deputados sobre as suas controversas relações com a instituição que foi, na última semana, o tema quase exclusivo das conversas em Portugal. Já se fala, inclusivamente, numa hipótese de demissão, tendo em conta a fragilidade política a que o ministro está exposto – e que, a acontecer, seria o mais sério abalo sofrido pelo Governo de António Costa.
O enredo desta telenovela real, que se tornou público a partir de uma reportagem da TVI, é já amplamente conhecido e nele se misturam alguns ingredientes das telenovelas propriamente ditas: a personagem principal, uma mulher, toma a iniciativa de lançar uma organização de indiscutível utilidade pública numa área mal coberta pelo Estado, mas os nobres propósitos da instituição acabam por ser corrompidos pelos jogos de poder, conflitos internos, nepotismo, aproveitamento pessoal e artes de manipulação em que se destaca essa personagem principal. E é aí que também aparecem as clássicas relações promíscuas com o mundo político, envolvendo um membro do Governo já demitido e comprometendo o ministro mencionado e a sua mulher, deputada do PS, devido a relações anteriores com a instituição agora sob suspeita de graves irregularidades.
Querem argumento melhor para uma portuguesíssima telenovela (embora, é claro, sem os requintes shakespearianos de uma Operação Marquês)? Pelo menos, nada parece mais propício à exploração do voyeurismo do chamado espectador comum e ao apetite vulgar da sordidez e do cinismo do que esta história feita à medida das redes de esgoto sociais e deste país de vigaristas, bandidos e ladrões tão celebrado nessas redes.
Como sair desta triste fatalidade? Não há remédios miraculosos mas há pelos menos princípios irrenunciáveis: entre eles, a transparência e a seriedade dos comportamentos cívicos e políticos, a força do carácter, a lisura dos procedimentos, a independência esclarecida da justiça e o rigor actuante de uma imprensa livre. Se estamos sempre a aprender, é preciso que, de cada vez, aprendamos a ser uma sociedade e uma democracia melhores. Não chega a celebração das nossas performances financeiras – como a nova subida nos ratings das agências – que leva o primeiro-ministro a dizer que 2017 foi “um ano particularmente saboroso para Portugal”. Há também o sabor amargo de um país que se esquece, se abandona, se despreza e persiste em descer ao nível de uma telenovela rasca – mesmo que raríssima.