Chilenos escolhem novo Presidente em clima de suspense

O liberal Sebastián Piñera tenta regressar ao palácio de La Moneda, mas a união dos votos à esquerda pode garantir a vitória ao social-democrata Alejandro Guillier.

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Ao contrário do que sucede nos países vizinhos, onde a luta política entre a direita e a esquerda suscita paixões e ódios arrebatados, o confronto eleitoral deste domingo no Chile, entre o liberal Sebastián Piñera, candidato a regressar ao palácio presidencial de La Moneda, e o concorrente que representa o “oficialismo” da esquerda moderada, Alejandro Guillier, decorre em ambiente de enorme civilidade e num contexto de prosperidade económica e estabilidade política.

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Ao contrário do que sucede nos países vizinhos, onde a luta política entre a direita e a esquerda suscita paixões e ódios arrebatados, o confronto eleitoral deste domingo no Chile, entre o liberal Sebastián Piñera, candidato a regressar ao palácio presidencial de La Moneda, e o concorrente que representa o “oficialismo” da esquerda moderada, Alejandro Guillier, decorre em ambiente de enorme civilidade e num contexto de prosperidade económica e estabilidade política.

Porém, o aparente desinteresse ou falta de entusiasmo com que a campanha eleitoral está a ser acompanhada ilude não só o carácter disputado e imprevisível da corrida, como também o possível impacto – nacional e regional – do seu desfecho. O clima é de suspense. Do resultado depende a consolidação de algumas conquistas sociais recentes, como o direito ao divórcio e ao aborto, e à educação gratuita. Mas as maiores repercussões deverão sentir-se no palco continental sul-americano, onde a actual tendência para um realinhamento político à direita poderá ser acentuada ou invertida, consoante o vencedor.

O favoritismo de Sebastián Piñera, que ocupou a presidência entre 2010 e 2014, e cuja reeleição era praticamente dada como certa, esfumou-se assim que foram conhecidos os resultados da primeira volta, a 19 de Novembro. O milionário que logrou pôr fim à hegemonia de governos de esquerda desde a redemocratização do Chile, terminou à frente com 36,6% dos votos, um resultado inesperado e bastante aquém das suas aspirações. A dispersão de votos à esquerda – onde a emergência de uma nova força política, a Frente Ampla, veio baralhar as contas e os equilíbrios políticos – acabou por favorecer o seu adversário, Alejandro Guillier, um antigo jornalista e senador que passou à segunda volta com 22% dos votos – mas com um terreno mais fértil para fazer crescer a votação (sobretudo depois de Beatriz Sánchez, a líder da radical Frente Ampla que não declarou o apoio em nenhum dos candidatos, ter confirmado que vai votar em Guillier).

“A matemática joga a favor de Piñera mas o momentum está do lado de Guillier”, resumia o analista Francisco José Covarrubias ao jornal El Mercurio. As últimas sondagens (por lei, realizadas 15 dias antes da votação) apontavam um empate virtual na corrida: 40% para Piñera e 39% para Guillier. Mas como os inquéritos falharam na previsão do resultado da primeira volta, e como mais de 20% dos inquiridos ainda não tinham decidido sequer se iam ou não votar, ninguém lhes atribui grande credibilidade. “Uma das novidades destas eleições tem sido a enorme dificuldade em ler o eleitorado”, admitia à Reuters o professor da Universidade de Valparaíso, Guillermo Holzmann.

Em vez de comentar as intenções de voto em cada um dos candidatos, os analistas e comentadores (tal como os dois políticos) preferem assinalar a importância da participação na votação como o factor decisivo. O Chile figura no top 5 dos países do mundo com mais alta taxa de abstenção eleitoral, com mais de 60%. Na primeira volta, só 47% dos quase 14 milhões de eleitores foram às urnas: se a percentagem aumentar este domingo, serão boas notícias para Guillier, o homem que se propõe aprofundar as reformas desenhadas pela actual Presidente Michelle Bachelet (apesar de se ter lançado na eleição como independente).

“Ganhe quem ganhar, seguirá tudo na mesma”, dizem os chilenos, que não esperam mudanças profundas quer o poder passe para o eixo do centro-direita, se ganhar o candidato conservador, ou se mantenha nas mãos do centro-esquerda, em caso de vitória do concorrente social-democrata. Ainda assim, nos derradeiros dias de campanha, os dois extremaram posições para forçar a polarização. E, num sinal da importância da eleição no contexto latino-americano, encerraram as respectivas campanhas acompanhados de ex-dignitários – o mexicano Felipe Calderón e o colombiano Álvaro Uribe estiveram ao lado de Piñera, enquanto o popular ex-Presidente uruguaio, José Mujica, apelou ao voto em Alejandro Guillier.

Em termos macroeconómicos, são mais as semelhanças do que as diferenças nas plataformas de ambos os candidatos, embora Piñera defenda uma baixa fiscal para promover o investimento e Guillier aposte na construção de infraestruturas. Embora com soluções distintas, os dois reconhecem a necessidade de “actualizar” o modelo de segurança social e pensões no Chile. E nas matérias sociais e de costumes também não existe propriamente um grande fosso ideológico entre Guillier e Piñera (que é bastante liberal em comparação com os tradicionais conservadores chilenos).

Quem vier a ser eleito, terá de ajustar a governação a uma nova realidade parlamentar. Nas legislativas de Novembro, que inauguraram um novo sistema proporcional para a eleição de deputados, não se formou uma maioria parlamentar – o novo Congresso terá uma configuração fragmentada que obrigará o Presidente a negociar acordos para executar o seu programa.