Câmara de Lisboa entrega gestão do Teatro Maria Matos a privados
Repensando a rede de teatros municipais de Lisboa, a vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, antecipa ao PÚBLICO as novas vidas para o Teatro Luís Camões, o Teatro do Bairro Alto e o Teatro Maria Matos.
Vai já muito longe o ano de 1880, quando o comerciante João da Cunha Açúcar resolveu custear a construção de um dos primeiros teatros de bairro lisboetas, na Calçada da Ajuda. Baptizado Teatro Luís de Camões, ali foi persistindo, tendo acolhido durante mais de um século o Belém Clube, mesmo depois de a Câmara Municipal de Lisboa ter expropriado a sala, em 1954, pela falha do proprietário em cumprir com as necessárias obras de conservação. Por estes dias, o pequeno teatro à italiana é alvo de uma intervenção de fundo que o capacitará para, em Setembro de 2018, ser um dos novos equipamentos da cidade (com 150 lugares), especialmente direccionado para a programação infanto-juvenil.
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Vai já muito longe o ano de 1880, quando o comerciante João da Cunha Açúcar resolveu custear a construção de um dos primeiros teatros de bairro lisboetas, na Calçada da Ajuda. Baptizado Teatro Luís de Camões, ali foi persistindo, tendo acolhido durante mais de um século o Belém Clube, mesmo depois de a Câmara Municipal de Lisboa ter expropriado a sala, em 1954, pela falha do proprietário em cumprir com as necessárias obras de conservação. Por estes dias, o pequeno teatro à italiana é alvo de uma intervenção de fundo que o capacitará para, em Setembro de 2018, ser um dos novos equipamentos da cidade (com 150 lugares), especialmente direccionado para a programação infanto-juvenil.
É um dos três equipamentos da rede dos teatros municipais para os quais a vereadora da Cultura Catarina Vaz Pinto anuncia uma nova vida a partir da temporada de 2018/19. “Os primeiros dois mandatos foram muito dedicados a museus e bibliotecas, mas já há muito que falávamos da necessidade de nos ocuparmos da rede dos teatros municipais”, diz ao PÚBLICO. A saída de Mark Deputter do Teatro Maria Matos para a Culturgest e o encerramento do Teatro da Cornucópia – que habitava o Teatro do Bairro Alto – levaram a autarquia a repensar a rede e a avançar com concursos públicos para a gestão e direcção das duas salas. A médio prazo juntar-se-á ainda o Teatro Variedades, no Parque Mayer.
Este novo ciclo na programação dos teatros municipais responde à vontade de ter uma rede mais articulada?
Exactamente. As pessoas não têm noção, mas a Câmara Municipal tem dez teatros – o que é imenso. Dois deles têm sido até agora geridos directamente pela EGEAC – o São Luiz e o Maria Matos –, mas pertencem ainda à Câmara o Teatro Aberto, o Cinearte, o espaço do Teatro Meridional, o Teatro Taborda, A Comuna e, mais recentemente, o Capitólio, o Teatro Luís de Camões e o Variedades – que também está em obras. Dez teatros permitem pensá-los não só na perspectiva dos teatros municipais, mas também na forma como a Câmara se pode relacionar com o todo. Esse contexto levou-nos a pensar um novo ciclo. Um ciclo em que vocacionamos o Teatro Luís de Camões para as artes performativas infanto-juvenis, na sequência do trabalho que foi desenvolvido pelo Maria Matos, uma vez que foi uma área que cresceu muito e estava um pouco sufocada porque não tinha espaço para onde crescer.
Isso deve-se a um diagnóstico de que os equipamentos são, neste momento, insuficientes para a programação infanto-juvenil?
Sim. É muito importante criar estes hábitos de fruição cultural. O projecto desenvolvido no Maria Matos tem sido muito criativo, também no sentido de desafiar artistas que nem sempre estão habituados a trabalhar para estes públicos. Queremos solidificar este trabalho, conscientes de que para criar espectadores no futuro, e cidadãos activos e capazes de participar na esfera pública, é fundamental que tenham a possibilidade de acesso à arte e à cultura desde pequenos. Essa tem sido uma grande aposta nos nossos equipamentos, mas o Maria Matos teve um papel de força motriz. Aquela que tem sido a programação do Maria Matos inclui dois eixos – programação infanto-juvenil e programação de arte contemporânea experimental que é nossa missão manter com as melhores condições possíveis.
A direcção do Teatro Luís de Camões vai ser escolhida por concurso público?
Não, vai ter gestão directa da Câmara através da EGEAC, mas aqui achámos que poderíamos não fazer concurso público para dar oportunidade à equipa que tem vindo a desenvolver o projecto no Maria Matos de o fazer crescer. Em relação ao Maria Matos, que tem tido várias vidas desde que foi construído, vamos começar um novo ciclo de programação e vocacioná-lo para teatro de qualidade para grande público –comédia, drama ou teatro musical. Aí haverá concurso público para selecção de um projecto artístico.
Essa vocação do Teatro Maria Matos não entrará em conflito com o posicionamento do São Luiz?
Não, porque o Maria Matos terá um modelo de programação bastante diferente, com carreiras mais longas e uma maior preocupação de captação de público, para ser rentável. Toda a exploração do teatro vai ser deixada na mão da entidade que ganhar o concurso. No São Luiz estamos a fazer política cultural de uma forma mais directa através da programação, com espectáculos de duração mais curta, mais diversificada em termos de teatro e dança, com projectos inovadores e muito acolhimento de grandes eventos da Câmara – a Gala Abraço, homenagens de carreira. Essa parte da missão enquanto teatro da cidade reservamo-la para o São Luiz. A nossa preocupação é sempre a de garantir a maior diversidade na oferta cultural da cidade.
A missão do Maria Matos será então a de um espaço sobretudo de acolhimento?
Não, o modelo será o do Capitólio [cuja gestão está entregue à agência Sons em Trânsito] – vamos arrendar o espaço a uma entidade, na perspectiva de uma empresa de produção mais do que uma companhia ou um director artístico, e que irá explorar o teatro com base num programa avaliado em sede de concurso. Mas será mais vocacionado para espectáculos de grande público, que vivem da bilheteira e de alguns patrocínios. Não tem que ver com uma ideia de financiamento à programação que existe nos outros teatros.
E no caso do Teatro do Bairro Alto?
Vamos vocacioná-lo para o teatro e as artes performativas contemporâneos emergentes – o trabalho que vinha a ser feito pelo Maria Matos –, e realizar um concurso para a direcção artística desse espaço. O facto de os consultores para a área da música e a pessoa ligada aos ciclos de pensamento que trabalhavam com o Mark Deputter terem seguido com ele para a Culturgest leva-nos a crer que não vamos repetir isso no Teatro do Bairro Alto. Mas tudo o resto – teatro, dança, a integração dos nossos artistas em redes internacionais, o acolhimento das companhias estrangeiras mais interessantes nessa área, a articulação com os outros teatros nacionais, tudo isso é muito importante. Por outro lado, queríamos também que, com estas mudanças, pudesse haver uma ideia de percurso profissional para os artistas. Há o emergente-emergente que tem espaço no Alkantara, no Negócio, nas Gaivotas6 do Teatro Praga; diria que o Teatro do Bairro Alto será um novo patamar, a caminho de um outro que será a Culturgest, o CCB, o Teatro Nacional Dona Maria II. As novas companhias, ao contrário do que acontecia com o teatro independente a seguir ao 25 de Abril, já não têm os seus espaços, circulam pelas várias programações – às vezes com insuficiente visibilidade face ao que é o trabalho de preparação porque as carreiras são muito curtas.
Essa decisão prende-se com a conclusão de que o Maria Matos seria um espaço sobredimensionado para as produções que apresentava?
Nalguns casos. Acho que é uma questão que tem que ver com o nosso tempo e com o que os artistas gostam de fazer. Desse ponto de vista o Teatro da Cornucópia foi muitíssimo inovador porque optou por um espaço cénico que permitiu sempre uma relação muitíssimo diferente quer com o público quer com a cenografia dos espectáculos. Hoje em dia a maior parte dos artistas contemporâneos prefere estes modelos que não têm que ver com o teatro à italiana. Há também algum desajustamento entre aquilo que as gerações mais novas fazem e como pensam a sua relação com o espectador. Não fazia sentido deixar que não fosse resgatado como espaço teatral para a cidade, mas esta solução só começou a tomar forma quando percebemos que havia um risco efectivo de ser transformado noutro projecto que não fosse cultural.
Na altura da saída de Mark Deputter foi declarado que seria preciso esperar para ver qual seria a sua linha de programação na Culturgest para só depois se decidir sobre a direcção do Maria Matos. Existiu esse diálogo?
Sim, falámos com o Mark. Talvez a expectativa mais imediata das pessoas seja a de que continuemos a prosseguir no Maria Matos uma programação parecida com aquela que ele desenvolveu. Achamos que isso não faz sentido de uma forma tão óbvia. Não é bom para a cidade estarmos todos a fazer o mesmo. Daí que devamos proceder a uma permanente monotorização do que está a acontecer e intervir onde existam lacunas.
Estas próximas vidas para o Teatro do Bairro Alto e para o Maria Matos começam com o arranque da próxima temporada?
Vamos abrir os concursos em Janeiro e queremos tê-los terminados no final de Fevereiro, início de Março. Temos programação fechada no Maria Matos até Julho, com algumas coisas pendentes até ao final do ano. Diria que tudo arrancará a partir da próxima temporada, mas que poderá começar em Setembro, Outubro ou até eventualmente Janeiro de 2019. Há, naturalmente, todo um trabalho de programação que não se faz de um dia para o outro.