Gosto de vinho bom, o mau chateia-me
Gosto mesmo de vinho. Não gosto é de pregadores do vinho, nem do pensamento único e muito menos do politicamente correcto.
Não sou esquisito a beber vinho. Gosto muito dos brancos e dos tintos da Bairrada, dos Quinta das Bágeiras, dos Luís Pato e Filipa Pato, dos kompassus, de alguns Campolargo, dos Caves São João, dos velhos e dos novos, dos Sidónio de Sousa, dos Quinta da Vacariça menos extraídos, dos velhos Casa de Saima, Solar das Francesas, Gonçalves Faria e de todos aqueles que ajudaram a fazer a fama da Bairrada. Gosto do Quinta de Baixo VV e do Poeirinho, do Dirk Niepoort. E também gosto muito dos brancos que o meu amigo Manuel Ruivo faz nos Covões, vinhos sem rótulo e sem fórmulas, feitos em casa. Gosto de Bairrada clássicos e de Bairrada modernos, mesmo que os modernos sejam os clássicos e os clássicos sejam os modernos. Ou lá o que for.
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Não sou esquisito a beber vinho. Gosto muito dos brancos e dos tintos da Bairrada, dos Quinta das Bágeiras, dos Luís Pato e Filipa Pato, dos kompassus, de alguns Campolargo, dos Caves São João, dos velhos e dos novos, dos Sidónio de Sousa, dos Quinta da Vacariça menos extraídos, dos velhos Casa de Saima, Solar das Francesas, Gonçalves Faria e de todos aqueles que ajudaram a fazer a fama da Bairrada. Gosto do Quinta de Baixo VV e do Poeirinho, do Dirk Niepoort. E também gosto muito dos brancos que o meu amigo Manuel Ruivo faz nos Covões, vinhos sem rótulo e sem fórmulas, feitos em casa. Gosto de Bairrada clássicos e de Bairrada modernos, mesmo que os modernos sejam os clássicos e os clássicos sejam os modernos. Ou lá o que for.
Se eu mandasse, todos os vinhos seriam como os do Bussaco. Vinhos formidáveis e inteligentes: juntam o melhor da Bairrada e do Dão. Gosto muito do Dão. Gosto dos Roques, dos Pellada, dos Passarela, dos Carvalhais, dos Santar da Dão Sul, dos Carvalhão Torto, dos Terras de Tavares, das colheitas antigas do Centro de Estudos de Nelas, dos vinhos artesanais que o António Madeira está a fazer na zona da serra da Estrela e de tantos outros que me vou esquecer.
Gosto de quase tudo, até de provas cegas, apesar da figura triste que por vezes fazemos. Gosto do Alentejo, de Lisboa, dos Vinhos Verdes, das Beiras e de Trás-os-Montes (oh se gosto!). Gosto de vinhos de argilo-calcário, de granito, de areia, de xisto e também de basalto. Por isso gosto tanto dos Madeira e dos brancos da Terceira e do Pico. Dos tranquilos e dos licorosos. Do Pico gosto de tudo. A paixão não se explica.
Antes dos vinhos, gosto dos lugares. Já gostava muito do Douro antes de gostar dos vinhos do Douro. Sou de lá, sou suspeito. Gosto dos tintos e dos brancos, de moscatéis velhos e de Porto. Gosto mais de Tawny do que de Porto Vintage. Mas posso mudar de ideias, se um dia provar o Quinta do Noval Nacional 1931.
Não gosto de Porto baratos, nem de Pink. Também não gosto dos Douro muito extraídos e alcoólicos. Acho que também não gostava dos palhetes que o meu pai fazia no seu minúsculo lagar, mas na altura também não gostava de vinho. Hoje, gosto de palhetes, de vinhos retintos, de vinhos sem cor, com barrica ou sem barrica, de talha ou de inox. Basta serem bons. Não gosto de vinhos maus. Chateiam-me. A ter que ingerir álcool, prefiro antes uma cerveja. Não tem que ser artesanal. Pode ser mesmo daquelas industriais baratinhas. Basta que me saiba bem.
Gosto de espumantes e ainda mais de Champanhe. Já gostei, mas começo a não gostar de vinhos muito ácidos. Deve ser da gastrite. Também não gosto de vinhos demasiado perfeitos. Não acredito na perfeição. Gosto de vinhos feitos por pessoas que arriscam e apreciam a imprevisibilidade, que sujam as mãos na adega e na vinha. Na verdade, gosto quase tanto de vinhas como de vinhos. Gosto de vinhas velhas e de vinhas novas e de vinhas assim-assim.
Passo bem sem rosés, mas bebo-os, se tiver que ser. Também dispenso Viognier e castas afins. Se me querem ver feliz, dêem-me Chardonnay da Borgonha, Riesling da Alemanha e da Áustria, Pinot Noir da Borgonha, Baga da Bairrada, Alvarinho de Monção e Melgaço, Encruzado do Dão, Malvasia de Colares, Arinto de muitos lugares de Portugal. Do Douro e do Alentejo, dêem-me vinhos de lote. Só abro uma excepção para os Alicante Bouschet do Alentejo e os Tinto Cão do Douro. Ou, já agora, para os Castelão de Setúbal e os Vinhão do Minho.
Gosto de Vinhão até para acompanhar só um naco de broa de milho e um quarto de cebola com sal. Lembra-se, senhor Baltazar, meu caro e saudoso sogro? Também gosto de Borraçal, de Alvarelhão, de Pedral, e de todas as castas nacionais que andam por aí esquecidas. Gosto de vinhos com pouco álcool e sem maquilhagens, como se diz agora. Gosto de vinhos naturais e de vinhos convencionais, com sulfitos e sem sulfitos, até podem ter sufixo e prefixo, como alguém dizia, desde que se possam beber.
Gosto da palavra “sustentável”. Tem leveza e profundidade. Gosto de biodinâmica e também gostava da agricultura que a minha mãe fazia, sem cornos mas com muito estrume na terra e muito suor — e julgo que era por isso que tudo sabia tão bem. O porco dava o estrume e o estrume ajudava a criar as couves e as batatas e depois as couves e as batatas ajudavam a criar o porco. Será que a minha mãe já fazia biodinâmica?
Gosto mesmo de vinho. Não gosto é de pregadores do vinho, nem do pensamento único e muito menos do politicamente correcto. Prefiro malandros a santinhos, tímidos a intolerantes. Mas do que eu gosto mesmo muito é de pensar que um dia vou voltar a beber vinho com o mesmo prazer de antigamente. Como quando abria uma garrafa de Mouchão para ir bebericando enquanto via um filme na televisão. Quando as refeições em família ou com os amigos eram feitas só com o mesmo vinho e se falava mais da vida do que do cheiro e do gosto a isto e àquilo. Quando se bebia vinho e não garrafas e rótulos a esmo.